Descrição de chapéu

Lula 3 fala do Brasil do Amanhã mas quer repetir até os erros de Lula 2

Plano econômico imita objetivos de governos petistas, sem mostrar como fazer melhor e não estourar dívida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vinicius Torres Freire

Colunista da Folha

Um governo Lula 3 seria muito parecido com Lula 2. Talvez até com Dilma 1. É o que fica da leitura da "Carta para o Brasil do Amanhã", um programa sintético de governo divulgado nesta quinta-feira (27) pela candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por fora, pelos nomes e intenções genéricas descritas na "Carta", os programas são quase idênticos aos dos governos petistas —"por fora, bela viola". Por dentro, não se sabe se é o caso de pão bolorento.

Vários desses programas deram errado ou são agora (ainda mais) insustentáveis. Os casos mais graves foram os subsídios para empresas, de criação de indústrias nacionais que produziriam bens para substituir importações e a atuação de BNDES e Petrobras. Vários deles terminaram em desastre.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante atendimento à imprensa na segunda (24), em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Sim, é possível estabelecer os mesmos objetivos da "Carta" de Lula mudando métodos e a depender de tamanho e do prazo em que se quer atingir o resultado. Não é possível saber se será assim. A "Carta" de Lula não dá pistas do que seria novo. Apenas sugere o velho

Do assunto mais urgente e difícil, déficit e dívida públicos, que vão decidir o destino de um eventual Lula 3, mal se fala. Os leitores mais interessados dessa "Carta" serão os credores do governo, entre outros grupos de "o mercado". A reação será de tédio e expectativa ("falando sério, o que vão mesmo fazer?") ou de preocupação, irritação ou deboche (à direita). Com quem Lula estaria querendo conversar? É só um "saludo a la bandera" de esquerda? Não deu para entender.

Subsídio é uma palavra central no programa Lula 3, embora não seja lá citada nenhuma vez.

Haveria juro "adequado" para o Empreende Brasil (micro, pequenas e médias empresas), para empresa inovadoras ou comprometidas com causas ambientais e sociais. Quer dizer, taxas de juros menores que as de mercado (com subsídio via banco estatal ou direto, via Tesouro Nacional).

O Minha Casa Minha Vida (MCMV) seria retomado, o que pode ser bom, se for consertado o desastre urbanístico que era. Mas o MCMV tinha muito subsídio.

Mais preocupante, por ora, foi ler que BNDES e Petrobras terão "papel fundamental neste ciclo", nesse programa econômico de Lula.

É possível recorrer ao BNDES para incentivar tais e quais diretrizes de crescimento, de modos diversos. Em vez de conceder crédito baratinho (subsídio, gasto público indireto), o bancão estatal de desenvolvimento pode incentivar e garantir operações (dar um empurrão ao crédito privado).

Sob Lula 1 e Dilma 2, o BNDES serviu muita vez, e à larga, para baratear o custo de capital da grande empresa, para fusões, aquisições e formação de oligopólios. O "desenvolvimentismo" jamais foi de esquerda.

Mas retoma-se a ideia de política industrial como se não tivesse havido fracassos e desastres. Lula quer que empresas nacionais produzam equipamento médico, fertilizante, diesel, gasolina, chips, aviões e plataformas de petróleo (um dos planos mais desastrosos de Dilma 1). Vai usar de novo a Petrobras como uma espécie de banco desenvolvimentista?

Pode haver políticas inteligentes de incentivo e direcionamento da economia. Se faz e se fez tal coisa em qualquer variante de economia de mercado rica. Mas qual é a ideia? Dar dinheiro para empresa grande produzir bens ruins de modo ineficiente, bancadas por dinheiro de impostos? De novo?

De mais novo, Lula propõe uma Nova Lei Trabalhista, a ser elaborada por governo, trabalhadores e empresas. Muito bem. Resta ainda uma CLT envelhecida e amputada, com um enxerto da reforma de Michel Temer, que quase arruinou a organização trabalhista, não colocou nada no lugar e não lidou, quanto a isso, com os novos trabalhos, os precários em particular.

Lula propõe ainda um plano econômico-ambiental-tecnológico de transição verde e um Programa de Recuperação de Pastagens Degradadas, o que pode ser dar em um bom ganho de eficiência. Tem como metas o desmatamento zero na Amazônia e a emissão zero de gases de efeito estufa na produção de energia elétrica (adeus, termelétricas? Hidrelétricas monstro? Como vai ser?).

Propõe o Desenrola Brasil, a renegociação de dívidas de famílias inadimplentes, com desconto do principal e redução de juros. É uma ideia que pode ser desenvolvida. Mas implica subsídios (o governo bancaria parte da conta), que não iriam necessariamente para os mais pobres.

O Novo Bolsa Família vai pagar R$ 600 por mês (assunto dramático e prioritário para o qual não há dinheiro previsto ainda) e mais R$ 150 por criança menor de 6 anos. O salário mínimo terá aumento real, acima da inflação, o que, por tabela, elevaria a despesa da Previdência, do INSS em geral.

Além de gastar em tanto subsídio e aumentar o gasto, Lula diz que vai abrir mão de receitas. Quer zerar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês, bilhões para a pequena classe média. Não vai cobrar mais impostos? Nem de ricos? Vai financiar o gasto com muito mais dívida (o que dá mais dinheiro para rico)?

Lula diz que vai elaborar um plano urgente de retomada de obras paradas e prioritárias, com os governadores. Pode ser, se der um jeito de juntar investimento privado com investimento estadual; de aumentar o investimento federal aos poucos. Por ora, não há fundos no Orçamento nem haverá tão cedo.

É possível conseguir uma "licença para gastar" mais em 2023, desde que exista um plano crível de contenção da dívida. Um plano crível funcionaria melhor se uma reforma tributária grande fosse aprovada —este assunto merece apenas meia linha, como se fosse um apêndice menor. Reforma do setor público? Nada a declarar.

Se Lula fizer tudo isso que promete, porém, a dívida vai dar um salto, os juros irão à Lua e o governo começará a naufragar. Pior ainda se não houver o tal "plano crível" para déficit e dívida. Sobre este assunto, se diz apenas que haverá "metas plurianuais", responsáveis e previsíveis, mas "compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação".

Não quer dizer nada ou quer dizer que haverá crescimento grande da dívida e paciência, "aceitem". Se for verdade, isso vai dar certo apenas com a ajuda dos céus.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.