Batalha contra erotismo é pilar da era Bolsonaro, diz professora

Cruzada moralista tem papel decisivo na ideologia que orienta projeto do presidente

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Eliane Robert Moraes

A cruzada moralista do governo Bolsonaro —com suas princesinhas infláveis e seus garanhões mumificados— parece compor a face mais ridícula do velho conservadorismo que se impõe uma vez mais à nação.

Todavia, ela não se reduz apenas a seu aspecto caricato. A rigor, essa cruzada tem papel decisivo na ideologia que orienta o projeto bolsonarista como um todo e se conecta a fundo com suas principais bandeiras.

A primeira delas diz respeito ao desmanche da educação em geral, cuja evidência se revela tanto no desprezo pelas ciências humanas quanto no repúdio ao programa Escola sem Homofobia, entre tantos outros desmandos. 

 

Como é praxe nos regimes autoritários, a equipe presidencial vem fazendo de tudo para desqualificar as cabeças pensantes, impedindo o acesso das novas gerações ao conhecimento crítico e ao debate de ideias. 

O que dizer então da ameaça que, aos olhos desses censores, pode representar a existência de corpos livres? 

Convém lembrar que, no capítulo da sexualidade, não foram poucas as mudanças que o Brasil testemunhou nas últimas décadas. Mulheres, gays, lésbicas, transexuais e simpatizantes de todos os sexos saíram dos respectivos armários para denunciar preconceitos, feminicídios, homofobias e abusos de toda ordem, em lutas que reverberaram nas ruas e nas telas, nas escolas e nas TVs. 

Delas resultaram as delegacias da mulher, os manuais de educação sexual, os desfiles das paradas gays e muitas outras iniciativas coletivas. 

Se ainda temos muito —e muito mesmo— a fazer nesse sentido, uma coisa é certa: nossos corpos estão mais livres e não há retrocesso possível.

Não há retrocesso possível e, por isso, o ostensivo repúdio à liberdade de Eros por parte da família Bolsonaro representa uma declaração de guerra. Declaração que tem por base uma evidência de fato incontestável: a de que tais conquistas se mostraram capazes de perturbar o status quo patriarcal ao qual o país estava condenado, oferecendo novas potencialidades sensíveis às nossas vidas. 

Não surpreende que os puritanos de plantão tenham tachado a diversidade sexual de inimiga número 1 de sua evangelização totalitária. Convenhamos, aliás, que nisso eles têm razão.

Mais estreitos ainda são os laços que unem a intolerância sexual ao culto às armas, de assustadora frequência nos discursos governamentais. 

O que dizer dos últimos decretos do presidente que associam o porte de armas à compra de munições e à prática de tiro a maiores de 14 anos, sem aval judicial? Tudo leva a crer que, no entendimento do chefe da nação, a formação de futuros cidadãos se faz cada vez menos nas escolas e, circunscrita aos clubes de elite, privilegia o adestramento no manejo de armas de fogo. 

À luz da exaltação bélica, a questão moral se recobre ainda de maior gravidade: afinal, a dimensão erótica não supõe apenas modos de expressão da liberdade, mas implica também —e sobretudo— uma das mais candentes afirmações da vida. 

O que vivemos hoje no Brasil é, decididamente, uma guerra de Tânatos contra Eros. Tal confronto convoca nossa responsabilidade e a tomada de posição se faz urgente. 


Eliane Robert Moraes é professora de literatura brasileira na USP. Publicou, entre outros, “Perversos, Amantes e Outros Trágicos” (Iluminuras).

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