Você pode entrar em discussões kafkianas para fechar o negócio, diz fundador da Empiricus

Desejo de se unir a André Esteves sempre existiu, diz Felipe Miranda que negociou empresa com a BTG

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São Paulo

Felipe Miranda, fundador da Empiricus, que na semana passada foi a bola da vez das aquisições em série do BTG de André Esteves, descreve contornos kafkianos e lendas urbanas que envolveram o acordo.
Segundo ele, o negócio já estava de pé havia cerca de 60 dias, mas o desejo de se unir ao banqueiro sempre existiu.

Na reta final, cada cláusula parecia uma eternidade, segundo o empresário, que faz piada com os boatos de que a Empiricus deixaria de pagar aluguel do escritório localizado em um imóvel do BTG.

“Eu ficaria muito feliz se essa pessoa que lançou essa ideia pagasse por mim, porque é um aluguel caro para caramba”, diz Miranda, reiterando que as operações seguem separadas, assim como será mantida a independência da Empiricus.

A transação de R$ 690 milhões abrange todas as empresas do grupo Universa, além da casa de análises, como os sites e a plataforma de investimentos Vitreo, para dar suporte à estratégia de consolidação do BTG no varejo de investimentos brasileiro.

Homem de barba veste camisa social azul e sorri
Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus. (Foto:Divulgação) - Divulgação

A transação já estava praticamente anunciada, mas ainda levou algumas semanas para sair. Por quê? Não que eu tenha feito muitos M&As [fusões e aquisições] na vida, mas, conversando com o nosso assessor e os advogados, parece que é assim mesmo. As coisas já estavam, de fato, assinadas havia 60 dias. Já estava tudo acertado, mas eram dez empresas: Real Valor, Seu Dinheiro, Money Times, Empiricus, Acta, Vitreo, uma holding, tinha muita coisa envolvida, cláusula por cláusula.

Você entra em discussões kafkianas. Os advogados, certamente corretos na defesa dos seus respectivos clientes, mas, às vezes, entra em uma discussão que vai também para o ego, de quem tem a melhor frase ou o melhor ponto.

Eram quatro escritórios de advocacia, cada linha uma eternidade. E tinha um aspecto negocial interno, porque havia dois grupos: o que representava o private equity, que está saindo da operação, e a gente que fica e tem uma operação para tocar. A pessoa que está saindo quer maximizar a sua saída e quem está ficando quer maximizar a continuidade da empresa. Foi cansativo, mas é ilusão achar que não é assim.

Vocês tinham outras propostas também, e como foi a escolha? A gente sempre teve muita identificação com a turma do BTG. É um namoro antigo. Lá atrás, quando eu tive a ideia de montar a corretora Empiricus, que metaforicamente foi depois transformada na Vitreo, já se discutiu ali a hipótese de o BTG ser o nosso sócio nessa história. A vida levou para outro caminho, mas parece que o rio corre para o mar. A gente continuou mantendo conversas amigáveis, às vezes estratégicas, às vezes negociais, mas esfriava e esquentava ao longo dos últimos anos. A gente acha que esses caras são o que maximizam as nossas possibilidades de crescimento. Antecipa para nós uns quatro ou cinco anos de coisas que teríamos de desenvolver. Nos apoia em tecnologia, reputação, balanço, capital.

André Esteves está com apetite, tem feito aquisições em série. A proposta dele foi melhor financeiramente? Não. Tivemos três propostas formais firmes, e ela era a pior, que implicava o menor valuation [avaliação do valor da empresa]. A gente achou que abre mão de grana imediata, mas pode crescer mais e fazer mais pelo cliente e estar com uns caras com quem temos respeito mútuo. Dinheiro importa, mas é uma das variáveis.

O sr. vai ter alguma participação em conselho? Não tem nada nesse sentido. É “toca aí” e conta com a nossa ajuda. Esse é o trato hoje.

Já se reuniu com o André Esteves depois do negócio? Fisicamente, ele esteve no escritório depois, mas eu não estava. Foram dias tão estressantes, me dei uns dias para ir à praia. Nos falamos por telefone algumas vezes. Ele está animado com o negócio, diz que vai voar, que não vamos reconhecer a Vitreo daqui a um ano, que vamos fazer muita coisa. Ele está animado, mas eu nunca vi ele desanimado.
Sempre houve esse desejo recíproco de a gente fazer algo conjuntamente, guardadas as devidas proporções que nos separam, eu tenho consciência do meu lugar. Eu me lembro de um jantar, há uns anos, em que se estava falando hipoteticamente de eu sair da Empiricus, e eu disse que não tinha como eu sair. Aí ele falou: “Você vai trabalhar lá no banco”. A Empiricus é relevante, mas, para ele, é uma das peças dessa engrenagem gigante que é o BTG Pactual. Acho que foi mais um movimento acertado que eles fizeram, mas dentro de uma série.

