Coalizão bilionária contra desmatamento terá de escolher países que receberão fundos

Brasil e Indonésia poderão receber pagamento por créditos de carbono vinculados a redução no desmatamento

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Chelsea Bruce-Lockhart Steven Bernard
Londres | Financial Times

Amazon, Boston Consulting, McKinsey, Unilever, Salesforce, Airbnb, GSK, e Nestlé aderiram em abril a uma coalizão no valor de US$ 1 bilhão cujo objetivo é combater o desmatamento e que agora enfrenta o desafio de decidir que países receberão fundos.

O projeto Leaf (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance) foi lançado em um momento em que novos dados demonstram que as emissões de gases causadores do efeito-estufa relacionadas à perda de florestas tropicais antes intocadas superam as emissões combinadas de poluentes das cinco maiores economias da Europa.

Sob o esquema proposto, as companhias participantes na prática pagariam a países como Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo por créditos de carbono vinculados a evitar o desmatamento.

As organizações poderiam então usar esses créditos para compensar suas emissões de poluentes. Cortar árvores é considerado causa de emissões porque elas absorvem carbono.

O projeto Leaf propôs contribuições voluntárias de pelo menos US$ 10 por tonelada de emissões de dióxido de carbono evitadas. Esse valor é quase o dobro do oferecido atualmente no mercado voluntário de créditos para emissões.

“Anunciamos um pedido de propostas no valor de US$ 1 bilhão —100 milhões de toneladas ao valor de US$ 10 por tonelada. Mas isso é só o começo. Sabemos que não é o bastante”, disse Eron Bloomgarden, diretor executivo da Emergent, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos que facilitará as transações.

Mais de 4,2 milhões de hectares de florestas tropicais úmidas, uma área equivalente à da Suíça, foram perdidos em todo o mundo em 2020, principalmente para a agricultura e produção de commodities, e por incêndios florestais.

O equivalente a 2,65 bilhões de toneladas de dióxido de carbono foi liberado na atmosfera como resultado, de acordo com dados da Global Forest Watch, do World Resources Institute, com base em estimativas sobre o carbono armazenado na vegetação e nas estruturas de raízes destruídas.

A perda de florestas tropicais úmidas cresceu em 12% em 2020, a despeito da desaceleração econômica mundial causada pela pandemia. A alta também contradiz os compromissos assumidos por grandes multinacionais quanto a eliminar de suas cadeias de suprimento o desmatamento, causado pela produção de soja, óleo de palma, madeira e carne bovina.

As florestas tropicais primárias são especialmente importantes porque não são plenamente recuperáveis, e sua regeneração pode demorar séculos. Sua remoção resulta em uma perda imensa de biodiversidade.

Elizabeth Dow Goldman, gerente de pesquisa de mapeamento da Global Forest Watch, disse que “nossa expectativa era de que 2020 seria o ano em que as coisas se reverteriam. Mas a perda de florestas primárias cresceu... e isso foi decepcionante”.

“Nos trópicos, a agricultura é um grande propulsor da perda de florestas primárias”, disse Goldman. Ela acrescentou que determinar como e onde a agricultura se expande pode ter um grande impacto. “É preciso haver foco em melhorar a produção das terras que já estão sendo cultivadas”.

Sob o esquema da Leaf, o Brasil poderia teoricamente receber US$ 1 bilhão se seu desmatamento de florestas tropicais primárias fosse reduzido em apenas 10%.

Mas existem muitos outros países em busca de apoio financeiro, e o efeito também pode influenciar muito suas economias.

A Malásia é um de apenas quatro países cujas florestas emitiram mais carbono do que capturaram, nas duas últimas décadas, o que fez do país uma fonte de carbono em lugar de um repositório. No período 2001-2020, perto de 17% das florestas tropicais primárias da Malásia foram perdidas, principalmente para plantações de óleo de palma e para o comércio madeireiro.

Mas a Malásia conseguiu reduzir o desmatamento a cada ano nos últimos quatro anos, depois de limitar a área de plantação associada à produção de óleo de palma e de criar punições mais severas para a atividade madeireira ilegal. A perda de floresta tropical primária caiu de 185 mil hectares em 2016 para 73 mil hectares em 2020, de acordo com dados da Global Forest Watch.

Se a Malásia reduzir em mais 10% o ritmo de desmatamento de florestas tropicais primárias, ante o nível atual, o esquema de crédito do projeto Leaf poderia valer US$ 60 milhões ao país.

Na República Democrática do Congo, o desmatamento é causado principalmente por demandas agrícolas, quando pequenos agricultores desmatam áreas florestais para cultivar safras básicas como milho e mandioca, a fim de alimentar uma população cada vez maior.

Um estudo da Universidade de Maryland constatou que mais de 90% da perda total de árvores na República Democrática do Congo se devia a técnicas agrícolas que recorrem a queimadas de florestas para abrir áreas de cultivo, que entram em uso depois de um período de regeneração. No Congo, o desmatamento reduziu a área de floresta tropical primária na média de 480 mil hectares anuais, nos últimos cinco anos.

Se o ritmo de desmatamento na República Democrática do Congo for reduzido em 10%, o país poderia receber quase US$ 350 milhões do esquema da Leaf.

Créditos vinculados a desmatamento nada têm de novo, e causam controvérsias. Os críticos dizem que é difícil garantir que a proteção de uma área não leve a desmatamento de outra. E alguns créditos de “desmatamento evitado” acabam sendo gerados em áreas florestais que não corriam risco genuíno de desmatamento.

Sob o plano Leaf, os países que abrigam florestas tropicais não receberiam créditos até uma verificação por terceiros de que o desmatamento foi reduzido em toda a “jurisdição” —país, território ou província.

Os proponentes do projeto Leaf argumentam que a abordagem jurisdicional evitará proteger uma área enquanto o desmatamento se transfere a uma área vizinha, criando “ilhas de verde”.

Os acordos de compra de créditos por redução de emissões devem ser assinados até o final do ano com os países tropicais, mas eles só começarão a receber o dinheiro quando os projetos comecem a gerar créditos.

“Os países precisam encontrar o equilíbrio correto entre a proteção de florestas e a produção de alimentos”, disse Bloomgarden, da Emergent.

O esquema conta com apoio dos governos do Reino Unido, Estados Unidos e Noruega.

“Proteger florestas tropicais na verdade é um imperativo mundial”, disse Ruben Lubowski, economista chefe para questões de recursos naturais do Fundo de Defesa Ambiental, uma organização ecológica americana. “Não existe percurso para cumprir as metas do Acordo de Paris sem reduzir rapidamente o desmatamento. Isso é essencial”, ele acrescentou.

“No momento, o modelo de desenvolvimento econômico só atribui valor a árvores quando derrubadas”, disse Lubowski. “O Leaf quer criar financiamento duradouro para um modelo compatível com manter as florestas e também formas sustentáveis de ganhar a vida para as comunidades indígenas e locais”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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