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'Os Colonos' narra genocídio indígena em faroeste atípico na Terra do Fogo

Filme premiado em Cannes narra a jornada de um cowboy, um soldado e um jovem que trabalham para fazendeiro

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São Paulo

Um soldado inglês, um vaqueiro texano e um indígena não entram em um bar, mas desbravam as montanhas geladas e desérticas da Terra do Fogo, na ponta do continente latino-americano, no começo do século 20. Longe de piadas prontas e épicos aventurescos, o objetivo do trio é exterminar a população nativa.

Cena do filme 'Os Colonos', de Felipe Gálvez - Divulgação

A história parte da realidade. Oitenta anos após a independência da Espanha, as áreas campestres mais remotas do Chile ainda eram cobiçadas por fazendeiros brancos, entre eles, José Menéndez, próspero empresário ligado ao genocídio do povo Selk'nam na Patagônia.

Menéndez contratou o mercenário Alexander McLennan, ex-soldado britânico, para varrer do mapa qualquer pessoa que pudesse atrapalhar os negócios nas terras tornadas sua propriedade.

São esses os fatos históricos que dão a largada a "Os Colonos", filme de estreia do diretor chileno Felipe Gálvez, um faroeste dirigido com a crueza realista do cinema latino-americano e dono de uma estética incomodamente caprichada, que levou o prêmio da federação internacional de críticos em Cannes e outros troféus em festivais pelo mundo.

A violência brutal do genocídio não é atenuada, e tampouco ocupa a tela sem razão. Logo no começo, antes dos três personagens serem designados para a sua frívola missão, um trabalhador da fazenda de Menéndez leva um tiro por quebrar o braço.

Sem funções motoras plenas, sua existência de nada serviria no "Fim do Mundo", como é conhecida a ponta do continente, onde a lei não chega e homens se espancam para passar o tempo e provar macheza.

Os relances da câmera sobre as cenas de matança também dão estofo para o drama de Segundo, interpretado por Camilo Arancibia, jovem mestiço perturbado pela tarefa insólita de matar seus semelhantes e, ao mesmo tempo, motivo de desconfiança dos outros dois mercenários.

"Eu queria investigar essas matanças do ponto de vista de quem as executa", diz Gálvez, em conversa por videochamada. É difícil não lembrar de "Assassinos da Lua das Flores", filme de Martin Scorsese que concorre ao Oscar e também provoca sobre a espetacularização dos genocídios de nativos no cinema.

Gálvez, porém, discorda que seu filme é mais brutal. "São muitos os assassinatos que acontecem em três horas no filme de Scorsese. O que acontece é um manejo da violência."

Em "Os Colonos", a violência física ocupa aproximadamente dez minutos de tela. É aquela sistemática que interessa mais a Gálvez, que lembra que é comum encontrar estátuas de José Menéndez pelo Chile, ou seu nome batizando ruas.

Apesar do drama, os diálogos pelas paisagens deslumbrantes entre os três tem ares de sátira. "O cowboy é o herói do cinema americano, o soldado das novelas aventurescas, e Segundo é o anti-herói do novo cinema latino-americano. Ele poderia ser um personagem de Glauber Rocha", diz o diretor, que cita "Deus e o Diabo na Terra do Sol" como inspiração.

Os planos abertos, somados à trilha instrumental e ao tom épico, aproximam a narrativa de um faroeste americano, mas com certa dose do realismo fantástico caro à América do Sul. A ideia surgiu quando o diretor viu uma foto da época em que o genocídio aconteceu, e decidiu dar vida à imagem.

Não por acaso, as cores das roupas, armas e até objetos de cena parecem saturadas. A referência foram os experimentos fotográficos dos irmãos Lumière, que criaram o autocromo antes das fotografias a cores —quando os negativos eram pintados à mão.

O diretor de fotografia de "Os Colonos", Simone D'Arcangelo, trabalhou com o célebre italiano Vittorio Storaro, conhecido como "mago da luz" e responsável pela fotografia de "Apocalypse Now", de Francis Ford Coppola e dos filmes de Bernardo Bertolucci, como "Novecento" e "O Último Trago em Paris".

A estética foi pensada para que o filme não se tornasse um registro histórico. "Não buscávamos uma imagem realista, mas artificial", diz o diretor. Artificialidade que combina com a presença deslocada dos protagonistas na Terra do Fogo. "Não entendo essa disputa por uma terra que não tem nada", confessa o soldado a um general britânico que encontram pelo caminho.

Os Colonos

  • Quando Estreia nesta quinta (1º) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Mark Stanley, Camilo Arancibia, Benjamin Westfall
  • Produção Taiwan, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Chile, Argentina, França, Reino Unido, 2023
  • Direção Felipe Gálvez Haberle
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