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Amizade entre ricos e pobres pode reduzir a pobreza, diz estudo

Pessoas que você conhece abrem oportunidades, e a divisão de classes nos Estados Unidos as fecha

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The New York Times

Nas últimas quatro décadas, as condições financeiras em que as crianças nasceram determinaram cada vez mais aonde elas chegaram quando adultas. Um novo e extenso estudo, no entanto, baseado em bilhões de conexões de redes sociais, descobriu uma poderosa exceção a esse padrão que ajuda a explicar por que certos lugares oferecem um caminho para sair da pobreza.

Para as crianças pobres, viver num lugar onde as pessoas têm mais amizades que superam as barreiras de classes sociais aumenta significativamente o quanto elas ganham na idade adulta, segundo a pesquisa.

O estudo, publicado na revista científica Nature, analisou as amizades no Facebook de 72 milhões de pessoas, o que representa 84% dos americanos com idades entre 25 e 44 anos.

Lawyer Jimarielle Bowie at her alma mater, Angelo Rodriguez High School, in Fairfield, Calif., on July 29, 2022. Bowie credits some of her success to the friendships she made in high school. (Marissa Leshnov/The New York Times)
A advogada Jimarielle Bowie ne Angelo Rodriguez High School, em Fairfield, Califórnia - Marissa Leshnov/The New York Times

Anteriormente, estava claro que alguns bairros eram muito melhores que outros para se vencer barreiras e subir na escada de renda, mas não estava claro por quê. A nova análise –a maior desse tipo já realizada– descobriu que o grau de ligação entre ricos e pobres, mais do que qualquer outro fator, explica por que as crianças de um bairro se saíram melhor na vida quando adultas.

O efeito é profundo. O estudo descobriu que quando crianças pobres cresciam em bairros onde 70% de seus amigos eram ricos –a taxa típica para crianças de renda mais alta– isso aumentava sua renda futura em 20%, em média.

As amizades entre classes sociais –que os pesquisadores chamaram de conectividade econômica– tiveram um impacto mais forte do que a qualidade do ensino, a estrutura familiar, a disponibilidade de emprego ou a composição racial de uma comunidade. As pessoas que você conhece, sugere o estudo, abrem oportunidades, e a crescente divisão de classes nos Estados Unidos as fecha.

"Crescer em uma comunidade com classes sociais conectadas entre si melhora os resultados das crianças e dá a elas uma chance maior de sair da pobreza", disse Raj Chetty, economista da Universidade Harvard e diretor da Opportunity Insights, que estuda as raízes da desigualdade e os fatores que contribuem para a mobilidade econômica.

Ele foi um dos quatro principais autores do estudo, juntamente com Johannes Stroebel e Theresa Kuchler, da Universidade de Nova York, e Matthew O. Jackson, da Universidade Stanford e do Instituto Santa Fe.

As conclusões mostram as limitações de muitas tentativas de aumentar a diversidade –como transporte escolar, zoneamento multifamiliar e ação afirmativa. Reunir as pessoas não é suficiente por si só para aumentar as oportunidades, sugere o estudo. Se elas formam relacionamentos é importante.

"As pessoas interessadas em gerar conectividade econômica também devem se concentrar em promover a interação entre pessoas com rendas diferentes", disse Stroebel.

Jimarielle Bowie nasceu em uma família de classe média baixa. Seus pais se divorciaram, perderam empregos e perderam lares. Então, quando ela fez amizade no ensino médio com garotas que moravam no lado rico da cidade, o estilo de vida delas a intrigou. Suas casas eram maiores; comiam alimentos diferentes; e seus pais –médicos, advogados e pastores– tinham objetivos e planos diferentes para seus filhos, incluindo faculdade.

"Minha mãe realmente incutiu em nós o trabalho duro –conhecendo nossa história familiar, você tem que ser melhor, você tem que fazer melhor", disse Bowie, 24, que atende por Mari. "Mas eu não sabia nada sobre o SAT [Teste de Aptidão Escolar], e os pais das minhas amigas as inscreveram nessa aula, então achei que devia fazer o mesmo. Pedi aos pais de amigas que analisassem minhas informações pessoais."

Bowie se tornou a primeira pessoa de sua família a obter um diploma de pós-graduação. Hoje ela é advogada criminalista –emprego que conseguiu com uma amiga de uma daquelas amigas do ensino médio.

"Minha experiência de conhecer pessoas mais ricas me fez entrar nesses círculos, entender como essas pessoas pensam", disse. "Absolutamente acho que isso fez uma diferença significativa."

O "capital social", a rede de relacionamentos das pessoas e como elas são influenciadas por elas, há muito intriga os cientistas sociais. O primeiro uso conhecido da expressão foi em 1916, por L. J. Hanifan, um administrador escolar na Virgínia Ocidental. Desde então, pesquisadores descobriram que as ligações com pessoas mais instruídas ou ricas, começando na infância, podem moldar aspirações, a instrução superior e carreiras profissionais.

Mas o novo estudo –que usou um conjunto de dados significativamente maior que outros, abrangendo 21 bilhões de amizades no Facebook– é o primeiro a mostrar que morar num lugar que promove essas conexões gera melhores resultados econômicos.

