Descrição de chapéu Financial Times inflação

Veja os sete riscos para a economia mundial segundo o FMI

Efeitos da Guerra da Ucrânia e prolongamento da pandemia vão testar garra de bancos centrais

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Colby Smith
Washington | Financial Times

O FMI (Fundo Monetário Internacional) reduziu suas projeções quanto ao crescimento mundial e elevou suas estimativas de inflação, alertando que o panorama de riscos econômicos "está fortemente inclinado para o lado negativo".

As novas projeções, divulgadas na terça-feira (26), surgem em um momento no qual o planeta está tentando lidar com as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, prolongados desordenamentos causados pela pandemia e um aperto rápido nas condições financeiras, enquanto os bancos centrais correm para tentar conter a disparada de preços.

O Fundo agora antecipa que o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mundial se desacelere para 3,2% em 2022, uma redução de 0,4 ponto percentual ante sua estimativa de abril e cerca de metade do ritmo de expansão do ano passado. Em 2023, a projeção é que o crescimento mundial seja ainda mais fraco, 2,9%. Há três meses, a estimativa para o ano que vem era 0,7 ponto percentual mais alta.

Funcionário trabalha perto de tubulações de gás na estação Bulgartransgaz em Ihtiman, na Bulgária - Nikolay Doychinov - 5.mai.2022/AFP

A inflação mundial deve se intensificar, e o FMI elevou sua projeção para este ano e o ano que vem em quase um ponto percentual, para 8,3% e 5,7%, respectivamente.


Os sete riscos para a economia mundial, segundo o FMI

A economia mundial está há meses sob uma tempestade que mina as expectativas de crescimento, mas ainda pode piorar até cair a um dos níveis mais baixos em cinco décadas, advertiu o Fundo. Confira abaixo os principais riscos para as perspectivas globais:

1- Guerra na Ucrânia e preços da energia

  • Segundo o FMI, há "muita incerteza" sobre os níveis de fornecimento de gás russo à Europa para 2022 e 2023, enquanto se observa uma queda de 40% desde abril, em relação ao ano passado.
  • O relatório levanta a possibilidade de que as exportações de gás russo possam parar completamente, o que poderia forçar os países europeus a racionar a energia. Isso afetaria setores industriais importantes.
  • Esta possibilidade reduziria "significativamente" o crescimento da zona do euro em 2022 e 2023 e teria um eco "transfronteiriço".

2- Inflação persistente

  • Embora "se espere" que volte aos níveis pré-pandemia antes do fim de 2024, as pressões adicionais podem fazer a inflação se consolidar, alerta.
  • E, se as pressões forem muito fortes, podem criar uma situação de "estagflação", ou seja, com economias estancadas, ao mesmo tempo em que a vida se encarece por uma inflação alta.

3- Políticas de desinflação

  • O FMI está preocupado que os bancos centrais, em suas tentativas de conter a inflação, estejam indo longe demais.
  • Se não escolherem bem as taxas de juros, os bancos centrais se expõem a uma forte queda da demanda. "O risco de recessão é particularmente proeminente em 2023", analisa o relatório.

4- Dívida das economias emergentes

  • Com o aumento das taxas de juros nas economias desenvolvidas, será mais caro obter créditos e, sem uma política monetária adequada, existe o risco de que as moedas nacionais se desvalorizem, consideravelmente, em relação ao dólar. E isso também ocorreria em um momento, em que a situação financeira de muitos Estados já é "tensa", segundo o FMI.
  • A instituição estima que 60% dos países de baixa renda correm o risco de se encontrar, ou já estão, em dificuldades de endividamento. Há dez anos, o número era de cerca de 20%.

5 - Impasse na China

  • As expectativas atuais do FMI preveem uma recuperação da economia chinesa durante o segundo semestre de 2022, depois de um primeiro semestre do ano marcado por inúmeras medidas restritivas, devido à pandemia de Covid-19.
  • Essas medidas prejudicaram a atividade manufatureira local e, por extensão, a mundial.
  • Acompanhado da política de "Covid zero" do governo chinês, um novo surto de Covid-19 poderá afetar a economia da China, com "importantes repercussões em nível mundial", afirma o FMI.

6- Agitação social e fome

  • Como os gastos com alimentos e energia são insubstituíveis, a inflação atual "representa uma ameaça não apenas para a estabilidade econômica, mas também para a estabilidade social", ressalta o FMI.
  • A instituição tem, assim, observado um aumento dos protestos desde o fim da fase aguda da pandemia.
  • "Os preços mais altos dos alimentos e da energia são fortes indicadores de distúrbios", diz o Fundo.
  • O principal fator que impulsionou o aumento dos preços dos alimentos foi o bloqueio da Rússia às exportações de grãos da Ucrânia.

7 - Fragmentação da economia mundial

  • O FMI também teme um "risco grave para as perspectivas de médio prazo com a guerra na Ucrânia": uma fragmentação da economia mundial em blocos geopolíticos com diferenças significativas em padrões tecnológicos, sistemas de pagamentos internacionais e reservas de divisas.
  • "A fragmentação também pode diminuir a eficácia da cooperação multilateral para responder à mudança climática, com o risco adicional de que a atual crise alimentar se torne a norma", conclui o FMI.

