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Apple deixa funcionários ansiosos ao pedir retorno ao trabalho presencial

Grandes empresas de tecnologia demoraram a chamar trabalhadores de volta por medo do êxodo de talentos

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Dave Lee
San Francisco | Financial Times

Quando Tim Cook mandou sua força de trabalho para casa, em março de 2020, chamando o coronavírus de "momento desafiador", é improvável que o CEO da Apple imaginasse que haveria uma batalha para trazer esses funcionários de volta ao escritório dois anos e meio depois.

Levou apenas alguns dias para os empregados da Apple reagirem firmemente ao pedido da gigante tecnológica para que eles trabalhem nos escritórios três dias por semana a partir de setembro. Um grupo que se autodenomina AppleTogether [AppleJuntos] alertou na segunda-feira (22) que não deve haver "ordem uniforme da liderança sênior", enquanto um canal do aplicativo Slack que defende o trabalho remoto na Apple cresceu para 10 mil membros.

A medida da Apple, uma referência do Vale do Silício, levou a uma crescente preocupação entre trabalhadores de tecnologia sobre se suas empresas farão o mesmo. Embora as grandes firmas de tecnologia tenham enviado rapidamente seus funcionários para casa no início da pandemia, o setor foi marcadamente menos decisivo ao chamar todos de volta, por preocupações de que pudesse desencadear um êxodo de grandes talentos.

Logo da Apple exibido em tablet em Paris - Lionel Bonaventure - 18.fev.2019/AFP

"Há uma ansiedade palpável", disse um engenheiro de hardware da fabricante do iPhone, que pediu para permanecer anônimo. "A Apple está trabalhando com arrogância ao acreditar que é um lugar desejável para se trabalhar e que sempre haverá pessoas dispostas a trabalhar na Apple, independentemente das condições."

Alguns trabalhadores foram encorajados pelo mercado de trabalho apertado, que impulsionou a demanda por empregos em tecnologia, altamente procurados. Os números da Morning Consult, grupo de análise de dados, sugerem que cerca de metade de todos os trabalhadores de tecnologia ficaram totalmente remotos até 2022, e a maioria não demonstra interesse por retornar em tempo integral.

Esses atritos levaram a um forte contraste na forma como as empresas de tecnologia do Vale do Silício veem o futuro do trabalho.

Cook, da Apple, insiste que a colaboração é melhor quando feita pessoalmente e que a cultura e a vantagem criativa da empresa diminuiriam com uma força de trabalho distanciada e isolada.

Enquanto a Apple foi delicada no discurso ao insistir em três dias por semana como parte de um programa "piloto" a partir de 5 de setembro, a Tesla adotou uma abordagem mais dura.

"Se você não aparecer, vamos supor que se demitiu", disse Elon Musk a seus funcionários em um e-mail em junho, exigindo pelo menos 40 horas por semana no escritório.

Em contraste, os executivos da Meta, empresa controladora do Facebook, adotaram o trabalho virtual como uma alternativa permanente, com uma ampla lista de altos executivos espalhados por diferentes países e fusos horários, incluindo Adam Mosseri, chefe da rede social Instagram.

Enquanto isso, o Dropbox, site de armazenamento de arquivos, declarou-se uma empresa "Virtual First" [Primeiro virtual]: espera-se que os funcionários passem 90% do tempo fora do escritório. No Airbnb, os empregados podem trabalhar onde quiserem em seus países de origem e, durante até 90 dias por ano, em qualquer um dos 170 países ao redor do mundo.

Outras estão adotando uma abordagem mais cautelosa. A Amazon disse a seus funcionários no final do ano passado que o trabalho flexível seria decidido equipe por equipe. Desde então, não forneceu nenhuma orientação mais específica.

O retorno do Google ao plano do escritório já sofreu várias partidas falsas, e o grupo de tecnologia agora recorreu a uma abordagem fragmentada.

Uma página interna de perguntas frequentes para os funcionários do Google, vista pelo Financial Times, diz que a equipe será instruída a retornar ao escritório local por local, com um período de transição de 30 dias.

