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Ilona Szabó de Carvalho e Renato Sérgio de Lima

Governo deve proteger a vida de quem se dedica a preservar a Amazônia

Desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips traz tristeza profunda diante da omissão de autoridades

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Ilona Szabó de Carvalho

Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia) e presidente do Instituto Igarapé. Autora de “A Defesa do Espaço Cívico”

Renato Sérgio de Lima

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

[RESUMO] O desaparecimento de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari evidencia como se articulam, na Amazônia, violências e ilegalidades profundas e grandes deficiências e vazios institucionais. Um governo comprometido com o país deve priorizar a proteção da vida daqueles que se dedicam à proteção da região.

Tristeza profunda e uma terrível sensação de impotência são sentimentos que nos foram despertados diante das notícias sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips no Vale do Javari, na região amazônica, sobretudo diante da omissão e da resposta tardia das autoridades e de tentativas de culpar Bruno e Dom por seu desaparecimento.

A opção de ignorar o dever e a responsabilidade maior do Estado —a proteção da vida de seus cidadãos e cidadãs— se manifestou na reação à morte de Genivaldo de Jesus Santos em uma viatura da PRF transformada em câmara de gás, em Sergipe. Também esteve presente nas justificativas da operação policial na Vila Cruzeiro, que deixou 25 mortos e sequestrou a liberdade dos moradores da comunidade de estudar, ter atendimento à saúde ou ir e vir.

Manifestantes demandam empenho do governo brasileiro nas buscas de Bruno Pereira e Dom Phillips, em frente à embaixada brasileira em Londres - Toby Melville/Folhapress

Estamos submetidos a um projeto político que parece se orgulhar de o Brasil ser um dos países mais violentos do planeta, onde a crueldade e a destruição passaram a ser não só toleradas, mas incentivadas, um país onde a indiferença à dor vira regra e a intolerância e a covardia passam a ser marcas registradas.

Esse, porém, não é o país que queremos. Aliás, esse não é o projeto de país e de nação previsto em nossa Constituição e cujas instituições de Estado juraram lealdade e à qual devem respeito. O interesse nacional que emerge da Constituição é o de uma nação democrática, plural, que valoriza a vida e o meio ambiente e repele todas as formas de inequidade e desigualdade.

O desaparecimento de Bruno e Dom na Amazônia evidencia o enorme desafio dessa região de riqueza imensa, marcada pela sobreposição de violências e ilegalidades e por grandes deficiências e vazios institucionais. Nesse contexto, o desmatamento descontrolado é impulsionado por diferentes economias ilícitas que movimentam um ecossistema de criminalidade que envolve crimes ambientais, financeiros, tributários e crimes violentos.

É notória a dificuldade de se construir convergências sobre o papel da Amazônia na construção do interesse nacional e no modelo de soberania e desenvolvimento socioeconômico e ambiental dele derivado.

Inimigos imaginários e reais misturam-se entre si. Riscos efetivos são minimizados, seja pelas doutrinas de defesa nacional desfocadas das reais ameaças, seja pela incapacidade de se construir meios de coordenação e governança democrática de realidades complexas como a amazônica, que mesclam diferentes níveis de relações federativas e de interesses político-ideológicos.

Como mostra o relatório "O ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma análise das economias ilícitas da floresta", do Instituto Igarapé, o crime ambiental não acontece sozinho. Ele fomenta ou é fomentado por outros crimes como fraude, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes violentos, como homicídios, tráfico de armas e de drogas.

Somado a isso, segundo o estudo "Cartografia das violências na região amazônica", elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa média de violência letal na região é 40,8% superior à verificada nos demais municípios brasileiros. Há sobreposição de crimes e violências e há intensa presença de facções do crime organizado, com mais de 20 organizações regionais e duas grandes organizações nacionais que disputam as principais rotas nacionais e transnacionais de narcotráfico.

A resposta a esses desafios passa pela reconstrução do espaço cívico brasileiro e pela superação do imobilismo político. É urgente avançarmos um debate articulado e não subordinativo entre as esferas da proteção do meio ambiente, da garantia de direitos fundamentais da população que habita a região e a capacidade estatal em prover segurança e soberania nos termos previstos na Constituição.

É urgente priorizar o cumprimento da lei e a segurança na região —segurança humana no nível mais básico de dignidade da vida, segurança pública e segurança jurídica.

Nossas organizações estão engajadas na elaboração de uma agenda de segurança multidimensional para a Amazônia, na expectativa de que um governo comprometido com o país priorize com urgência o desenvolvimento sustentável da região e a proteção da vida daqueles que se dedicam à sua proteção.

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