Descrição de chapéu tiktok Facebook Meta

Musk e Zuckerberg não estão do nosso lado, diz tiktoker que critica redes sociais

Para Rayne Fisher-Quann, canadense de 20 anos, é ridículo conceber plataformas como ferramentas revolucionárias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Teté Ribeiro

Jornalista, é autora de "Minhas Duas Meninas", "Divas Abandonadas" e dois guias de Nova York baseados na série "Sex and the City". Morou em Nova York, Califórnia e Washington entre 2000 e 2010

[RESUMO] A canadense Rayne Fisher-Quann, 20, virou celebridade com seus posts sobre temas como feminismo, geração Z e capitalismo. Ativa na internet desde os 13, ela avalia que as redes sociais podem ser perigosas para adolescentes, protesta contra a imposição de padrões de beleza e diz ser ridícula a ideia de que as plataformas sejam ferramentas revolucionárias.

Faz cerca de um ano que o nome de Rayne Fisher-Quann começou a pulular por todos os lados. Todos os lados, não, isso é um exagero. É na verdade um lado bem específico: o de um número cada vez maior de pessoas, sobretudo na faixa de 15 a 23 anos, que passaram a se apoiar nas opiniões e nos pensamentos dessa garota de 20 anos, que assina como @raynecorp ou "internet princess" (princesa da internet), seus dois codinomes mais populares.

Toda vez que algum conflito, alguma controvérsia ou só mesmo uma notícia aparece envolvendo uma intersecção dos temas feminismo, geração Z, internet e capitalismo, é a voz de Rayne que esses seguidores —cerca de 200 mil pessoas que se denominam seus "funcionários"— esperam ouvir para formar seus pontos de vista.

A influencer e tiktoker Rayne Fisher-Quann
A tiktoker Rayne Fisher-Quann - Acervo pessoal

Em grande parte das vezes, eles acabam viralizando, especialmente os monólogos que ela posta no TikTok, filmados por ela mesma com a câmera de seu iPhone. Foi na rede social chinesa que Rayne cimentou seu lugar como uma voz feminista e jovem a que se deve prestar atenção.

"Dei muita sorte porque o TikTok não era uma plataforma que tinha muita gente fazendo o tipo de crítica profunda que eu faço, especialmente da minha idade, então preenchi um gap nesse mercado, acho", disse ela à Folha, em uma conversa de uma hora por Zoom no começo da semana passada.

Era a segunda vez que a Folha marcava uma entrevista com Rayne, que respondeu rapidamente ao email com o pedido de conversa, mas nunca deu sinal de que leu a DM (direct message), a mensagem direta mandada pelo Instagram.

A primeira entrevista foi marcada por ela para o meio-dia de uma quinta-feira, pelo horário conhecido como PST ("Pacific Standard Time"), o fuso horário do Pacífico, que abrange partes do oeste do Canadá, dos EUA e do México, e está quatro horas atrás do horário de Brasília. Rayne mora em Vancouver, cidade portuária na costa oeste do Canadá, com mais ou menos 680 mil habitantes.

No dia e na hora marcados, uma reunião por Zoom foi criada, mas ela não apareceu. Duas horas mais tarde, mandou um email gentil pedindo milhões de desculpas e explicando que havia perdido a hora, apesar de ter botado o despertador para as 11h. Insistiu que a entrevista fosse remarcada, porque ela, como uma "colega jornalista", entendia como isso era frustrante.

Rayne trabalha como repórter de música para um jornal local, emprego que arrumou quando decidiu abandonar o curso de física que fazia na universidade, motivo que a levou a se mudar para Vancouver. Ela é originalmente de Toronto, cidade com 3 milhões de habitantes no sudeste do Canadá, que fica a uma hora e meia de avião de Nova York e onde todos os anos acontece o badalado TIFF (Festival Internacional de Cinema de Toronto), em setembro —e para onde ela pretende se mudar de volta nas próximas semanas.

Na segunda data marcada, no horário exato, Rayne apareceu na tela do computador. Pediu desculpas mais uma vez pelo furo, "não sei como isso foi acontecer", disse ela. Com uma mecha na frente do cabelo descolorida, sem maquiagem, com uma camiseta cinza larga e cara de quem acabou de acordar, falou que estava animada com a oportunidade de ser apresentada aos leitores de um jornal brasileiro. "Sou uma grande apoiadora do jornalismo profissional", afirmou.

Mas seu veículo de escolha são as redes sociais, pelo menos até agora. Aos 20 anos, já passou bem mais de um quarto de sua vida dedicando um tempo considerável de seus dias aos seus perfis online. Tudo começou no Instagram, em que, aos 13 anos, seus pais permitiram que ela criasse um perfil para seu hamster de estimação, que chegou a ter cem seguidores.

No ano seguinte, teve autorização para criar uma conta pessoal. Dois anos depois, aos 16, entrou no Twitter com a intenção de despertar outros jovens para causas que ela considerava relevantes na política local. O ativismo foi a porta de entrada para o que Rayne chama de sua "persona digital".

"Até então, minha experiência com a internet era muito positiva. Consegui abrir os olhos de muita gente para os assuntos que eu discutia, tive muito sucesso mesmo, as pessoas ficavam conectadas a tudo que eu escrevia", disse.

Então, de uma hora para outra, foi tomada por uma vontade incontrolável de falar de relacionamentos, meninos, sexo e relatar a experiência de ter a vida transformada por aquilo tudo que acontece com as meninas quando, sem nenhum aviso prévio, viram o centro das atenções.

