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Ana Paula Vescovi

Previdência é um pequeno passo na história, mas um grande salto para reformas

Mudança nas aposentadorias coloca país na trajetória correta para melhorar tributação, crédito, saneamento, educação e infraestrutura

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Ana Paula Vescovi

O Congresso Nacional está prestes a dar um passo histórico e aprovar uma reforma previdenciária, a terceira desde 1988. Será uma importante atualização de regras a trazer mais equidade no contexto do acelerado envelhecimento populacional do país. 

O envelhecimento é causa e consequência do desenvolvimento. Decorre de mais acesso à educação e à saúde e da elevação da renda domiciliar. Reduzem-se mortalidade infantil, taxa de fertilidade e mortes por doenças crônicas. 

A menor proporção de jovens diminui a taxa de mortes violentas ou por acidentes. Em outra ponta, maior idade média implica mais experiência profissional, produtividade e acumulação de bens imobiliários ou financeiros. 

A poupança da economia pode aumentar; a demanda por educação básica se reduz, liberando recursos para a saúde. 

O envelhecimento populacional pode, assim, levar ao aumento da renda per capita e a menores taxas neutras de juros. Mas esses ganhos não são inexoráveis. Há fatores que podem anular as vantagens de ter uma sociedade mais madura e experiente, tal como visto no Japão e nos países nórdicos. 

Um fator de risco é a qualidade do ambiente de negócios, que freia o empreendedorismo, a inovação e as decisões de investimento. Nesse quesito, o Brasil situa-se na 109ª posição entre 190 países, segundo o Doing Bussiness. Outro fator de risco é a efetividade das regras previdenciárias, que podem desestimular a poupança dos trabalhadores a alimentar a “despoupança” pública. 

A parcela dos benefícios previdenciários não cobertos por contribuições chegou a R$ 475 bilhões, ou 7% do PIB, em 2018. A cada ano, os governos retiram cerca de 5% do PIB da poupança dos cidadãos e das empresas para cobrir sua “despoupança”, muito em razão dos desequilíbrios previdenciários.

Isso reduz recursos que poderiam ser canalizados para investimentos produtivos e geração de empregos, condena o Brasil a conviver com taxas de juros mais altas e retira cerca de 0,5 ponto percentual do crescimento potencial, impedindo a geração de cerca de 200 mil empregos por ano.

Decorre daí a enorme importância da aprovação acelerada da reforma previdenciária. Segundo nossas estimativas, com a reforma nos moldes em que tende a ser aprovada, a proporção de despesas previdenciárias sobre o PIB no regime privado deverá atingir 8% em 30 anos, bem abaixo dos explosivos 17% projetados num cenário sem reforma. 

Os gastos previdenciários continuarão crescendo cerca de R$ 30 bilhões por ano, em média, um ritmo menor que o atual e que permite estabilizar a despesa previdenciária como proporção do PIB. Isso viabilizará trajetória solvente para a dívida pública, que, apesar de um crescimento dos atuais 78% para até 83% do PIB, poderá iniciar leve declínio a partir de 2023. 


No Brasil, a dívida previdenciária (déficit atuarial) alcança R$ 14,6 trilhões, ou duas vezes o PIB, sendo 37% nos estados e municípios, o que significa que os desafios não param aí. Os entes subnacionais ficaram de fora da reforma até agora, o que irá postergar o ajuste estrutural em suas contas. 

A reforma contribuirá para o cumprimento do teto de gastos federais nos próximos anos, gerando confiança no compromisso em solver as contas públicas, o que deverá reduzir risco e melhorar as condições financeiras no país.

A reforma da Previdência, por si, não trará maior crescimento. Para colhermos os benefícios da transição demográfica e dos avanços tecnológicos e, assim, maior patamar de desenvolvimento, precisamos trabalhar duro para melhorar nossas instituições.

Torna-se fundamental melhorar o ambiente de negócios para catalisar condições financeiras mais favoráveis para o investimento produtivo. 

Precisamos enfrentar reformas na tributação, nos sistemas educacional e sanitário, no crédito e no mercado de capitais e na regulação da infraestrutura; maior integração no comércio internacional e incentivos para a produtividade no setor público. 

Ainda há muito a fazer, mas estamos na trajetória correta. Um pequeno passo na história do país, mas um grande salto de mobilização para as reformas!


Ana Paula Vescovi
Diretora de economia do Santander Brasil, foi secretária do Tesouro Nacional

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