STF articula liberar emendas do relator em troca de transparência dos gastos

Governo mantém previsão de votar a PEC dos Precatórios nesta semana; expectativa de aliados é que proposta seja aprovada

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Brasília

Integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) se articulam nos bastidores para evitar que a corte proíba totalmente o pagamento das chamadas emendas de relator (usadas como moeda de troca em negociações políticas na Câmara e Senado) e compre uma briga direta com o Congresso e o Executivo.

Essas emendas estão suspensas desde sexta-feira (5), quando a ministra Rosa Weber deu uma liminar bloqueando integralmente o uso dos instrumentos. O julgamento ocorrerá no plenário virtual entre terça (9) e quarta-feira (10).

Uma ala do tribunal tem trabalhado na tentativa de construir uma maioria no sentido de manter a execução dessas emendas, mas com a determinação de que sejam adotados mecanismos para aumentar a transparência desses recursos.

STF
Presidente do STF, ministro Luiz Fux recebe em audiência o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados no gabinete da presidência - Fellipe Sampaio - 8.nov.2021/SCO/STF

Líderes partidários da base dizem que não há consenso sobre a proposta, que, na prática, acabaria com esse tipo de emenda. Aliados do governo no Congresso avaliam ainda que, para que as emendas tivessem mais transparência, os critérios já deveriam ter sido estipulados previamente —o que não aconteceu.

A ideia proposta por parte do STF permitiria o desbloqueio da verba que vem sendo usada em negociações políticas, mas deverá reduzir o poder de aliados do governo na articulação com congressistas, pois a maior transparência de informações irá expor o privilégio dado a quem vota em projetos de interesse do Palácio do Planalto.

A emenda de relator é um tipo de emenda que foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.

Atualmente, ela é a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões.

O Palácio do Planalto e aliados, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles na Casa.

Lira se reuniu nesta segunda-feira (8) com o presidente do STF, Luiz Fux, para falar sobre a decisão que suspendeu essas emendas parlamentares. Após o encontro, eles não se manifestaram publicamente.

Na reunião com Fux, Lira procurou argumentar que a chamada emenda de relator, distribuída a deputados e senadores, é uma questão interna do Congresso, e qualquer decisão da corte no sentido de barrar o pagamento da verba seria uma ingerência em outros Poderes.

Reservadamente, aliados do governo disseram que a decisão da ministra demonstra o que consideram ser ativismo judicial do Supremo. Eles argumentam que, em caso de rejeição da PEC, escritórios de advocacia ganhariam honorários em cima do pagamento desses valores, e que a liminar seria uma forma de o STF legislar em benefício da classe.

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador tem direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar seus redutos eleitorais).

No caso das emendas individuais e de bancada, há muito mais informações públicas, como quem foi o congressista autor do pedido de liberação de recursos.

O uso desse novo tipo de emenda (a de relator) para barganhar apoio político na Câmara e Senado tem sido também questionado por órgão de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União).

O problema levantado é que não há uma divulgação transparente da destinação desse dinheiro.

Em outro revés recente do governo no STF, a ministra Rosa Weber, relatora do processo sobre a votação da PEC dos Precatórios, estabeleceu, no fim de semana, prazo de 24 horas para a Câmara dar informações sobre a aprovação do texto.

A PEC permite a expansão de gastos públicos e viabiliza a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 400 prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em ano eleitoral.

Em resposta encaminhada ao tribunal nesta segunda (8), a Câmara argumenta que o Judiciário "não pode determinar que o Legislativo adote determinado procedimento na votação da lei orçamentária, porque tal ato constituiria invasão das prerrogativas constitucionais estabelecidas."

O documento diz ainda que o mecanismo não foi questionado durante as discussões dos projetos de lei do Orçamento de 2020 e 2021.

A argumentação da Câmara também cita uma nota técnica da Consultoria de Orçamento da Casa, cuja conclusão foi que a decisão da ministra impede o andamento de obras financiadas com recursos das emendas de relator. Portanto, o efeito da decisão liminar valeria tanto para emendas que ainda serão liberadas, como para aquelas que já estão sendo executadas.

O Senado também encaminhou nesta segunda (8) um parecer para o STF no qual pede a revogação da decisão da ministra que suspendeu o pagamento das chamadas emendas de relator.

A peça elaborada pela Advocacia do Senado afirma que a decisão "fere a autonomia" dos poderes Legislativo e Executivo e que, portanto, se mostra como uma "afronta às estruturações institucionais" dos Poderes.

O parecer ainda defende que tais emendas do relator são importantes e atendem "ao sistema de freios e contrapesos, permite ao Congresso Nacional influenciar com maior eficiência na alocação de tais recursos, de acordo com a formação da base de apoio ao governo federal e de acordo com as necessidades de suas bases eleitorais, observando-se, portanto, o regime democrático e a representação política".

A promessa de ampliar a liberação dessas emendas de relator até o fim do ano fez parte das negociações para o governo aprovar, em primeiro turno, o texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios.

Na semana passada, o presidente da Câmara editou ato para permitir a votação remota de quem está em missão autorizada pela Casa, o que foi contestado pela oposição.

Nesta segunda, Lira editou outro ato para liberar do registro de presença biométrica gestantes ou parlamentares em condição de saúde que impossibilite o trabalho presencial, desde que autorizado pelo presidente da Câmara e mediante documento que comprove o estado de saúde do parlamentar. ​

Há, atualmente, 17 deputados em missão autorizada pela Câmara. Desse total, 12 votariam a favor da PEC. Outros seis que apresentaram atestado médico também seriam favoráveis ao texto.

O governo passou os últimos dias mapeando os votos a favor da PEC e afirma haver apoio suficiente para que a proposta seja aprovada. Aliados de Bolsonaro contam com a pressão de prefeitos que estarão em Brasília nesta terça pedindo a aprovação da proposta, que também prevê a renegociação de dívidas previdenciárias dos municípios com a União.

Apesar da decisão da ministra do Supremo de suspender as emendas de relator, o governo mantém a previsão de que a votação da PEC seja concluída na Câmara nesta semana, começando já na terça.

O governo tem pressa para garantir o início do pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil em dezembro.

Se o acordo com o STF e a votação da PEC falharem, o Palácio do Planalto pretende editar decretos e medidas provisórias para cumprir a promessa de Bolsonaro.

Entenda o que são e como funcionam as emendas parlamentares

A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte

Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares

As emendas parlamentares se dividem em:

Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde

Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido

Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015

A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015

Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;

b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde

c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória

2019

O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)

Metade desse valor tem que ser destinado a obras

O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões

Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral

2021

Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões

Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões

Emendas de comissão permanente: R$ 0

Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões​

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