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Teté Ribeiro

Monica Lewinsky se vinga de caso Clinton em série na TV

'Impeachment: American Crime Story' estreia no streaming Star+ na próxima quarta (22)

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Teté Ribeiro
Teté Ribeiro

Jornalista, autora de "Minhas Duas Meninas", "Divas Abandonadas" e dois guias de Nova York. Foi apresentadora do programa “Saia Justa” e editora da revista Serafina.

[RESUMO] Provavelmente a primeira vítima de linchamento virtual, ainda nos primeiros anos da internet, a ex-estagiária e amante de Bill Clinton tem seu ponto de vista do escândalo que marcou sua vida transformado em minissérie. Enquanto Clinton se safou no Senado das acusações de falso testemunho e obstrução de justiça, que poderiam ter custado seu mandato, Monica Lewinsky foi condenada e punida pela opinião pública.

Foi, talvez, a maior sacanagem do mundo moderno. Ou, talvez, as duas maiores sacanagens do mundo moderno. Uma delas teve início por volta do final do verão americano de 1997, quando Linda Tripp, 48, uma funcionária do Pentágono amarga e oportunistas, decidiu gravar os telefonemas de sua colega de trabalho, uma estagiária de 24 anos com o coração partido.

Monica Lewinsky viu seu nome virar manchete no mundo inteiro e piadas recheadas de todo tipo de preconceito por causa dessas 22 horas de conversas gravadas —22 horas de confissões, pedidos de ajuda e falta de esperança; 22 anos quando começou seu caso, 22 horas de traição.

Monica Lewinsky em Los Angeles  - Ryan Pfluger - 16.ago.21/The New York Times

Ao contrário de quase todo o mundo hoje em dia, Monica não queria ser famosa, nem influenciar ninguém, viralizar ou coisa que o valha. Não estava promovendo nada, muito menos a si mesma.

A segunda sacanagem foi novidade, não pela situação pessoal, quase banal: se encantou pelo chefe, o presidente Bill Clinton, com mais que o dobro da idade dela, poderoso e sedutor, que a transferiu à revelia quando sua presença começou a incomodar. No novo trabalho, contou seus segredos a uma colega com idade para ser sua mãe, que parecia compreensiva e confiável, mas não era nem uma coisa nem outra.

Monica Lewinsky não foi a primeira menina que viu uma fofoca sobre sua vida íntima ser transformada em chacota nem a sofrer preconceito por causa de sua forma física, mas sua situação foi novidade pela consequência: ela foi a primeira vítima do cyberbullying, quando esse termo ainda nem existia.

Não se tinha ideia de que a internet, uma seminovidade na época que chegou com a promessa de melhorar nossas vidas, também poderia servir para que um bando de gente covarde, colérica e machista se unisse virtualmente, mantendo o anonimato, para destruir uma pessoa.

Agora, Monica pode se tornar uma das primeiras sobreviventes desse linchamento virtual a ter sua vingança em forma de seriado de TV, o produto de entretenimento e cultura mais badalado dos nossos dias. Na próxima quarta (22), a plataforma de streaming Star+ põe no ar os dez episódios de "Impeachment: American Crime Story", com Sarah Paulson como Linda Tripp e Edie Falco como Hillary Clinton.

Vinte e cinco anos depois de entrar no que seria seu inferno pessoal, Monica Lewinsky não deixou passar a chance de ter os holofotes e a atenção do mundo mais uma vez, para que, agora, pudesse mostrar a sua versão da história. Teve que reviver o maior trauma de sua vida, mas preferiu pagar esse preço a assistir a mais uma adaptação parcial de sua história.

No ano passado, Lewinsky produziu e narrou um documentário para a HBO Max, "15 Minutes of Shame" (15 minutos de vergonha), em que examinava como um mau passo na vida pode dar origem a uma avalanche de ódio, da qual nem todo mundo consegue se recuperar. Além de sua história pessoal, contou outras, mas nenhuma tão absurda quanto a dela. O filme já está disponível no streaming no Brasil.