Os pesquisadores descobriram que quanto mais conexões entre ricos e pobres havia em um bairro, melhor para tirar as crianças da pobreza. Depois de contabilizar essas conexões, outras características que os pesquisadores analisaram –incluindo a composição racial do bairro, o nível de pobreza e a qualidade do ensino– importaram menos, ou nada, para a mobilidade social ascendente.

"É muito importante, porque acho que o que falta nos Estados Unidos hoje, e o que vem caindo catastroficamente nos últimos 50 anos, é o que chamo de 'capital social de ponte' –laços informais que nos levam a pessoas que são diferentes de nós", disse Robert Putnam, cientista político de Harvard que escreveu "Bowling Alone" (ed. Simon & Schuster, R$ 116,98) e "Our Kids" (ed. Simon & Schuster, R$ 84,47), sobre o declínio do capital social nos Estados Unidos.

"Fornece uma série de vias ou dicas pelas quais podemos começar a mover este país numa direção melhor."

Outros tipos de capital social também são relevantes, como taxas de voluntariado em uma comunidade e amizades com pessoas de origens semelhantes. No entanto, o estudo mostra que, mesmo em lugares onde não há outros tipos de capital social, um aumento nas relações entre classes é suficiente para beneficiar as perspectivas econômicas das crianças.

É esse tipo de capital social que diminuiu à medida que o país se tornou mais segregado por classe. Nas últimas décadas, as pessoas tenderam mais a viver em bairros e frequentar escolas com pessoas de posição econômica semelhante –comportamento que, segundo cientistas sociais, é motivado pela ansiedade sobre descer na escala de renda em uma era de crescente desigualdade.

A análise não mediu diretamente o papel da raça, que não foi fornecido nos dados do Facebook. Embora existam técnicas que os pesquisadores usam para adivinhar a raça, os autores do novo estudo não as usaram. Mas em lugares com maior diversidade racial o estudo encontrou menos relacionamentos entre classes.

'Cultura de sucesso'

Os pesquisadores se concentraram em escolas do ensino médio, um dos poucos ambientes onde pessoas de todas as classes fazem amigos em taxas semelhantes, e um lugar onde as pessoas formam amizades para a vida toda, antes de começarem a tomar decisões que podem determinar suas trajetórias econômicas.

A Escola Secundária Angelo Rodriguez, em Fairfield, na Califórnia, que Mari Bowie frequentou, tinha mais amizades entre classes do que a média das grandes escolas públicas do ensino médio.

A meio caminho entre Sacramento e San Francisco, Fairfield é uma área incomumente diversificada, racial e economicamente, e três quartos dos estudantes da escola Rodriguez, de cerca de 2.000, são não brancos. A escola, inaugurada em 2001, tinha uma área de captação em forma de C invertido, atraindo alunos de bairros distantes da cidade –e foi assim que Bowie acabou indo estudar numa área mais rica. Também permite que alguns alunos de fora da região participem.

Em geral, escolas maiores e mais diversificadas –tanto econômica quanto racialmente– têm uma parcela menor de conexões entre classes. Pode ser mais difícil fazer amigos em grandes grupos, e há maior probabilidade de se juntar com pessoas de origens semelhantes. Mas a escola Rodriguez propiciou amizades entre classes tanto de maneiras planejadas quanto imprevistas.

"Na ‘Rod’ você fica amigo de todo mundo", disse Bowie. "Literalmente é isso que essa escola faz."

Uma coisa que pode ter ajudado foi o projeto do campus da escola, com um calçadão em torno de uma biblioteca central, palco ao ar livre e quadra. Isso foi deliberado, disse John Diffenderfer, presidente da Aedis Architects, que projetou o campus: "As interações não estruturadas acidentais entre os alunos eram uma prioridade muito alta".

A Escola Rodriguez tem um horário em bloco [aulas mais longas e concentradas] em que as classes se reúnem por duas horas, em dias alternados. Isso cria grupos pequenos e diversos que passam mais tempo juntos. Quando grandes instituições fazem isso, ajudam a promover amizades entre classes sociais, segundo a pesquisa. Separar os alunos com base no desempenho acadêmico, por meio de programas de bacharelado internacional ou de superdotados, tem o efeito oposto.

Atividades extracurriculares e clubes de interesse também são importantes para reunir estudantes de diferentes origens, disse Catie Coniconde, conselheira escolar da Rodriguez que se formou na escola em 2006. Metade dos alunos estão inscritos nelas.

"Os garotos são identificados por suas atividades extracurriculares, mais do que por raça ou posição socioeconômica", disse. "Existem os atletas, os garotos da banda, os que se interessam por anime..."

Enquanto seguem interesses extracurriculares comuns, os alunos começam a compartilhar aspirações, disse Coniconde. Tirar uma boa nota no SAT e fazer uma faculdade de quatro anos são objetivos comuns na Rodriguez, disse. Os estudantes da parte mais rica da cidade geralmente chegam com esses objetivos, enquanto muitos alunos de famílias de baixa renda não os consideravam antes.

"Parecia exatamente uma cultura de sucesso", disse ela. "O impulso de quatro anos foi enorme na Rodriguez, e ainda é até hoje."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Claire Cain Muller , Josh Katz , Francesca Paris e Aatish Bhatia
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