"E aí não adianta só você ter muitas coisas a dizer, você tem que ser magra, ter um tipo físico específico e, fui descobrindo aos poucos, estar maquiada para ser levada a sério", afirmou Rayne. Ela conta que fez um post satírico sobre isso, em que se maquiava enquanto discorria sobre o fato de que os posts que fazia com o rosto maquiado eram muito mais lidos e tinham muito mais interações que os que fazia de cara lavada.

A pressão de manter os dois perfis ativos ao mesmo tempo em que a vida offline ficava mais turbulenta tornou-se grande demais, e Rayne, que apresenta sintomas de transtorno obsessivo compulsivo e de depressão desde a primeira infância, começou a sofrer uma ansiedade que parecia não passar. Pergunto o que pesou mais: o fato de ter ficado relativamente famosa na internet ou ter virado "adulta".

"Acho que a experiência da fama é muito parecida com a de ser mulher, elas têm muita coisa em comum. Nas duas situações, a pessoa se preocupa excessivamente com o jeito como as outras a veem e se sente meio na obrigação de representar o tempo todo, além de estar constantemente atenta à aparência. É como se a fama fosse uma exacerbação da feminilidade", respondeu.

A solução da menina canadense para lidar com o estresse que se acumulava de maneira preocupante foi... entrar no TikTok. Em janeiro de 2020, em busca de "uma plataforma em que eu pudesse ser eu mesma, sem seguidores, sem consequências", como disse, criou a @raynecorp, cujo nome tem embutida a crítica que ela faz ao fato de que, nas redes sociais, as pessoas agem como se fossem uma empresa, uma corporação.

Foi no TikTok que Rayne explodiu. Vídeos sérios e críticos, analíticos, são entremeados por outros de pura diversão inconsequente, como vários em que dubla músicas pop fazendo carão. Há também os posts em que relata o fato de que os homens mais velhos se interessam por ela exatamente por ela ser jovem, mas depois se irritam quando ela não reconhece uma referência a um filme, uma música ou uma série de muitos anos atrás.

Rayne não tem milhões de seguidores, mas seu público é fiel. Seus seguidores reagiram à altura à provocação dela de nomear seu perfil de raynecorp e passaram a se identificar como "employees" dela (funcionários, em inglês).

"Tudo começou como uma sátira, mas foi ficando bem literal muito rapidamente. Estou fazendo meu imposto de renda neste ano pela primeira vez, e meu contador me disse, ‘Você já considerou a ideia de se transformar em uma empresa? Isso ajudaria muito na hora de calcular seus impostos’. Foi surreal", contou.

"Acho que isso tudo é muito negativo, especialmente na vida de uma menina jovem. Eu passo muito tempo na internet, mas tenho muitas críticas a ela. As garotas estão começando cada vez mais cedo a agir nas redes como se fossem tanto um produto como a equipe de marketing dele."

"As redes sociais são a resposta do mercado para o que foi interpretado como uma vontade global de todo o mundo ser famoso, que parecia muito presente no começo dos anos 2000, quando os reality shows apareceram", diz. "Elas dão essa oportunidade de as pessoas terem uma microdose de fama, como as celebridades de verdade. Acho bem amedrontador e perigoso."

O mundo dos negócios, no entanto, não tem tempo a perder, e o tipo de engajamento que Rayne desperta em seu público também desperta todas as células dos caçadores de influencers que existem por aí, loucos por uma semicelebridade que aceite endossar uma grife de verdade nas redes sociais, como se fosse essa a fórmula infalível de convencer alguém a consumir algo.

Com seu nome exótico e marcante, seu rosto aprazível, sua juventude extrema e seus posts cheios de opiniões e sem nenhuma censura, Rayne virou alvo de diversas empresas, representadas por agentes, publicitários e outros tipos. Ela, contudo, optou por manter seu nome "ad-free", como ela chama. Não aceitou nenhuma proposta de publipost, aqueles posts em que os tais influenciadores elogiam um produto qualquer, e diz que nunca vai aceitar.

Mas precisa, como quase todo o mundo, pagar o aluguel. E, como repórter de música de um jornal local, não estava dando conta. Além disso, gosta da atenção que recebe nas redes. Optou, então, por cobrar pela leitura de seu conteúdo.

No segundo semestre do ano passado, Rayne criou uma newsletter, a Internet Princess, que, a partir de janeiro deste ano, adotou um modelo poroso de negócio. Ela é grátis para quem assina, mas seus apoiadores mais fervorosos podem pagar US$ 5 ou US$ 10 por mês e ter acesso a uma coluna de conselhos, que podem ser tanto de relacionamento quanto de política, de questões de feminismo ou de qualquer assunto aleatório em que ela se sinta capaz de opinar. Afora isso, indica livros, artigos de revistas e jornais.

Os textos da newsletter são bem mais longos e detalhados que os vídeos de três minutos que fizeram de Rayne um nome a ser seguido no TikTok. Aliás, ela escreveu em uma das edições da Internet Princess do final de 2021 que acredita que o TikTok não terá vida longa.

"Tenho visto muita gente, inclusive muitas adolescentes que cresceram no TikTok, tentando trazer sua audiência para os blogs. Os ensaios em vídeo com duração de três horas estão cada vez mais populares. E não gosto de como tudo o que eu posto no TikTok fica inevitavelmente ligado à minha voz, ao meu rosto e ao meu corpo", disse.

Além disso, Rayne acredita que pessoas bem mais velhas que ela, essa tribo que mal conhece e com quem não se identifica, especialmente "do mundo da mídia", tentam empurrar a ideia de que as redes sociais são ferramentas de organização revolucionárias, o que ela considera completamente ridículo.

"Ninguém faz uma revolução trabalhando de graça para uma empresa criada ou comprada pelo Mark Zuckerberg, pelo Jeff Bezos ou pelo Elon Musk. Eles não estão do nosso lado."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.