Descrição de chapéu Independência, 200

Cármen Lúcia e Zélia Duncan homenageiam mulher da Inconfidência

Na pequena cidade de Prados (MG), ministra do STF e cantora participam de evento que lembra figuras históricas, como a inconfidente Hipólita Jacinta Teixeira de Melo

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Prados

A tranquila cidade de Prados (MG), a pouco mais de 170 km de Belo Horizonte, estava especialmente movimentada nesta sexta-feira (22).

Com a presença de nomes conhecidos, como a ministra do STF Cármen Lúcia e a cantora e compositora Zélia Duncan, o município próximo de São João del-Rei e Tiradentes recebeu a exposição Itinerários da Independência, que viaja o Brasil sobre as rodas de um caminhão-museu.

A cidade de menos de 10 mil habitantes foi escolhida para abrigar a mostra porque é a terra natal da inconfidente Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, nascida muito provavelmente em 1748.

Caminhão-museu Itinerários da Independência em Prados, interior de Minas Gerais, onde fica estacionado até domingo, 24 - Sara Não Tem Nome/Divulgação

Colega de Tiradentes no movimento de insurreição, a rica proprietária de terras ordenou o início da resistência militar da Inconfidência Mineira, movimento de 1789 que concebeu, em pleno período colonial, um território livre do domínio da Coroa portuguesa.

Organizada pelo Projeto República (núcleo de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG), a abertura da exposição no início da noite reuniu a historiadora Heloísa Starling, coordenadora da iniciativa, e a roteirista Antonia Pellegrino, além de Duncan.

Horas antes, o caminhão-museu havia recebido a visita de Cármen Lúcia, que, na década de 1990, destacou a força histórica de Hipólita. Na época, a magistrada citou a inconfidente em um artigo em um momento em que o nome dela era pouco lembrado na historiografia nacional.

"Hipólita é uma personagem importante, sua casa foi um espaço de discussões", diz a ministra do STF. "Ela é um exemplo, mas foi emudecida por uma história que não quer contar exatamente o que se deu."

Para Cármen Lúcia, rememorar Hipólita é fundamental para que a sociedade brasileira reflita a respeito da sub-representação feminina em diversos espaços.

A ministra do STF Cármen Lúcia à frente do painel que imagina o rosto de Hipólita Jacinto na cidade de Prados (MG); não há registros da aparência da inconfidente - Sara Não Tem Nome/Divulgação

A família de Hipólita figurava entre as mais ricas da Comarca do Rio das Mortes, na então capitania de Minas Gerais. Descrita como inteligente e inquieta, ela recusava os papéis domésticos destinados às mulheres da época e se envolvia com questões políticas e administrativas.

Na iminência da derrota da Inconfidência, quando a Coroa descobriu a conspiração e passou a perseguir aqueles que faziam parte do movimento, Hipólita instruiu o comandante do Regimento dos Dragões das Minas a trazer sua tropa para o lado da revolta e começar a rebelião em vários pontos da região.

Em carta ao também inconfidente padre Carlos Correia de Toledo e Melo, ela falou sobre a prisão de Joaquim Silvério dos Reis e de Tiradentes. Na mesma correspondência, escreveu: "Quem não é capaz para as coisas não se meta nelas. E mais vale morrer com honra que viver com desonra".

Com a inconfidência descoberta, teve todos os seus bens confiscados. Ainda assim, conseguiu recuperar grande parte de sua fortuna antes de morrer, em 1828.

Ao relembrar a trajetória de Hipólita, a ministra do STF diz que a história não deve ser feita com um novo início a cada dia. "Nós podemos unir os elos dessa corrente porque fica muito mais forte construir uma história que já teve, lá atrás, os seus modelos e figurinos, inclusive de participação política."

Minas independente

Prados é a terceira cidade que recebe a exposição Itinerários da Independência, que já passou por Brasília em junho deste ano e por Belo Horizonte no começo de julho.

