Descrição de chapéu Clube da Leitura Folha

É essencial que contos pareçam ter sido feitos sem esforço, diz escritora

'O Sol na Cabeça', livro de contos de Geovani Martins, é tema do próximo Clube de Leitura Folha

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Cíntia Moscovich

O próximo encontro do Clube de Leitura Folha discute "O Sol na Cabeça", livro de contos lançado neste ano pelo carioca Geovani Martins, que desponta na literatura brasileira mesmo tendo apenas 27 anos. A conversa será na terça-feira (25), às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Pátio Paulista e tem entrada gratuita. Leia a seguir um texto da escritora premiada Cíntia Moscovich sobre a arte de fazer contos.

 

geovani martins com microfone atrás de seu livro
O escritor Geovani Martins, autor de 'O Sol na Cabeça', durante evento da Folha - Reinaldo Canato/Folhapress

Foi Baldassare Castiglione, lá no início do século 16, em seu "O Livro do Cortesão", quem cunhou a expressão "sprezzatura", referindo-se àquela virtude que deveria ser cultivada por um cavalheiro e cuja prática tornaria “tudo o que se faz ou que se diz parecer sem esforço". 

Ao recomendar essa gentil dissimulação, Castiglione condenava a afetação e louvava a capacidade de disfarçar o que realmente se deseja por trás de uma máscara de indiferença.

Esconder o truque, aparentar naturalidade, mostrar uma coisa enquanto se pretende outra: a lição de Castiglione foi logo incorporada não só pela corte mas pelas diferentes formas artístico-expressivas —e é na literatura, e em especial no conto, que ela se realiza ao completo.

Desde Edgar Allan Poe, canonizado como o pai do conto moderno, valoriza-se a narrativa curta que é construída com base em duas histórias: uma história que é contada em primeiro plano, visível e legível, e outra história, oculta, narrada de forma fragmentária e descontinuada. 

É claro que cada uma dessas duas histórias é contada de uma maneira diferente, com dois sistemas diversos de causalidade. Aquilo que, à primeira vista, podia parecer simples e natural se complica —e deve continuar parecendo, acima de tudo, simples e natural.

Em seu livro "O Laboratório do Escritor", o argentino Ricardo Piglia, morto no ano passado, tem um pequeno mas precioso ensaio intitulado "Teses sobre o conto". Com simplicidade, Piglia sintetiza a relação entre essas duas instâncias, às quais chama de "história aparente" e "história cifrada". 

Se o conto tem por característica a brevidade (o romance, por definição, seria mais longo) e a presença de uma só trama (o romance admitiria enredos acessórios e acontecimentos paralelos), tudo o que está num conto é suficiente e necessário, para voltar a usar a noção clássica. 

Se a história aparente não estiver em completa sintonia com a história cifrada, se houver movimentos inúteis, se houver excesso de informações, se, por outro lado, houver escassez de informações, o conto não pode se realizar como conto. 

A dificuldade é encontrar a medida justa entre o que contar e o que ocultar, sem que se menospreze ou subestime o leitor e, muito menos, sem deixar à mostra esse delicado trabalho de elaboração.

Ao fim de um bom conto —e os bons finais tendem a ser imprevisíveis mas inevitáveis—, o impulso é de voltar ao início para rever o que era apenas sugestão. Desse movimento vem a circularidade contística, um dos traços mais particulares do gênero.

Se o conto é uma estrutura armada de “maneira inteligente”, que tira literalmente o máximo do mínimo, que convoca a participação do leitor, montar um volume de contos não é pouca coisa. 

O mais comum é que o autor eleja um tema em torno do qual os contos do volume vão orbitar —e aí deixam de ter vez vários “contos de gaveta”, que não necessariamente se relacionam com a temática da vez. 

Talvez o mais adequado seja eleger um tema mais ou menos vago: “contos sobre o cotidiano” ou “contos sobre a miséria humana”, por exemplo. Acho, no entanto, que não posso revelar demais sobre esse assunto. "Sprezzatura" —essa é a chave da elegância, afinal.


Cíntia Moscovich, escritora e jornalista, é autora dos livros de contos "Essa Coisa Brilhante Que É a Chuva" e "Arquitetura do Arco-Íris".

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