Foi o produtor Ryan Murphy quem tomou a iniciativa de transformar o escândalo que ela protagonizou em minissérie de TV. Procurada por ele, odiou a ideia e não quis nem saber dos detalhes da versão fictícia de sua tragédia muito real. Murphy argumentou que, depois da série ir ao ar, ela teria a chance de testemunhar, em vida, "um pedido de desculpas em nome de todas as pessoas".

Não foi esse o argumento que a fez mudar de ideia. Monica Lewinsky não tem mais tanta esperança na raça humana, mas consentiu com a produção e se envolveu completamente com ela, como tudo que fez na vida, certo ou errado: sem se economizar. Supervisionou todos os diálogos, os cenários, os figurinos, palpitou na escolha dos atores e assistiu a todas as gravações.

Nos Estados Unidos, "Impeachment: American Crime Story" foi ao ar semanalmente a partir de setembro do ano passado e sacudiu o inconsciente coletivo do público americano. Gerou um sem número de críticas, análises, pensatas, pesquisas e mea-culpa durante os pouco mais de dois meses que demorou para ser concluída. Ficou faltando, porém, o tal pedido de desculpas universal ou mesmo qualquer ato de solidariedade da parte de Bill Clinton, mas ainda não chegamos a esse nível de magnanimidade coletiva.

Algo parecido aconteceu com a atriz canadense Pamela Anderson alguns meses atrás, em fevereiro, com o lançamento da minissérie "Pam & Tommy", criada pela dupla de comediantes Evan Goldberg e Seth Rogen e com alguns episódios dirigidos por Craig Gillespie ("Eu, Tonya"), que recriou o roubo de um vídeo caseiro em que ela aparecia transando com seu marido, o baterista Tommy Lee, na lua-de-mel do casal, em 1995.

Quase três décadas depois, a minissérie, produzida sem o consentimento de Pamela Anderson, tornou evidente a injustiça e a diferença de pesos e medidas adotados para homens e mulheres que ninguém na época viu ou quis ver. Pamela agora prepara um documentário para a Netflix, ainda sem previsão de lançamento.

Dois meses depois da estreia da minissérie em oito episódios, no entanto, a atriz canadense, hoje com 54 anos, pisou pela primeira vez em um palco da Broadway, no musical "Chicago".

Em 1995, Monica Lewinsky tinha acabado de se formar no Lewis & Clark College, em Portland, Oregon, estado vizinho da Califórnia, onde foi criada, quando conseguiu um estágio na Casa Branca, em Washington, do outro lado do país.

Sua mãe, Marcia, empolgada com a perspectiva de sucesso profissional da filha, a ajudou a encontrar um apartamento na capital norte-americana, no famoso edifício Watergate. Comprou os móveis e escolheu as roupas que ela deveria usar para se apresentar de maneira apropriada no novo trabalho. Era uma oportunidade excitante para toda a família, uma filha recém-formada frequentando o centro do poder político do país.

Seu pai, Bernard Lewinsky, um judeu alemão que se mudou para os EUA aos 14 anos, é um médico especializado em oncologia. Ele e Marcia Vilensky, uma escritora freelance, se casaram em 1969 e tiveram dois filhos: Monica em 1973 e Michael dois anos depois. O casamento acabou em 1987, quando Monica tinha 14 anos.

Oito anos depois, ela se tornaria amante do homem mais poderoso do mundo livre, como se costuma escrever a respeito dos presidentes dos Estados Unidos. No caso de Monica, era o democrata Bill Clinton, eleito aos 46 anos em 1993 e reeleito em 1997. Foi presidente até janeiro de 2001. O namoro começou em 1995 e durou dois anos.

Clinton, cujo nome verdadeiro é William Jefferson Blythe, nasceu em Hope, no estado de Arkansas. Seu pai, o vendedor texano William Jefferson Blythe Jr., morreu três meses antes do nascimento de Bill. Sua mãe, Virginia Dell, se casou em 1950 com Roger Clinton, dono de uma revendedora de carros. O filho adotou o sobrenome do padrasto aos 15 anos, apesar de ter contado em entrevistas que Roger era um alcoólatra que abusava de sua mãe.

