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Analistas questionam excesso de trabalho e burnout nos bancos de investimento

Pressão da alta gestão ainda impedem mudanças

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Stephen Morris James Fontanella-Khan Robert Armstrong
Londres e Nova York | Financial Times

Um estagiário acabara de morrer, em 2013, no Bank of America em Londres. O então analista de fusões e aquisições de um grande banco de investimentos teve um encontro na torre Canary Wharf. Ele ainda se lembra do que ouviu, ao sair, às 23h. "Sinto cheiro de capacidade", disse-lhe um banqueiro mais experiente --isto é, tempo livre que poderia ser usado trabalhando.

Ele nunca relatou o incidente por medo de represálias. Alguns anos depois, esgotado por trabalhar 15 horas por dia, sete dias por semana, ele se demitiu. Mencionou o incidente em sua entrevista de demissão como um dos motivos pelos quais não voltaria.

Sete anos depois da morte de Moritz Erhardt, aos 21, os bancos de investimentos se veem mais uma vez defendendo os horários que exigem de jovens funcionários, depois que analistas exaustos do Goldman Sachs divulgaram uma série de slides detalhando semanas brutais de 95 horas e abusos no local de trabalho, exacerbados pelo isolamento do trabalho em casa durante a pandemia.

Seu protesto captou o espírito do momento. Desde então, diversos bancos enviaram memorandos e publicaram comunicados de imprensa se comprometendo a mudar o modo como o pessoal trabalha. Mas será diferente desta vez?

Homem com post-its colados no rosto e na parede, sinalizando a síndrome do burnout
Analistas questionam excesso de trabalho e burnout em bancos - Lucas Villasmil - 10.set.2020/Unsplash

Executivos experientes claramente sentem pressão para fazer alguma coisa, ou pelo menos dizer. O executivo-chefe do Goldman, David Solomon, saiu em apoio a analistas dissidentes e prometeu horários mais humanos. Jane Fraser, chefe do Citigroup, enviou um memorando aos funcionários pedindo um "reinício" da vida profissional, incluindo limites a videochamadas e arranjos de trabalho flexíveis depois que a pandemia terminar.

Outros bancos estão dando a funcionários juniores vantagens e prêmios em dinheiro: o Jefferies ofereceu bicicletas de exercício Peloton; o Credit Suisse está pagando a jovens banqueiros bônus de US$ 20 mil. Vários bancos disseram estar planejando contratar mais pessoal para aliviar a carga dos funcionários atuais.

Sara Wechter, diretora de recursos humanos no Citigroup, disse ao Financial Times que, embora "tudo seja avassalador e duro neste momento", o banco vem pensando em como dar a seus empregados um melhor equilíbrio trabalho-vida desde muito antes do memorando de Fraser. Ela citou um dia de folga de toda a firma iniciado no ano passado e que será repetido neste ano. "Nós examinamos com atenção as horas trabalhadas, queríamos garantir que não havia bolsões de pessoas que trabalhavam demais. É algo a que a direção está agudamente sensível."

De todo modo, um padrão de trabalho que era considerado normal em toda a indústria agora é tema de amplo debate. Um analista em início de carreira no Morgan Stanley disse que a apresentação do Goldman foi "o assunto geral de seus colegas", discutindo se eles também deveriam protestar, ou aceitar que tinham sido contratados para um emprego que paga bem, mas é duro.

"Por um lado, quando eu quis ser analista de banco de investimentos, sabia que ia trabalhar extremamente duro, sabia que as pessoas às vezes seriam rudes. Mas por outro lado estamos nos perguntando se a realidade superou nossas expectativas."

Um ex-analista de banco no Goldman, que deixou o emprego depois de dois anos, disse que as opiniões entre seus amigos estavam divididas. "A visão dos caras mais velhos é 'cale a boca ou saia'. Para os que criam filhos pequenos enquanto administram a carga de trabalho, a mentalidade é 'todos já passamos por isso'. O outro lado é: estar em casa por conta própria não é bom para a saúde mental. O que tornava meu tempo no Goldman agradável era a camaradagem."

Muitos analistas no primeiro ano nunca viram seus colegas ou chefes senão na tela. "Toda vez que eu deixo minha tela para dar uma caminhada ou fazer uma pausa, preciso comunicar a meu vice-presidente", disse um analista de um banco de investimentos butique. "Todo mundo está constantemente com medo de ser monitorado... é uma enorme invasão de privacidade." Outro analista chamou o monitoramento tecnológico de "chicote virtual".

Foi um ano especialmente movimentado para os negócios, e por cima disso o boom em sociedades de aquisição de propósito específico (Spacs na sigla em inglês) apanhou muitos bancos de surpresa. As Spacs, que levantam dinheiro na Bolsa e depois procuram uma empresa para abrir o capital, estão subitamente quentíssimas, com mais de 500 lançadas nos últimos 12 meses. "O negócio das Spacs simplesmente dominou nossa vida", disse um jovem banqueiro em um grande banco de investimentos.