A iniciativa, motivada pelo bicentenário da independência, busca ampliar a memória sobre o ciclo revolucionário que movimentou o Brasil do século 19, indo além do protagonismo de dom Pedro 1º e contando as histórias das independências nas diferentes províncias do território.

Como lembrou Antonia Pellegrino na abertura, ao abordar a independência do Brasil, que ocorreu em 1822, é preciso voltar no tempo e contar a história da Inconfidência Mineira.

Heloísa Starling explica esse movimento. "A Conjuração Mineira é o movimento de ideias mais importante do Brasil do século 18. Eles vão conceber uma ideia de independência como soberania e construir um país das Minas independente", diz.

A historiadora prefere usar "conjuração" a "inconfidência". O termo conjuração indica um caráter coletivo, de pessoas que se unem para planejar uma revolução no Estado, no caso, a monarquia. Inconfidência, segundo ela, carrega uma ideia de deslealdade e acaba reforçando o lado de Portugal na disputa.

"Da conjuração não vai sobrar nada, a não ser as palavras e as ideias. As ideias vão entrar em movimento, escapar das Minas e alimentar mais duas conjurações", disse Starling em Prados. Ela se referia às conjurações do Rio de Janeiro, em 1794, e da Bahia, em 1798.

A professora também chamou a atenção para a influência do movimento em Minas sobre o projeto revolucionário que vai guiar as lutas no território entre 1817 e 1824.

Da esq. para a dir., a historiadora Heloísa Starling, a cantora e compositora Zélia Duncan e a roteirista Antonia Pellegrino na abertura da exposição do caminhão-museu Itinerários da Independência em Prados (MG) - Sara Não Tem Nome/Divulgação

No final do evento, Duncan leu trechos do "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles. O livro de 1953 narra a história de Minas, da colonização no século 17 à inconfidência.

Na plateia, estavam, entre outros, Rafael José de Sousa, professor de história da escola estadual Doutor Viviano Caldas, de Prados. Ele foi um dos moradores da cidade que colaboraram com o projeto Itinerários da Independência fornecendo informações sobre Hipólita.

"Senti que seria uma missão minha enquanto professor de história de Prados devolver essa personagem ao seu contexto, trazer o exemplo de uma mulher que, no final do século 18, ousou lutar e falar o que pensava", contou Sousa.

Também na plateia, a gerente operacional Alessandra dos Santos citou o esforço do memorialista Paulo de Carvalho Vale, que organizou parte da história da cidade e de Hipólita no livro "De Prados, da ‘Ponta do Morro’, para a Liberdade", publicado em 2000.

O evento transmitiu ainda os primeiros minutos do podcast "Mulheres na Independência", uma produção da Globoplay, com lançamento previsto para 3 de agosto. O primeiro episódio é justamente dedicado a Hipólita.

A cantora e compositora Zélia Duncan lê trechos do "Romanceiro da Inconfidência", livro de Cecília Meireles, na abertura da exposição do caminhão-museu em Prados (MG) - Sara Não Tem Nome/Divulgação

O caminhão-museu fica em Prados até este domingo, dia 24, e pode ser visitado gratuitamente.

De lá, ele parte para o Rio de Janeiro, onde ficará estacionado no Complexo da Maré, na zona norte da cidade, entre os dias 10 e 12 de agosto. Ainda estão previstas passagens por São Paulo, Salvador e Recife em datas a serem confirmadas.

Quem não é capaz para as coisas não se meta nelas. E mais vale morrer com honra que viver com desonra

Hipólita Jacinta Teixeira de Melo

em carta ao padre Carlos Correia de Toledo e Melo, também inconfidente

A Conjuração Mineira é o movimento de ideias mais importante do Brasil do século 18. Eles vão conceber uma ideia de independência como soberania e construir um país das Minas independente

Heloísa Starling

professora do departamento de história da UFMG na abertura da exposição do caminhão-museu Itinerários da Independência em Prados (MG)

O jornalista Gabriel Araújo se deslocou de Belo Horizonte a Prados (MG) com o transporte do Projeto República (UFMG).

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