Tem um movimento de consolidação forte acontecendo, como tem olhado para isso? É natural que isso aconteça em momentos de pós-crise ou final de crise, algo como estamos agora. Tem players fragilizados, outros mais capitalizados, que se apropriam desse momento de boas empresas passando por maus momentos, para fazer isso. Na indústria financeira, em particular, tinha essa perspectiva de consolidação, porque tinha muitas corretoras. Nos Estados Unidos, é um mercado dominado por quatro ou cinco. Aqui, é uma caminhada meio natural.

Por muito tempo teve um oligopólio bancário. Depois, um monopólio, que era só a XP. Criou-se um monopólio do investimento de pessoa física no Brasil, nesse modelo muito pautado em agente autônomo e vários pequenos brigando embaixo. Aí veio BTG como um superbanco, a Goldman Sachs da América Latina, que resolveu jogar no digital, do mercado de varejo. Largou um pouco atrás nesse ambiente específico, mas os caras são muito bons e capitalizados. E hoje é um grande rival da XP nessa história. É esse rolo compressor. De um lado, tem a quebra desse monopólio no mercado de agentes autônomos. E tem essa trajetória fora dos agentes autônomos, que é essa terceira via que a Empiricus propõe, essa história do modelo pautado em recomendações não complicadas, não no agente autônomo, o que diversifica.

Como fica a independência da Empiricus nessa estrutura? Não desrespeitando a sua pergunta, não é o caso. Parece inteligente essa observação de que agora perdeu a independência. Só que é pseudointeligente. Se a Empiricus perder a independência dela, mata o negócio. O André Esteves não está comprando a Empiricus para matá-la. É o contrário. Ele quer catapultá-la. E a gente acredita nisso. Eu tenho earn-outs [pagamento] para pegar que só se realizam se isso crescer muito. E eu só vou crescer com independência. Não sou campeão de tiro no pé.

O grande valor da Empiricus é a confiança das pessoas. Se perder isso, perde tudo. Sempre foi uma insistência do Esteves. “Você vai tocar isso como quiser.” Foi pactuado várias vezes de boca, e está registrado em contrato. Qualquer ferimento à nossa independência antecipa todo o nosso earn-out. Isso está preservado.

Como a falta de educação financeira impacta esse negócio? Tem uma parcela grande da população que não lida com o dinheiro, deixa na poupança. E tem outra que é instruída pela raposa no galinheiro, que é o gerente do banco ou o agente autônomo. Você está lidando com um vendedor aconselhando seus investimentos.

A função do agente autônomo é ser um distribuidor de produtos, ou seja, ele é um vendedor. O vendedor vende, o analista analisa, o consultor faz consulta. São atividades regulatoriamente separadas por uma razão. Quem vende não pode dar recomendação. Mas, na prática, se você só tem a interlocução com o vendedor, ele pode não recomendar explicitamente, mas ele sugestiona. “Essa camiseta ficou bacana em você, não vou te recomendar, mas ela ficou bonita.” É como dizer que uma ação é a melhor que tem hoje na Bolsa, que vai se multiplicar por cinco. Como a assimetria de informação é grande, as pessoas acabam orientadas com o mapa do vendedor. É grave, e com certeza é um espaço de crescimento para a gente. Há demanda por informação.

E vocês são inquilinos do BTG? Como vai ficar isso? Vi uma lenda urbana de que a Empiricus já nem pagava aluguel para o BTG. Eu ficaria muito feliz se essa pessoa que lançou essa ideia pagasse por mim, porque é um aluguel caro para caramba. Continua normal. São empresas totalmente separadas. Se o BTG quiser anunciar no Money Times, vai continuar pagando, se usarmos algo do BTG, vamos pagar para eles.
A única coisa sobre isso é que foi um jeito de a gente continuar no escritório, porque, como o BTG está crescendo muito, provavelmente eles iam pedir o espaço de volta. O Esteve até brincou: “É melhor você fechar aqui com a gente, senão, vamos te tirar do prédio”. A gente continua lá, mas pagando.

E o que você vai fazer com o dinheiro? Como você vai investir? Não tem outra possibilidade senão os próprios fundos da Vitreo. Meu dinheiro vai todo mês para esse mesmo lugar, que muito provavelmente vai virar Empiricus Investimentos. Como sou filho de Deus e pai de dois filhos, tenho um pouquinho reservado para uma casinha na praia.

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