Um exercício para encontrar, na historiografia da Independência do Brasil, pontos cegos que ajudaram a construir os processos de formação do Estado Brasileiro.
Esse foi um dos objetivos do jornalista e escritor Leonencio Nossa, que lança "As Guerras da Independência do Brasil" em meio ao bicentenário da Independência.
Com a obra, o autor se afasta da narrativa usual sobre a separação do Brasil de Portugal, que coloca em primeiro plano o Grito do Ipiranga, de dom Pedro 1º. Ainda que essa história esteja incluída no livro, o foco são as guerras e conflitos que moldaram a identidade brasileira e envolveram diversos personagens em todo o território.
"Procurei apresentar uma ligação entre esses episódios que ocorreram país afora e que, muitas vezes, estão desconexos entre si, como se fossem absolutamente regionais", diz Nossa, autor de livros como "Mata! O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia" e "Roberto Marinho - O Poder Está no Ar".
Ele recorreu a diferentes documentos e entrevistas para, ao longo de 27 capítulos, narrar as histórias de 150 conflitos, de maior ou menor dimensão, que ocorreram no Brasil entre 1808 e 1852.
O recorte se justifica pela opção de, a partir das guerras, investigar a constituição de um Estado Nacional. "Eu ousaria dizer que esse Estado brasileiro surgiu em 1808, com a chegada da família real", ele conta, apresentando o ponto de partida do livro.
Além das mudanças políticas no Rio de Janeiro e na então colônia com a mudança de dom João 6º e de sua corte, o ano também foi marcado pela vinda das guerras contra os "índios botocudos", denominação pejorativa de povos que habitavam Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.
"O conceito de brasilidade foi consequência da guerra, e não o contrário", escreve Nossa nas páginas iniciais. No primeiro capítulo, ele conecta as pontas de um processo que se inicia com a guerra contra os botocudos com a luta atual dos Krenak. Esse povo, diz ele, está em constante ativismo contra a companhia Vale por conta dos efeitos do rompimento das barragens na bacia do rio Doce.
O jornalista decidiu finalizar seu recorte após a Cabanagem. A rebelião que irrompeu entre 1835 e 1840 no Grão-Pará, uma província totalmente alijada do poder central, foi causada pela insatisfação popular contra o Império.
Da revolta, o autor destacou a trajetória de um personagem em específico, José Francisco Angelim, e o acompanhou até o sul do país, onde o revolucionário se envolveu com a Guerra do Prata (conflito entre Brasil, Uruguai e Argentina que se estendeu até 1852).
Terra como estopim
No centro de todas essas batalhas, está a terra, descrita como o estopim das disputas pela Independência. "A origem da guerra e do conflito no Brasil é um conceito de busca de terra desde os primeiros tempos de ocupação europeia", diz Nossa, que liga a posse de alguma propriedade ao acesso à liberdade.
Por isso, a rápida relação exposta na obra entre posse e escravidão. "Além de privar alguém de liberdade ou pegar de alguém a sua força de trabalho, a escravidão não permite que o outro seja proprietário, seja dono de terra."
Como se sabe, a questão fundiária ainda se faz bastante presente nos dias de hoje. Os conflitos em torno da demarcação de terras indígenas e quilombolas e as disputas por territórios controlados pelas milícias nos centros urbanos brasileiros são exemplos.
"É difícil dissociar a questão agrária da formação do Estado, que atua muitas vezes para manter ou tirar o direito à terra", afirma o autor.
O livro dedica muitas de suas páginas à participação de pessoas negras, indígenas e mestiças nas lutas da Independência, além de destacar o papel de ciganos, judeus, árabes e latinos europeus de diferentes classes sociais.
"Na Bahia, os pelotões foram formados por negros", conta. "E o indígena vai ter, ao longo desse processo histórico, um papel muito relevante". Para exemplificar, ele lembra o protagonismo desses povos nos conflitos do Pará e nas revoluções em Pernambuco.
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