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Em 'Dias Perfeitos', Wim Wenders segue sem a coragem do passado

Diretor, que perdeu inquietação em 1982, desperdiça talento de Koji Yakusho em filme sobre limpador de banheiros em Tóquio

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Dias Perfeitos

  • Quando Estreia nos cinemas na quinta (29)
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Koji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano
  • Produção Japão, Alemanha, 2023
  • Direção Wim Wenders

Alguns cineastas têm um período áureo muito curto, passando então a viver dos louros acumulados dentro desse período, com um ou outro pequeno acerto numa carreira errática.

É precisamente o caso do diretor alemão Wim Wenders, que agora retorna com "Dias Perfeitos", indicado do Japão ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Aqui, Wenders retorna à terra de um de seus heróis, Yasujiro Ozu, onde havia filmado "Tokyo-Ga", de 1985, um documentário em que ele busca o espírito do cineasta por Tóquio.

Koji Yakusho e Arisa Nakano em cena do filme 'Dias Perfeitos', de Wim Wenders - Divulgação

O longa acompanha Hirayama, um limpador de banheiros públicos na capital japonesa, sua rotina de certo encanto e o trânsito entre parques e praças, pequenas lanchonetes e lojas, livrarias e lojas de discos.

Hirayama, um homem que sonha imagens de vanguarda em preto e branco, é interpretado por Koji Yakusho, excelente ator, mais conhecido por protagonizar algumas obras magníficas de Kiyoshi Kurosawa, como "Cura", de 1997, ou "Pulse", de 2000, entre outros.

A trilha sonora, com músicas do Velvet Underground, Otis Redding, do obrigatório Lou Reed, como sugere o título original, ou dos Animals, parece comentar a internacionalização do Japão contemporâneo e, principalmente, de sua capital, Tóquio, onde já não encontramos tanto a tradição que Ozu tão bem retratou.

Mas é também uma tentativa de retorno ao início da carreira de Wenders, quando filmou seu primeiro longa, "Summer in the City", de 1971, cujo título remete a um sucesso da banda The Lovin' Spoonful. Ou um curta simpático chamado "Três LPs Americanos", de 1969, que passeava pelo pop-rock da época.

Esse retorno razoavelmente orquestrado parecia conspirar para que Wenders tivesse o seu primeiro bom filme de ficção em muitos anos, fazendo-nos esquecer de bobagens recentes como "Tudo Vai Ficar Bem", de 2015, e "Submersão", de 2017.

A grande fase de Wim Wenders, na verdade, se encerrou com "O Estado das Coisas", lançado em 1982 —justamente no ano em que morreu Rainer Werner Fassbinder, o maior nome do cinema na Alemanha da segunda metade do século passado.

A partir de então, falou-se muito, e com razão, de uma forte decadência do cinema alemão, pela irregularidade ou pela internacionalização de seus principais nomes. Essa queda melhorou aos poucos graças à chegada dos cineastas da Escola de Berlim, principalmente Christian Petzold e Angela Schanelec, que nos anos 2000 se firmaram como ótimos diretores.

Por mais que o americano-europeu "Paris, Texas", de 1984, e o franco-alemão "Asas do Desejo", de 1987, fossem belos filmes, já se sentia que algo havia mudado. A inspiração de Wenders parecia estar chegando ao fim. A confirmação veio com "Até o Fim do Mundo", de 1990, longa que demonstrava um beco sem saída.

Sua carreira após 1987 tem documentários medianos ou razoáveis como "Buena Vista Social Club", de 1999, "Pina", 2011, ou "O Sal da Terra", de 2014, e longas de ficção constrangedores como "Medo e Obsessão", de 2004, e "Estrela Solitária", de 2005.

O diretor fez um único longa de ficção decente nesse período todo: "O Céu de Lisboa", de 1994, filmado em Portugal, terra de Manoel de Oliveira. O mestre português aparece, no alto de seus 85 anos, com uma dança simpática e chapliniana no filme.

Wenders consegue recuperar sua força em "Dias Perfeitos" até certo ponto. O interessante trabalho com repetições é parcialmente interrompido por alguns encontros intrusivos, embora a chegada da sobrinha inicie uma bela sequência em que, do ponto de vista dela, dois modos de vida se opõem: o contemplativo e simples, que ela admira no tio, e o apressado e rico, que ela parece recusar na mãe.

Com o Wenders atual, contudo, algo está sempre prestes a sair dos trilhos. Aspectos de crítica social como o preconceito da irmã do protagonista com sua profissão, ou de crítica comportamental, como a descaracterização de uma nação de costumes e cultura tão forte, são tratados de forma enviesada, sem a força que poderiam ter se tudo estivesse mais bem estruturado.

Por querer abarcar coisas demais sem dar conta da maioria delas, o filme se torna um desperdício de Koji Yakusho, uma resposta meio fracassada ao dinamismo artificial do cinema contemporâneo e uma tentativa sem fôlego de retorno ao começo de um percurso que há muito havia perdido o brilho.

A inquietação dos primeiros filmes desapareceu no horizonte. O que sobra é um olhar terno para os rejeitados e uma certa recusa à pressa dos nossos dias, embora sem a coragem de ser realmente simples e contemplativo.

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