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Tom Farias

Camões sempre encantou brasileiros e marcou poesia de Machado

Desde a colonização o poeta português era objeto de contemplação em terras brasileiras

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Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

[RESUMO] Há pelo menos três séculos a poesia de Camões reverbera no Brasil, cuja história está diretamente ligada aos grandes feitos da navegação portuguesa narrados em tom épico nos "Lusíadas". Nos 500 anos de nascimento do poeta, texto relembra a influência de sua obra sobre três artistas negros brasileiros no século 19: os escritores Teixeira e Sousa e Machado de Assis e o compositor Carlos Gomes.

"Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A gloria resplendente.

De quem? De quem mais soube a força e a graça.

("Camões", de Machado de Assis)

Nos países de língua portuguesa, o evento literário mais significativo de 2024 são os 500 anos do poeta português Luís Vaz de Camões (1524-1580). Como não se sabe exatamente o dia e o mês em que ele nasceu, inusitadamente comemora-se a data magna portuguesa na data de sua morte, 10 de junho.

No Brasil, há pelo menos três séculos sua poesia encontra leitores. As caravelas portuguesas, cujas façanhas ganharam retrato épico por Camões no clássico "Os Lusíadas" (1572), aqui chegaram em abril de 1500, 24 anos antes do nascimento do poeta.

Desde a colonização, esses feitos das esquadras portuguesas eram objeto de contemplação em terras brasileiras. Por aqui, doutores e poetas, educados às letras e às artes superiores na cidade de Coimbra, voltavam de suas viagens de estudos com a mala cheia dos livros que a velha metrópole. No Rio de Janeiro, respiravam-se epopeias, cantadas em versos e prosas.

Busto de Luis de Camões no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro - Luiz Souza/Fotoarena/Folhapress

No Brasil do século 19, podemos destacar a influência de Camões na obra de três artistas negros: os escritores Teixeira e Sousa (1812-1861) e Machado de Assis (1839-1908) e o compositor Carlos Gomes (1836-1896). São da lavra deles algumas das produções mais significativas sobre o relevo do poeta português em terras brasileiras.

Obviamente, este é um pequeno apanhado de tudo o que se produziu sobre Luís de Camões no século 19. Nos tricentenário de sua morte, em 1880, produziu-se no Rio de Janeiro quantidade enorme de material, eventos e festividades em torno de sua figura, tratada pela intelectualidade, como se lê na Gazeta de Notícias, como "o príncipe dos poetas portugueses".

Em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, libera-se a impressão de jornais e livros na colônia. Não demorou para que as publicações fizessem referência a Camões. Considerado o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, impresso em Londres por Hipólito José da Costa, reproduzia em seu número inaugural, de 1º de junho de 1808, dois versos de "Os Lusíadas", contidos no canto sete e oitava 14: "Na quadra parte nova, os campos ara,/ E se mais mundo houvera lá chegara".

Em texto introdutório, espécie de editorial, após falar do "homem em sociedade", Hipólito da Costa comenta que se devem "à nação portuguesa as primeiras luzes destas obras". Obviamente, ele tratava de política, mas os versos de Camões serviam para alfinetar os patrícios de além-mar.

É nesta época de efervescência cultural que o jovem Teixeira e Sousa vai produzir um documento, hoje esquecido, diretamente inspirado nos "Lusíadas". No início da década de 1840, começa a escrever um texto que, publicado sete anos depois, exalta a Independência, com vistas a agradar ao jovem imperador dom Pedro 2º, embora os versos tenham como inspiração o pai dele.

A obra, intitulada "A Independência do Brasil", editada em dois volumes pela Tipografia Imparcial, de Paula Brito, é dedicada "à sua majestade imperial o senhor dom Pedro 2º", que leu o original, recomendando e custeando sua edição.

Além de citar trechos dos "Lusíadas", "Independência do Brasil" é construído com base na oitava rima camoniana, cuspido e escarrado no modelo do poeta português. É uma versalhada sem fim, o que torna a leitura cansativa e pouco atraente.

