Descrição de chapéu Independência, 200

Como uma árvore e um minério podem estar ligados à origem do nome Brasil

Por mais que algumas definições sejam mais prováveis, falta de evidências históricas dificulta a defesa de uma única interpretação

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Belo Horizonte

É corrente a explicação de que o nome Brasil tenha vindo da árvore largamente explorada e comercializada pelos portugueses durante o século 16. O vermelho presente no interior do tronco do pau-brasil, usado para tingir tecidos, teria sido relacionado à cor das brasas do fogo.

Brasil, portanto, pela etimologia latina, significa "vermelho como brasa".

tela mostra indígenas na floresta derrubando árvores de pau-brasil
'Pau-Brasil' (1938), pastel sobre papel de autoria de Candido Portinari - Google Arts and Culture/Reprodução

No entanto, é possível encontrar uma raiz celta da palavra. Por um lado, a relação com o vermelho seria mantida. Nesse caso, o nome viria do português "brazino", que tem como parente distante o celta "barkino", nome dado a um minério de mercúrio de cor avermelhada.

Por outro, essa origem teria algo de místico. Como diz o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor da Unicamp, a raiz "bres" também significa, em irlandês, "nobre, sortudo, feliz, encantado". "Brasil", nesse sentido, seria decifrado como a "Terra dos Bem-Afortunados" ou "Ilha da Felicidade".

"Existe uma lenda de uma ilha a oeste da Irlanda, registrada em mapas muito anteriores à chegada dos europeus na América, cujo nome é parecido com o que depois se tornou 'Brasil'", conta Funari.

Entre os séculos 14 e 16, antes das grandes navegações, alguns mapas europeus mostraram a existência de ilhas chamadas Bracir, Bracil, Bersil e Bresilge, entre outras variações, a oeste do mundo que os medievais até então conheciam.

Esse horizonte geográfico também englobava a mítica Avalon, ilha encantada ao sul da Inglaterra onde, de acordo com o mito, a famosa espada Excalibur, do rei Arthur, teria sido forjada.

Em cima de um rochedo, com o mar ao fundo, está uma estátua do rei arthur em ferro. Ele repousa cabisbaixo, com uma coroa sobre o capuz e a espada apoiada no chão. a escultura é vazada, de modo que existem alguns espaços vazios nela
Escultura do rei Arthur no castelo Tintagel, na região da Cornualha, Inglaterra - Divulgação

Como explica a especialista em estudos célticos Ana Donnard, professora de letras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), todo o território marítimo celta possui ilhas maravilhosas, onde o real e o mítico costumam se confundir com frequência.

"Os antigos consideravam que essas ilhas no fim do mundo eram um espelho das ilhas do Mediterrâneo. Na mitologia grega, existem essas ilhas cheias de mitos", afirma Donnard.

A controvérsia em torno do nome se baseia na falta de evidências históricas. Como o imaginário cultural dos celtas teria atravessado o oceano Atlântico, junto com os portugueses, a ponto de nomear uma nova terra?

Para responder a essa pergunta, Ana Donnard concentra seus estudos nas hagiografias originárias da Irlanda, espécie de biografias que descrevem a vida de algum santo ou religioso. O fator limitante dessa interpretação vem do fato de que parte dessas hagiografias é composta pela literatura oral, e muita coisa se perde na passagem dessa tradição para os manuscritos.

Segundo Funari, o estudo da raiz da palavra "Brasil" pode também encontrar eco nas etimologias italiana e árabe, o que levaria a conceituação para um caminho diferente. No caso, a relação seria com uma "madeira que tinge", não com o vermelho.

"Nada prova que tivemos uma etimologia única, não se sabe", ele afirma. "Fato é que houve uma coordenação, uma junção de forças."

Cruz de Cristo

"Brasil" não foi o único nome do território. Em 1500, Pero Vaz de Caminha e Mestre João, integrantes da frota de Pedro Álvares Cabral, chamaram a terra de Vera Cruz. No globo de Schöner, de 1520, e no de Ptolomeu, de 1522, aparece Terra dos Papagaios. Foi também chamada de Santa Cruz em carta escrita por dom Manuel 1º, rei de Portugal, em 1501.

De acordo com a historiadora Laura de Mello e Souza, autora de "O Diabo e a Terra de Santa Cruz" (1986), o nome do território recém-encontrado surgiu num contexto de expansão religiosa, "em que os portugueses eram uma espécie de povo eleito por Deus, escolhidos para difundir a fé num momento em que ela se encontrava ameaçada na Europa".

Professora titular de história do Brasil na universidade Paris-Sorbonne e professora aposentada da USP, ela recupera uma passagem de João de Barros, historiador português que viveu durante o século 16, para ilustrar seu argumento. Ela se refere ao momento em que os portugueses ergueram uma cruz na costa brasileira.

"Assim como Cristo tinha vindo ao mundo para salvar os homens, os portugueses estavam chegando nessa terra até então desconhecida para levar a palavra", conta, justificando a adoção do nome Terra de Santa Cruz.

Entre a cruz de Cristo e o nome Brasil, que seria consagrado em 1516 mas ainda oscilaria na primeira metade daquele século, Mello e Souza identifica uma disputa entre o cristianismo e o comércio. Para alguns intelectuais do período, seria melhor uma nomenclatura religiosa do que uma laica que remetia ao pau-brasil, principal mercadoria da época.

"O espírito sagrado da expansão portuguesa ficava então em segundo plano, perdendo terreno para um espírito eminentemente leigo e mercantil", explica a historiadora.

Essa incerteza sobre o nome ocorreu muito por conta da indefinição do território. Num primeiro momento, o império português esteve muito mais voltado para a África e Ásia do que para o Brasil. A colonização só começaria, de fato, na segunda metade do século 16.

Em artigo escrito em 2001 para a Revista de História da USP, Mello e Souza concluiu: "Fato ímpar entre terras coloniais, o Brasil seria a única a trazer essa relação tensa inscrita no próprio nome, que lembraria para sempre as chamas vermelhas do inferno."

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