A legislação que permite a devolução amigável de concessões em dificuldade nem bem entrou em vigor e já corre o risco de parar em um tribunal de arbitragem.
O presidente da Aeroportos Brasil Viracopos, Gustavo Müssnich, afirma que aceita entregar o contrato, mas não a qualquer preço.
Em entrevista à Folha, Müssnich, que comanda a concessionária desde o leilão, ocorrido em 2012, diz que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) tem ideia fixa na relicitação, algo que considera desvantajoso para a União.
"Estamos abertos à relicitação, mas não devolveremos o contrato a qualquer preço", diz. "A agência quer dar descontos sobre investimentos que ainda não foram amortizados."
Pelos cálculos do contrato, essa indenização seria da ordem de R$ 4,5 bilhões, segundo a empresa. A agência estaria considerando pagar cerca de R$ 2,5 bilhões.
Müssnich considera que, para pressionar por um acordo de relicitação, a agência abriu um processo de caducidade (encerramento do contrato por descumprimento de obrigações).
"Pedimos acesso integral aos autos e nos deparamos com um ato da Anac decretando nossa caducidade", diz Müssnich.
"Nem tínhamos anexado nossas alegações finais. Só isso já bastaria para pedirmos a nulidade desse processo."
No entanto, a concessionária, que está em recuperação judicial, apresentou na quinta-feira (12) ao juiz responsável por esse processo uma proposta de devolução do aeroporto a ser negociada com a agência dentro de um novo plano de recuperação.
Müssnich solicitou ainda que, caso não se chegue a um acordo, a disputa seja definida por uma arbitragem, como prevê a legislação que definiu as regras da relicitação.
Isso contraria o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Na sexta-feira (13), ele afirmou que "está caindo a ficha" e que Viracopos sinalizou que "vai aderir a essa solução [relicitação] e que isso será melhor para o contrato".
Tarcísio afirmou ainda que "o governo sempre ganha" na Justiça [nesse tipo de discussão] e que "não repactuar [o contrato] dá sinal positivo a investidores de que contratos são respeitados".
Tarcísio é um dos ministros que mais resultados positivos apresentam ao presidente Jair Bolsonaro. Ele comanda um plano de concessões que, até 2022, deve atrair R$ 231 bilhões em novos investimentos.
"Temos não só o maior plano de concessões do mundo mas, segundo os investidores e agências de risco, o mais sofisticado."
Em 2019, foram 27 concessões e R$ 9,4 bilhões em investimentos. No próximo ano, a expectativa é que 44 leilões atraiam R$ 101 bilhões em investimentos.
Dentro desse pacote estão 22 aeroportos que serão vendidos em três blocos em dezembro de 2020.
Müssnich pede à Anac o reequilíbrio do contrato, justamente o que o ministro disse que não quer autorizar.
No processo, o executivo afirma que a empresa aceitou pagar uma outorga elevada porque a União iria entregar terrenos adjacentes ao aeroporto.
Ali, seriam erguidos um shopping, hotéis e outros empreendimentos imobiliários que gerariam receita. Ainda segundo ele, há sete anos a União não consegue desapropriar a área.
Hoje, pelos cálculos da empresa, a concessão vale R$ 208 milhões, valor que cairia para R$ 80 milhões caso fossem descontados os terrenos.
"O aeroporto não tem problema operacional. Fomos escolhidos o melhor aeroporto do país. Se a União tivesse feito sua parte, tudo daria certo. A operação está rodando, a despeito de todas as dificuldades. Por isso pedimos o reequilíbrio do contrato. Mas a Anac quer enterrar Viracopos vivo", disse Müssnich.
Segundo cálculos da empresa, seria preciso que a União depositasse R$ 135 milhões para que as contas da concessão fossem sanadas. Esse valor seria o equivalente às receitas não geradas por ano com a parte imobiliária.
Para o governo, Viracopos e a rodovia Via 040 disputam o título de primeiro contrato a ser devolvido à União dentre as concessões que deram errado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). As regras passaram a valer em agosto deste ano por meio de um decreto.
Os projetos de rodovias e aeroportos hoje com problemas foram feitos sob premissas equivocadas. Os técnicos consideraram que a economia cresceria dois dígitos a partir de 2011, o que fez extrapolar a previsão de tráfego de passageiros nos aeroportos.
Logo em seguida veio a Operação Lava Jato, que envolveu as principais empreiteiras do país em um esquema de corrupção pelos projetos do governo, e a economia mergulhou em uma recessão, a partir de 2014.
A concessionária de Viracopos foi uma das prejudicadas. Ela é controlada pelas empreiteiras UTC e Triunfo, ambas investigadas pela Lava Jato, e pela operadora francesa Egis, como acionista minoritária. Juntas, eles detêm 51%, e a Infraero, os 49% restantes.
Por meio de sua assessoria, a Anac afirma que Viracopos foi o único aeroporto que não aderiu ao programa de repactuação do contrato. Guarulhos, em São Paulo, e Galeão, no Rio de Janeiro, fizeram esse acordo com a União e seguem cumprindo suas obrigações.
A agência afirma que os terrenos estão em processo de desapropriação e que muitos já foram liberados. No entanto, ainda segundo a Anac, a concessionária apresentou contratos de exploração imobiliária que resultariam em uma receita 40% menor que os R$ 135 milhões solicitados a título de perdas.
Sobre a inclusão de um ato de caducidade no processo, a agência disse se tratar de um procedimento protocolar destinado a já subsidiar os diretores, caso decidam em plenária pela cassação do contrato.
Raio-x de Viracopos
Início da concessão: 2012
Passageiros transportados: 10,5 milhões
Capacidade de transporte de passageiros: 25 milhões
Estacionamento para aeronaves: 75
Carga transportada: 241,3 mil toneladas (40% da carga aérea importada passa pelo aeroporto)
Cidades conectadas diretamente: 54
Área total do sítio aeroportuário: 25,9 milhões m²
Área do novo terminal de passageiros: 178 mil m²
Dívida a vencer: R$ 2,6 bilhões
Valor atual da concessão: R$ 208 milhões
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