A indústria também mudou. Em 1994, Brian Mullen, então diretor-gerente no banco de investimentos butique Donaldson, Lufkin & Jenrette, escreveu um memorando hoje famoso em resposta a queixas sobre os funcionários estarem trabalhando demais. "Vamos definir 'trabalhando demais'. Isso é quando você trabalha pelo menos 16 horas todos os dias e pelo menos 16 no fim de semana", ele escreveu. "Se esse não é o seu horário no escritório, você tem capacidade para trabalhar mais."

Hoje ele adota uma opinião diferente. Escreveu que, embora não se arrependa da mensagem, "nos anos 1980 e 90 a indústria de bancos de investimentos estava crescendo a uma taxa de 20% ao ano e as margens eram consideravelmente mais altas... as margens caíram junto com o crescimento, e ganhar negócios tem cada vez mais a ver com a franquia do que com o indivíduo". Diante das oportunidades menores que a indústria oferece, pedir demais só alienaria os empregados, disse ele.

Um banqueiro experiente comentou que outros setores, como tecnologia e capitais privados, hoje oferecem aos formandos salários semelhantes, mas com melhor estilo de vida. "Os bancos de investimentos não podem mais usar o porrete, não podem dizer 'se você quer ganhar, tem de aguentar' --não é mais uma indústria tão atraente."

Apesar da mudança de atitudes, muitos no setor são cínicos sobre a possibilidade de mudança significativa. No meio do caminho há a pressão dos pares e a gerência média entrincheirada que têm mais influência nas carreiras dos jovens banqueiros do que os executivos bem intencionados.

"Ficamos todos nervosos para dizer quando temos dificuldades, temos programas de saúde ocupacional, [mas] se você for a um deles o banco pode legalmente impedi-lo de vir trabalhar, o que aterroriza a todos nós, porque vai interromper nossa carreira e deixar nossos colegas saberem que não somos capazes", disse uma diretora-executiva de um banco global. Ela chama os memorandos e comunicados de imprensa recentes de uma repetição "hilariante" da retórica vazia de 2013.

O cinismo pode ser justificado. Deniz Okat e Ellapulli Vasudevan, dois acadêmicos, estudaram o efeito das políticas de não trabalhar aos sábados instituídas pelos bancos de investimentos depois da morte de Erhardt. Eles examinaram dados de milhões de corridas de táxi entre as sedes de dez bancos de investimentos em Nova York e bairros residenciais, e descobriram que enquanto as viagens aos sábados diminuíam as corridas tarde da noite em outras noites aumentava significativamente. "A política saiu pela culatra ao induzir os banqueiros e trabalhar mais durante os dias não protegidos", concluíram.

Mudar os incentivos era a chave, segundo vários banqueiros. "Os banqueiros e corretores são motivados pelo dinheiro", disse uma corretora experiente. "Já vi alguns bancos pagarem bônus à gerência média com base em retenção de formandos, e essa parecia ser a única maneira de forçar mudanças". Ela comentou que eram os incentivos para chefes de mesas e outros membros da gerência média, e não para executivos seniores, que importavam.

Os incentivos aos clientes também importam. Os bancos cobram taxas fixas por negócios, em vez de por hora, fazendo os banqueiros novatos trabalharem de graça, na verdade. "Os banqueiros são vistos como recursos grátis ilimitados", disse um ex-banqueiro que hoje trabalha no lado corporativo. "Todo mundo diz: os banqueiros não acrescentam valor, então vamos tirar vantagem deles."

Mel Newton, chefe de consultoria de força de trabalho em serviços financeiros no KPMG, acha que fazer jovens banqueiros trabalharem longas horas é uma má estratégia para maximizar a produtividade. Ela reconhece que havia um "desequilíbrio oferta-demanda" quando muitos jovens faziam fila para empregos de analistas, por isso havia a tentação de fazê-los trabalhar muito. Mas "eles são mesmo tão produtivos entre 19h e 0h? Eu duvido, e certamente depois de três ou quatro dias é provável que não consigam fazer um bom trabalho."

A solução, ela afirma, é "educar a direção mais velha sobre o que realmente aumenta a produtividade em seu local de trabalho: são as muitas horas, ou empregados felizes? Você vai conseguir muito mais de um grupo de pessoas que adoram o trabalho, adoram a organização e se sentem valorizadas". Os clientes são exigentes, "mas cabe aos bancos estabelecer esses limites".

O ex-banqueiro que foi advertido por sair do trabalho às 23h lembrou que "uma enorme quantidade do que eu fazia não precisava ser feito. O trabalho era inútil... os melhores banqueiros são os que chegam com duas ou três páginas ou sem qualquer apresentação, porque sabem do que estão falando".

Muitos banqueiros que falaram ao FT tiveram resultados positivos em seus primeiros anos na indústria, entretanto. O ex-analista do Goldman disse: "Os analistas que entram no Goldman, ou na Evercore, são todos alfas. Eles se saíram bem em tudo o que já fizeram. Eu não queria trabalhar menos. Queria a responsabilidade. Esse cenário onde você contrata o dobro de analistas e eles trabalham a metade? Eu não gostaria de trabalhar nesse ambiente".

*Colaboraram Owen Walker e Francesca Friday

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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