Em cada um dos 12 cantos da obra, no lugar dos 10 dos "Lusíadas", Teixeira e Sousa, com exagerada exaltação, celebra os grandes feitos da Independência como marcos civilizatórios. Em estrofe do canto décimo, diz: "D’Europa seja Europa esclarecida!/ América, à que tanto assoberbara/ A Natureza, em si seja regida!/E nem debalde o Ente Soberano/ Entre elas desdobrou tanto, oceano!".

O livro, que ganhou em 2022 nova edição, organizada pela professora Rose Fernandes, foi a última obra publicada pelo escritor fluminense, autor de "O Filho do Pescador" (1843), considerado o primeiro romance brasileiro.

Com maior acerto literário, Machado de Assis se debruçou sobre a obra de Camões em seus livros de poesia, como "Crisálidas" (1864), "Falenas" (1870) e "Americanas" (1875).

O menino nascido no morro do Livramento, no centro do Rio, foi próximo de Teixeira e Sousa, com quem aprendeu tipografia, e trabalhou com Paula Brito, que lhe divulgou os primeiros versos. A adoração por Camões unia esses três homens negros, poetas, jornalistas e intelectuais.

Dentre os muitos trabalhos que Machado dedicou a Camões, o mais notório são a série de quatro sonetos —começo este texto com a citação da quadra de um deles— escritos em 1880, no tricentenário de morte do português, e publicados em "Ocidentais" (1901), juntamente com a peça "Tu só, Tu, Puro Amor...", titulo arrancado do canto 3, estrofe 119, de "Os Lusíadas".

Carlos Gomes, por sua vez, homenageou o poeta com "um hino triunfal", como noticiou a Revista Musical, executado por uma orquestra de "400 músicos", no Teatro Imperial Pedro 2º. Em carta à mesma publicação, Gomes disse ter escrito a peça "doente, sofrendo de desgostos e amarguras", prenúncio, com certeza, da doença que o mataria, em 1896, um câncer na língua, época que dirigia o conservatório com seu nome, na cidade de Belém.

Naquela época, Camões recebeu homenagens da intelectualidade brasileira e virou nome de rua no Rio. Teve sua obra completa editada no país pelo Real Gabinete Português de Leitura. Na efeméride de sua morte, todos os jornais destacaram sua obra como patrimônio da língua portuguesa.

Nesse cenário, a leitura da obra camoniana por escritores e intelectuais negros deu toque de relevância às celebrações, sob os aplausos de um entusiasta imperador.


Luís Vaz de Camões

Nasceu em 1524, em dia e mês desconhecidos. Pouco se sabe também sobre sua vida. Teria recebido na juventude uma sólida formação nos moldes clássicos, dominando latim, literatura e história antigas. Segundo relatos, levou uma vida boêmia e turbulenta. Em razão de um amor frustrado,
autoexilou-se na África, alistado como militar, onde perdeu um olho em batalha. Depois partiu para o Oriente, onde enfrentou uma série de adversidades, foi preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e iniciou sua obra mais conhecida, a epopeia "Os Lusíadas", publicada em 1572. Morreu em 10 de junho de 1580, pobre e isolado. Nas décadas seguintes, contudo, consolidou-se como o principal nome da literatura em língua portuguesa.

Algumas edições do poeta no Brasil

Obra Completa
Cerca de R$ 400; 1.032 páginas; ed. Nova Aguilar
Edição de luxo com biografia do escritor, bibliografia, notas interpretativas, análises e dicionário

Os Lusíadas
R$ 98,65;
696 páginas; ed. Nova Fronteira
Traz introdução e notas do poeta Alexei Bueno a respeito de mitologias, nuances históricas e linguísticas deste poema épico

Sonetos de Camões
R$ 48,90; 224 páginas; Ateliê Editorial
Coletânea da lírica camoniana comentada pelos professores Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo

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