OCDE lança proposta para taxação global de gigantes da internet

Organização quer um 'enfoque unificado' sobre imposto a empresas como Apple e Google

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Chris Giles
Londres

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) propôs uma reforma mundial na tributação empresarial, revertendo um século de regras que permitiram que empresas de tecnologia como FacebookAmazonNetflix e Google transferissem lucros de um ponto a outro do planeta a fim de minimizar seus custos tributários.

As propostas, reveladas na quarta-feira (9) depois de meses de negociações nos bastidores, têm por objetivo extrair mais impostos empresariais das grandes companhias internacionais, quer operem digitalmente, quer controlem marcas altamente lucrativas, como por exemplo os fabricantes de produtos de luxo ou as montadoras de automóveis de alcance mundial.

Os beneficiários seriam grandes países como os Estados Unidos, China, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, bem como as economias em desenvolvimento. Eles veriam um avanço em seu direitos de impor tributos sobre receita empresarial auferida de vendas realizadas em seus territórios, enquanto as companhias, os paraísos fiscais e as jurisdições com baixa tributação, como a Irlanda, ficariam do lado perdedor.

O objetivo, afirmou a OCDE, seria criar um novo sistema tributário "estável" para as empresas internacionais, "porque as regras atuais, que datam da década de 1920, já não são suficientes para garantir uma alocação justa dos direitos tributários, em um mundo cada vez mais globalizado".

A OCDE teve indicações nos últimos meses de que suas propostas teriam apoio das principais economias mundiais, e espera que isso persuada os países a não seguir o caminho da reforma tributária unilateral, com impostos nacionais sobre vendas digitais, como vem sendo proposto na França e no Reino Unido, o que poderia inflamar ainda mais as tensões comerciais planetárias.

A organização sediada em Paris está buscando acordo em princípio sobre as propostas dentro do G20, até o final de janeiro, para que possa trabalhar em regras detalhadas.

O principal problema que ela buscou resolver foi o de que as multinacionais, quer se trate de gigantes da tecnologia quer de empresas que controlam marcas intangíveis muito valiosas, tinham a possibilidade de transferir lucros a jurisdições de baixa tributação, o que deixava pouca arrecadação tributária para que as economias maiores recolhessem, a despeito de a maior parte das atividades de negócios acontecer nessas economias.

A OCDE propôs romper o tabu referente à tributação empresarial internacional, de que os países só têm o direito de tributar atividades de empresas que tenham presença física em seu território.

Em lugar disso, a OCDE propôs os países tenham o direito de tributar uma proporção dos lucros mundiais das multinacionais altamente lucrativas, não importa para onde tenham sido transferidos no planeta.

Isso permitiria que a França, por exemplo, tributasse parte das vendas do Google a anunciantes franceses, e que os Estados Unidos tivessem direitos de tributação mais amplos sobre produtos atribuídos às marcas do grupo francês de bens de luxo LVMH, em suas vendas em território americano.

As economias emergentes e em desenvolvimento ganhariam direitos de tributação sobre essas empresas pela primeira vez, porque embora as multinacionais vendam e comercializem produtos amplamente em suas jurisdições, elas muitas vezes não têm presença física em seus territórios.

"Na era digital, a alocação dos direitos de tributação não pode ficar exclusivamente circunscrita a uma norma de presença física", afirmou a OCDE em um documento consultivo divulgado na quarta-feira.

A proposta concederia aos países dois novos direitos de tributação. O primeiro, no caso de companhias que atendem consumidores e empresas digitais, permitiria que os países tributem uma proporção dos lucros mundiais das grandes multinacionais, pondo fim à sua capacidade de transferir lucros de jurisdição a fim de escapar aos impostos.

A OCDE está consultando as partes interessadas para definir o que deve ser definido como "lucro residual", que ficaria aberto a essa forma de tributação, mas a base tributária seria o faturamento da companhia internacional em cada país.

Segundo, no caso de economias emergentes nas quais as multinacionais realizam vendas mas onde elas não estão presentes, haveria o direito de tributar as atividades de distribuição de produtos com base no valor presumido de uma taxa de retorno fixo razoável.

Os países e as grandes multinacionais afetados devem ter acesso a "mecanismos de prevenção e solução de disputas legalmente compulsórios e efetivos", propôs a OCDE.

A organização imaginou que haveria grandes brigas internacionais para definir os parâmetros exatos das novas regras, que imporiam patamares mínimos de tamanho e lucratividade antes que empresas fiquem sujeitas às novas normas, mas representantes da OCDE em Paris disseram que agora está emergindo um consenso em torno dessa abordagem.

As propostas foram apresentadas em resposta a esforços dos Estados Unidos, da Europa e das economias emergentes para promover três soluções incompatíveis e contraditórias para o mesmo problema.

O truque para garantir adesão a um acordo básico foi cuidar para que as economias mais poderosas do mundo todas se beneficiassem, o que as levaria a se dispor a abrir mão de suas soluções preferidas, enquanto os prejudicados seriam os donos das empresas multinacionais e os paraísos fiscais.

Um funcionário do Ministério das Finanças da França disse na quarta-feira que a proposta da OCDE "é uma base promissora para novos trabalhos. Os princípios e a abordagem unificada seguem a abordagem que decidimos em reunião com os ministros do G7 em julho passado em Chantilly".

O funcionário acrescentou que "teremos uma discussão com base nisso na semana que vem, na reunião do G20 em Washington. Eu gostaria que a discussão oferecesse a orientação política necessária a que cheguemos a um acordo sobre tributação internacional em 2020. É claro que teremos de examinar os detalhes dessa proposta para garantir que ela resolva os desafios trazidos pela digitalização da economia".

Em comunicado, a Amazon afirmou que recebia positivamente a publicação das propostas da OCDE, como "um importante passo à frente".

"Continuamos a apoiar o trabalho da OCDE e a fazer uma contribuição positiva para ele, com o objetivo de atingir uma solução comum para a tributação de uma economia internacional que muda constantemente", a companhia afirmou. "Obter um consenso internacional amplo é crucial a fim de limitar o risco de dupla tributação e de medidas unilaterais que causem distorção, e para criar um ambiente conducente ao crescimento do comércio mundial, que é essencial para milhões de pessoas, clientes e companhias que a Amazon acompanha em todo o mundo".
 
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci e  Ivan Martínez-Vargas

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