Ombudsman da UE abre investigação sobre critérios do acordo com Mercosul

Emily O'Reilly apura se houve falha da Comissão Europeia ao fechar negociações sem esperar avaliação de impacto das medidas

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Varsóvia e São Paulo

A ombudsman da União Europeia, Emily O'Reilly, abriu uma investigação para apurar se houve falha da Comissão Europeia (Poder Executivo da União Europeia) ao concluir as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE sem esperar a conclusão da avaliação de impacto.

As negociações se encerraram em junho de 2019, e o relatório preliminar de impacto encomendado à London School of Economics foi divulgado em fevereiro deste ano.

Como a Folha antecipou em 23 de junho, a queixa foi aberta por cinco entidades, que pedem que o processo de ratificação do acordo seja interrompido até que haja uma análise detalhada dos impactos estimados e planos para mitigar eventuais efeitos negativos nas áreas social, econômica e ambiental.

Na queixa, ClientEarth, Fern, Veblen Institute, FIDH e Fondation pour la Nature et l’Homme afirmam que houve falha administrativa da Comissão por dois motivos. O primeiro é que o órgão tem como diretriz usar os relatórios de impacto na redação de acordos comerciais, de acordo com publicações internas.

O segundo é que, segundo as entidades, a Comissão violou diretrizes de sustentabilidade para o comércio do bloco europeu. Elas também reclamam que, além de ter sido publicado depois do final das negociações, o relatório ainda é preliminar e, portanto, não contém informações atualizadas.

Na carta à presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, a ombudsman pede que sejam respondidas em um prazo de três meses dez questões sobre as regras que regem as negociações comerciais e a conduta dos negociadores europeus durante a discussão do acordo com o Mercosul.

A investigação não entra no mérito do tratado entre os dois blocos —seu objetivo é avaliar se houve erro dos funcionários da comissão, de acordo com as regras que eles deveriam ter seguido.

Não é um processo legal vinculativo, mas as recomendações da instituição, que é independente dos outros órgãos da UE, costumam ser levadas em conta pelas entidades do bloco.

À Folha, a Comissão afirmou que “o relatório de impacto de sustentabilidade foi conduzido em paralelo com as negociações e suas informações foram usadas para informar as equipes europeias sobre vários temas ligados ao desenvolvimento sustentável”.

“Também ressaltamos que o objetivo deste ou qualquer outro relatório de impacto não é fornecer uma análise precisa do impacto do texto já concluído. Qualquer relatório, preliminar ou final, é baseado em cenários, que representam possíveis cenários dentre os quais o acordo estará situado”, diz a Comissão.

O Executivo da UE afirma também que realizou diversas audiências com a sociedade civil durante as negociações, e recebeu colaborações orais e escritas de especialistas e organizações interessadas no acordo.

Segundo a Comissão, esses esclarecimentos já haviam sido enviados às cinco entidades em fevereiro.
Mathilde Dupré, codiretora do Instituto Veblen, um dos que assina a reclamação à ombudsman, afirma que a entidade tentou contribuir com a avaliação de impacto da sustentabilidade, mas suas sugestões não foram levadas em conta no relatório intermediário.

“Consideramos que é bastante óbvio que a Comissão Europeia não cumpriu sua obrigação legal de avaliar os possíveis impactos de um acordo comercial antes do final das negociações e de consultar amplamente as organizações da sociedade civil nesse processo”, diz ela.

Segundo a advogada de comércio e meio ambiente da ClientEarth, Amandine van den Berghe, “o fato de a avaliação de impacto ter sido publicada após a conclusão das negociações comerciais põe em dúvida o processo de tomada de decisão da Comissão”.

Embora não tenha consequências práticas diretas sobre o acordo entre os dois blocos, a abertura de investigação pela ombudsman faz parte de um movimento amplo de questionamento, pelos europeus, do acordo com o Mercosul, que começou logo depois que sua negociação foi encerrada.

No final do ano passado, após o presidente Jair Bolsonaro contestar dados do desmatamento divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o problema ambiental no Brasil ganhou destaque pela mídia estrangeira, acarretando reações como o corte de repasses da Alemanha e da Noruega ao Fundo Amazônia.

O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, disse à Folha na época que a ratificação do acordo do Mercosul com a União Europeia seria mais difícil se o desmatamento no Brasil aumentasse.

Neste ano, o aumento do desmatamento fez subir o tom de empresas, políticos e entidades europeias sobre o que consideram um descompromisso do governo brasileiro com a proteção ambiental.

Deputados do Parlamento Europeu mandaram carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizendo-se preocupados com uma escalada de medidas com potencial de pôr em risco o ambiente no Brasil, e fundos de investimento e pensão que juntos administram aproximadamente US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões) também pressionaram o governo brasileiro.

A segunda onda de reação cresceu depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala e m "passar a boiada" durante a pandemia de coronavírus, menciona legislações específicas que, segundo os europedutados, podem ser prejudiciais.

Entre as medidas que entidades e investidores europeus querem que sejam barradas estão a que introduz novas regras para posse de terra (PL nº 2.633/20), a que pode alterar o sistema de licenciamento ambiental (PL nª 3.729 / 2004) e a que trata de pesquisa e extração de recursos em terras indígenas (PL nº 191/2020).

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