Na introdução do recém-lançado livro "Demografia e Economia nos 200 Anos da Independência do Brasil e Cenários para o Século 21", o sociólogo e doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves faz uma síntese de sua obra com a expressão "Brasil: país do futuro com um enorme passado pela frente".
O livro, também assinado pelo economista Francisco Galiza, apresenta reflexões sobre a história brasileira por meio da demografia, com dados estatísticos que contribuem para a compreensão de questões econômicas, sociais e culturais.
A obra se soma a outros lançamentos que, no ano do bicentenário da Independência, destrincham diferentes aspectos desse período.
O marco foi uma oportunidade para que ele pudesse organizar 40 anos de estudos na área numa narrativa atualizada, explica Alves, que foi professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) por duas décadas.
Para tanto, o demógrafo recorreu a fontes do século 19 e as comparou com dados recentes, como as projeções demográficas da ONU para 2100.
"O Brasil se transformou de uma economia pobre, agrária e rural em uma das maiores economias do mundo", afirma Alves. Até a década de 1980, a economia do país crescia mais do que a média mundial.
No estudo, o autor aponta o aumento da expectativa de vida —descrito por ele como "base de todas as outras conquistas"— como fator principal para explicar esse crescimento econômico. Em 1822, a expectativa de vida ao nascer no Brasil beirava os 25 anos. Em 2019, subiu para 76, número reduzido nos últimos anos como consequência da pandemia de Covid-19.
"O fato é que as pessoas vivem três vezes mais", ele ressalta, observando não se tratar de um caso isolado – o aumento da expectativa de vida mundial promoveu uma série de avanços significativos. "Para a economia ter um retorno de todo o investimento que se faz para a qualificação das pessoas, esse tempo de vida tem que ser maior. Nenhum país do mundo conseguiu ser desenvolvido com a expectativa de vida baixa."
Ao longo do livro, o autor expõe outros aspectos que contribuíram para essa evolução. Cita a redução da taxa de natalidade, que promoveu uma mudança na estrutura etária da população; a transição de um país rural para uma sociedade urbanizada; e o avanço da educação entre os habitantes, taxas que ainda são maiores entre as mulheres.
"Na época da Independência, 99% da população era analfabeta e quase 100% das mulheres", ele conta. "Nesses 200 anos, o analfabetismo diminuiu para menos de 10%, e as mulheres ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais, do fundamental à pós-graduação."
Ainda assim, persiste a desigualdade no país –não só de gênero, especialmente considerando as diferenças no mercado de trabalho, mas também de classe e raça.
"A escravidão deixou um legado muito ruim, com boa parte da população sem nenhum direito, excluída desse processo de desenvolvimento", diz Alves. "Isso vai gerar uma série de desigualdades no país, em termos de renda, escolaridade e produtividade."
De 1822 a 2022, a economia brasileira cresceu 704 vezes. Entretanto, as últimas décadas foram de estagnação e mesmo de retrocesso. Nos últimos 40 anos, o Brasil cresceu menos do que a média mundial e teve a década de 2011 a 2020 como a pior da história em termos de desenvolvimento econômico.
"A renda per capita do Brasil de 2022 é menor que a de 2010", afirma Alves.
Outro retrocesso apontado no livro diz respeito ao meio ambiente, o único aspecto que, na avaliação do autor, "só piorou nesses 200 anos".
Mesmo com avisos que remontam ao século 19 (José Bonifácio era também um grande ambientalista, preocupado com a preservação das florestas), o Brasil das décadas seguintes assistiu à destruição de grande parte da Mata Atlântica e tem acompanhado o aumento dos níveis de desmatamento na Amazônia e no cerrado.
"O futuro do Brasil ainda está condicionado a um passado que a gente ainda não conseguiu superar", argumenta o autor. Entretanto, como ele destaca no livro, "uma parte da caminhada já foi trilhada." Resta organizar a via pela frente.
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