Perspectivas econômicas se tornaram muito 'mais sombrias'

A instituição multilateral de empréstimos afirmou que as perspectivas econômicas tinham se tornado muito mais sombrias e "extraordinariamente incertas", com a inflação chegando a picos históricos e os desafios ao crescimento mundial se tornando cada vez maiores.

Pierre-Olivier Gourinchas, o principal economista do FMI, alertou em entrevista que o ambiente testará a "garra" dos bancos centrais de todo o mundo em sua determinação de elevar as taxas de juros a fim de restaurar a estabilidade de preços mesmo em meio a uma desaceleração da economia.

"Estamos passando por um momento muito crítico", ele disse. "É fácil desaquecer a economia quando ela está muito quente. Mas é muito mais difícil reduzir a inflação quando a economia está perto de uma recessão".

O risco de uma recessão é "especialmente proeminente" em 2023, porque o crescimento do ano que vem deve cair ao seu ponto mais baixo em diversos países, as economias acumuladas durante a pandemia terão encolhido e "até mesmo pequenos choques poderão bastar para causar uma crise econômica".

Um cenário "plausível" que o Fundo mapeou é uma forte redução nas exportações russas de energia, o que poderia incluir a completa suspensão de entregas de gás natural da Rússia para a Europa, algo que reduziria ainda mais o crescimento e deflagraria novas pressões de preço.

Mas Gourinchas não chegou a definir o ambiente econômico que está para surgir como "estagflacionário", como aconteceu na década de 1970, sustentando que os bancos centrais agora têm muito mais credibilidade do que tinham então. Ele disse, porém, que "o risco de que tenhamos uma recessão mundial cresceu, e a inflação será mais persistente do que antecipamos".

Os fatores que justificaram as projeções de crescimento pioradas envolvem deterioração na maior parte das grandes economias do planeta.

Prejudicada por lockdowns severos relacionados à Covid-19, a economia da China deve se expandir apenas 3,3% este ano, 1,1 ponto percentual a menos do que era esperado em abril, e seu crescimento econômico deve ser o mais baixo registrado pelo país em quatro décadas, excetuado o do ano de 2020, que registrou o choque da pandemia.

Para os Estados Unidos, a expansão de 5,7% do ano passado deve cair a menos da metade, para 2,3%, em 2022, e continuar a cair no ano que vem, para apenas 1%, já que a disparada da inflação está reduzindo a capacidade dos domicílios para adquirir bens e serviços, o consumo está em recuo e a campanha de aperto monetário do Fed (Federal Reserve), o banco central dos Estados Unidos, muito agressiva em termos históricos, está começando a causar efeitos.

Comparadas às projeções de abril, todas as novas estimativas mostram números pelo menos um ponto percentual mais baixos.

Considerada a inflação, o crescimento "real" do PIB dos Estados Unidos deve ser de apenas 0,6% em termos anualizados, no quarto trimestre de 2023. "Nesse caso, não seria preciso muito para lançar a economia ao que poderíamos definir como uma recessão técnica", disse Gourinchas.

Ele acrescentou que os mercados emergentes tinham se tornado uma grande preocupação, à medida que o ciclo de aperto do Fed eleva os custos de captação em todo o mundo. Embora não tenham surgido condições "desordeiras" nos mercados financeiros do planeta, até agora, a grande incógnita é determinar que pressão adicional as economias são capazes de suportar.

Os mercados emergentes devem sentir pressão ainda mais intensa caso o cenário alternativo proposto pelo FMI, de uma forte queda nas exportações de petróleo e gás natural da Rússia, venha a se concretizar, com um reforço das expectativas inflacionárias e os bancos centrais forçados a adotar um aperto monetário ainda mais severo.

Sob essas circunstâncias, o crescimento mundial cairia a 2,6% em 2022 e 2,2% em 2023. De acordo com o FMI, o crescimento mundial só ficou abaixo de 2% cinco vezes, da década de 1970 para cá.

A Europa, que já antecipava crescimento muito menor este ano do que o previsto inicialmente, também seria afetada de maneira desproporcional. O FMI já tinha reduzido sua projeção a um crescimento de 2,6% em 2022 e 1.2% em 2023, e a avaliação para a Alemanha foi reduzida substancialmente ante a projeção de abril. No ano que vem, a economia alemã deve crescer apenas 0,8%.

Uma cessação das exportações russas de gás natural poderia reduzir em mais 1,3 ponto percentual o crescimento europeu em 2023, o que resultaria em "crescimento regional quase zero".

Isso provavelmente criaria mais problemas para o Banco Central Europeu, que já enfrenta desafios para, por exemplo, descobrir como elevar as taxas de juros sem causar uma nova crise da dívida na zona do euro.

Gourinchas disse que um novo instrumento de compra de títulos anunciado pelo BCE na semana passada poderia ter "um efeito calmante muito forte" sobre os mercados, mas disse que colocá-lo em operação seria "um exercício delicado".

Tradução de Paulo Migliacci

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