Bill Clinton estudou na Universidade Georgetown, em Washington, que pagava com o trabalho no escritório do senador William Fulbright, também do Arkansas, fundador do programa das famosas bolsas de estudo que levam seu nome. Foi membro daquelas sociedades de alunos que se destacam pelo espírito de liderança e excelência acadêmica, com nomes formados por letras do alfabeto grego, como Kappa Kappa Psi e Phi Beta Kappa.

Depois, estudou direito na Universidade Yale, onde conheceu Hillary Rodham Clinton, de Chicago, formada em ciência política pelo Wellesley College. Hillary se formou em direito em 1973, ano em que Monica Lewinsky nasceu. Hillary e Bill se casaram em 1975, quando Monica tinha dois anos. Ela tinha 28 anos, ele, 29.

Cinco anos depois, em 1980, nasceu a única filha do casal, Chelsea Clinton, que hoje tem 42 anos, é casada com o banqueiro de investimentos Marc Mezvinsky e mora no Gramercy Park, bairro sofisticado de Manhattan, com os três filhos, Charlotte, Aidan e Jasper.

Chelsea leva a vida que Bernard e Marcia provavelmente sonhavam para Monica. No entanto, Monica queria mais que isso —queria ter marido, filhos e uma vida profissional interessante. Teve um futuro bem diferente do que imaginou: nunca se casou, não teve filhos, nunca se encontrou profissionalmente, lutou por quase toda a vida adulta contra os efeitos de um transtorno de estresse pós-traumático e até hoje tem pavor de tornar público qualquer relacionamento íntimo com um homem.

Monica nunca se vingou do que aconteceu com ela. Nunca passou um trote que fosse para Linda Tripp, a demônia que conquistou sua confiança, ouviu seus segredos mais íntimos, provocou confissões que talvez ela nunca fizesse por conta própria e trocou tudo isso por um contrato com uma editora de livros, depois por impunidade na Justiça.

Monica nunca falou nada publicamente contra Bill Clinton, o homem em quem fez sexo oral no Salão Oval da Casa Branca depois de ela chupar balas de menta que faziam uma coceirinha em seu pênis, o homem que usou um charuto para penetrar sua vagina e depois fumou sentindo seu gosto e seu cheiro, que se masturbou em sua frente e gozou em seu vestido azul da Gap, e que depois a transferiu para o Pentágono para que o caso não atrapalhasse sua reeleição.

Quando o affair vazou para a imprensa, o então presidente foi à televisão dizer que nunca tinha tido relações sexuais com "aquela mulher".

Clinton sofreu um processo de impeachment em 1998 por causa de outro escândalo ligado à sua vida sexual. Foi o caso Paula Jones, uma ex-funcionária pública que alegou que, em 1991, Clinton, então governador de Arkansas, a teria pressionado a fazer sexo oral nele. Ela teria recusado, mas acabou prejudicada profissionalmente. Jones entrou com ação contra Clinton em 1994, o que municiou a oposição para a abertura do processo de sua cassação.

Então, durante as etapas do processo, eis que as 22 horas de gravações de Linda Tripp foram parar na mão do procurador de Justiça Kenneth Starr e deram base para a abertura de novas investigações. O presidente negou sob juramento o relacionamento com Monica, que, a seu pedido, fez o mesmo. As gravações, contudo, confirmavam o caso, e Clinton foi processado por falso testemunho e por obstrução de justiça.

Uma votação no Senado dos EUA, em fevereiro de 1999, absolveu Clinton das duas acusações. Ele comemorou o resultado com um passeio de mãos dadas com sua mulher. Na Justiça, o processo de assédio sexual movido por Paula Jones foi arquivado por falta de provas em abril de 1998.

Monica Lewinsky, contudo, foi julgada, condenada e punida pela opinião pública. Em uma dessas coisas que dizem mais que mil pesquisas publicadas em revistas científicas, Bill Clinton é interpretado, na série que estreia na próxima semana, pelo ator inglês indecentemente sexy Clive Owen, enquanto o papel de Monica ficou com a atriz californiana Beanie Feldstein, irmã mais nova do ator Jonah Hill e mil vezes menos interessante que a personagem da vida real.

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