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Teté Ribeiro

Descobri, meio século depois, por que Chico não gostou de perfil dele

Em 1972, meu pai assinou um texto com o cantor e compositor na revista Realidade, agora republicado pela Folha

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Teté Ribeiro
Teté Ribeiro

Jornalista, autora de "Minhas Duas Meninas", "Divas Abandonadas" e de dois guias de Nova York. Foi apresentadora do programa “Saia Justa” e editora da revista Serafina.

[RESUMO] Jornalista narra as circunstâncias em que um perfil de Chico Buarque publicado há mais de 50 anos foi escrito e como descobriu, ao conversar com seu pai durante a pandemia de Covid-19, as razões do músico não ter gostado do texto.

Leia o texto de 1972, republicado pela Folha por ocasião dos 80 anos de Chico Buarque.

"Tem mais samba no encontro que na espera", escreveu Chico Buarque em 1966. Meu pai, o repórter José Hamilton Ribeiro, não concorda com essa prerrogativa.

Ele me contou que, durante os encontros com Chico Buarque para a reportagem publicada originalmente na Realidade em fevereiro de 1972, disse isso ao cantor e compositor, que retrucou: "Bota isso no seu samba".

Perfil de Chico Buarque destacado na capa da revista Realidade em fev. de 1972 - Reprodução

A matéria foi escrita a quatro mãos e publicada na capa da revista em fevereiro de 1972. Não tenho a menor lembrança disso. Soube que ela existia muitos anos depois, nem sei precisar em que situação.

Mas, quando descobri, achei que poderia fazer uso dela para encontrar o Santo Graal para uma jornalista de cultura: uma entrevista com Chico Buarque. Não seria eu a fazer, mas, como editora da revista Serafina, ia fazer o pedido em nome do meu pai, e o Chico não ia resistir ao reencontro.

Assim eu fiz, mais vezes do que dá coragem de admitir. A resposta, sempre depois de algum suspense, era a mesma: "Não". A cada lançamento de álbum, de livro, de show, lá ia eu tentar mais uma vez. E nada, nunca.

Chico Buarque era quase unanimemente adorado por sua obra (e sua figura, ninguém é louco de negar). Mas meu pai era bastante querido por seus entrevistados. Pelo menos os que eu conhecia.

Até que um dia, durante a pandemia de Covid-19, ocasião em que meu pai se isolou em uma fazenda em Uberaba e de onde nunca mais voltou, contei a ele sobre minha saga de anos em busca do Chico. Ele disse que talvez soubesse a razão de tanto desencontro.

"Parece que o Chico não gostou da matéria porque somei o que ele teria ganhado de dinheiro até então e ficou claro que ele estava rico."

No final dos anos 1960, meu pai tinha virado uma certa celebridade por conta de um acidente de trabalho que lhe arrancou um pedaço da perna esquerda na Guerra do Vietnã. Foi em março de 1968. Ele tinha 32 anos.

Quando o perfil de Chico Buarque foi publicado, o cantor estava com 27 anos de idade, seis de carreira e tinha finalmente explodido com o álbum "Construção".

Foto de perfil de dois homens com cabelo escuro sentados frente a frente em uma mesa, cada um trabalhando em uma máquina de escrever. Há um quadro na parede ao fundo e uma luneta à esquerda e, à frente deles, um móvel com estofado azul
José Hamilton Ribeiro (esq.) e Chico Buarque trabalham na residência do cantor, na Lagoa, no Rio de Janeiro, em reportagem publicada em fev. de 1972 - Fernando Abrunhosa/Abril Comunicações S.A.

Na matéria, assinada ainda por Hamilton Ribeiro, como meu pai tentou emplacar como seu nome de trabalho, e Chico Buarque de Hollanda, como o artista testava como nome artístico, esta foto em que os dois trabalham na mesma mesa, cada um em uma ponta, foi publicada cortada ao meio, sem o repórter.

Eu a encontrei por acaso, no departamento de documentação da editora Abril, o Dedoc, onde fui procurar outras fotos do acidente do meu pai no Vietnã, além da imagem clássica que virou a capa da revista Realidade com o relato dele da guerra e do acidente que sofreu, que depois foi ampliado e publicado, pela editora Brasiliense em 1969, em um livro intitulado "O Gosto da Guerra".

Este livro está sendo republicado agora, pela Companhia das Letras, em edição caprichadíssima, e com outras cinco reportagens escritas pelo meu pai para a revista Realidade. Por uma questão de espaço, o perfil de Chico Buarque é uma das boas histórias que acabaram ficando de fora.

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