Em preparação para o retorno, a Alphabet, empresa controladora do Google, convidou os trabalhadores que quiserem permanecer totalmente remotos a solicitar à gerência, com a viabilidade julgada caso a caso. O Google disse que a grande maioria dos pedidos de trabalho totalmente remoto, ou transferência para outro escritório, foi concedida. A empresa disse que não marcou um dia em que todos os seus trabalhadores híbridos devem retornar.

Adrian Perez-Siam, que trabalhou na equipe de finanças do Google, disse que foi indicado para promoção por causa de seu desempenho, mas teve o pedido de trabalho remoto negado. Em seguida, ele renunciou.
"Eles me deram um ultimato", disse ele. "Tinham uma opinião muito forte sobre ter pessoas no escritório. Meu argumento era que, se eu estava superando meu desempenho e fazendo um trabalho tão bom, poderia facilmente continuar fazendo meu papel."

Aqueles cujos pedidos de trabalho remoto forem aceitos começarão essencialmente um novo emprego, com termos diferentes –os trabalhadores que não estão mais no Vale do Silício não receberão salários do Vale do Silício. Houve outros problemas iniciais, disse um engenheiro de software do Google que, ao contrário de Perez-Siam, recebeu aprovação para ficar totalmente remoto.

"Sinto que tenho que provar constantemente que sou tão produtivo quanto as pessoas que trabalham no escritório", disse ele. "É comum meu gerente atribuir alguns problemas da minha equipe ao fato de estarmos trabalhando remotamente nos últimos dois anos, quando na realidade também pode ser por causa de má gestão."

Esse é um sentimento observado por pesquisadores da Escola de Administração McDonough da Universidade Georgetown, que estudou dados coletados de 70 mil trabalhadores em casa e descobriu que chefes ruins eram a força motriz por trás do desejo de trabalhar à distância. Mas os funcionários do Vale do Silício devem ter cuidado com o que desejam, argumentou o professor associado Jason Schloetzer.

"Quando uma empresa constrói a infraestrutura de tecnologia, ou se acostuma com as pessoas participando de reuniões pelo Zoom, há muito menos motivos para essas pessoas estarem empregadas nos Estados Unidos", disse ele.

Outras empresas de tecnologia estão prontas para atrair trabalhadores insatisfeitos. Segundo dados da ZipRecruiter, a porcentagem de vagas de emprego no setor de tecnologia que oferecem condições totalmente remotas saltou de 12% em 2019 para 39% até agora em 2022.

Entre os beneficiários estão empresas como a Oyster, plataforma de recursos humanos que ajuda companhias a gerenciar forças de trabalho remotas, incluindo a sua própria. Tony Jamous, executivo-chefe da Oyster, disse que o quadro confuso em algumas empresas de tecnologia é uma "crise de liderança" por causa do medo de perder o controle.

"Elas são dinossauros", disse ele sobre as empresas. "Não estão mais na vanguarda da liderança, não estão mais na vanguarda do design organizacional."

Tais comentários tornaram-se comuns nas conversas "emocionais" sobre o retorno –ou não– ao escritório, disse Melanie Brucks, professora assistente da Escola de Administração de Columbia. Ela descreveu os planos das gigantes tecnológicas como dogmáticos e não científicos, com falta de transparência em torno do pensamento dos executivos.

"O que me impressionou é como parece arbitrário", disse Brucks, "sem realmente muita justificativa sobre por que eles acham que o trabalho exige estar no escritório ou não exige estar no escritório."

Independentemente disso, alguns executivos de tecnologia no Vale do Silício parecem prontos para seguir em frente. As tendências imobiliárias sugerem uma crença duradoura e até crescente no escritório físico, especialmente entre as empresas de tecnologia.

"Novos contratos de empresas de software, hardware e rede social levaram à recuperação do aluguel de escritórios no setor", disse o grupo imobiliário CBRE, observando que a quantidade total de escritórios alugados por empresas de tecnologia na área da Baía de São Francisco aumentou 31% em comparação com 2021, com "grandes inquilinos" tentando controlar prédios inteiros –embora em termos mais flexíveis que os anteriores.

"Os inquilinos podem pedir mais flexibilidade sobre quanto espaço eles têm, e não ter de se comprometer com prazos de 10 ou 15 anos", disse Colin Yasukochi, diretor executivo do Tech Insights Center da CBRE. "Ainda há muita incerteza sobre quanto espaço você precisa."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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