As previsões de inflação estavam erradas no ano passado. Devemos acreditar agora?

Os economistas calcularam mal a persistência da inflação. O ano que vem pode ser melhor, mas há muito espaço para a humildade.

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Jeanna Smialek
The New York Times

Nesta altura do ano passado, os economistas previam que a inflação dos Estados Unidos desapareceria rapidamente em 2022, com a solução dos problemas nas cadeias de suprimentos, a virada dos gastos dos consumidores na direção dos serviços, em lugar de produtos, e a redução nos pagamentos de auxílio relacionados à pandemia. Agora eles estão prevendo a mesma coisa para 2023, e invocam muitas das mesmas razões.

Mas, como sabem os consumidores, as previsões de uma grande queda na inflação este ano estavam erradas. Embora os aumentos de preços tenham começado a diminuir ligeiramente, eles ainda estão flutuando bem perto de seus níveis mais altos em quatro décadas. Os economistas esperam que os números novos anunciados na terça-feira demonstram que o Índice de Preços ao Consumidor subiu 7,1% no ano até novembro.

Consumidores em Nova York, em 25 de novembro - Mathias Wasik/The New York Times

Isso desperta a questão: será que os Estados Unidos devem acreditar nas novas previsões otimistas sobre a inflação?

"Há motivos melhores para acreditar que a inflação cairá, este ano, ante a situação do ano passado", disse Jason Furman, economista da Universidade Harvard, que recebeu com ceticismo as as previsões do ano passado de que haveria um retorno rápido à normalidade. Ainda assim, "se você decidir aceitar só as boas notícias e não levar em conta as más notícias que as contrabalançam, estará cometendo um erro".

Os economistas estão um pouco menos otimistas do que no ano passado

Os economistas acreditam que a inflação vá diminuir notavelmente nos próximos meses, mas, depois de um ano de expectativas frustradas, eles não estão apostando em um declínio tão drástico quanto aquele que anteviam em dezembro do ano passado.

O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, acompanha oficialmente o Índice de Despesas de Consumo Pessoal, que está vinculado ao indicador de preços ao consumidor. As autoridades observam com especial atenção uma versão do índice que ilustra as tendências de inflação subjacentes, eliminando a influência de preços voláteis como os dos alimentos e combustíveis —assim, essas previsões oferecem o melhor retrato do que os especialistas estão antecipando.

No ano passado, os economistas consultados em uma pesquisa da Bloomberg antecipavam que o chamado índice central viesse a cair para 2,5% até o final de 2022. Em vez disso, ele continua em torno dos 5%, o dobro do esperado.

Este ano, os analistas antecipam que a inflação vá cair para 3% até o final de 2023.

As previsões do Federal Reserve têm seguido um padrão semelhante. Em dezembro passado, os dirigentes do banco central esperavam que a inflação central fechasse 2022 em 2,7%. Suas projeções de setembro deste ano mostraram os aumentos de preços caindo para 3,1% até o final do ano que vem.

Representantes do Fed divulgarão um novo conjunto de previsões de inflação para 2023 na quarta-feira, depois da reunião de dezembro do comitê de política monetária da instituição.

As cadeias de suprimento estão se curando

Um motivo para acreditar que o muito aguardado, mas esquivo, abrandamento da inflação enfim acontecerá em 2023 se relaciona às cadeias de suprimento.

Nesta altura do ano passado, os economistas antecipavam que os obstáculos nos transportes e na indústria mundial seriam removidos em breve; os gastos dos consumidores se redirecionariam dos produtos para os serviços; e a combinação permitiria que a oferta e a procura voltassem ao equilíbrio, retardando os aumentos de preços de todo tipo, dos automóveis aos sofás. Isso vem acontecendo, mas apenas gradualmente. E o processo também levou mais tempo do que alguns economistas esperavam para se traduzir em preços ao consumidor mais baixos.

Mas a mudança aguardada está enfim chegando, embora com atraso. Depois de meses de trabalho para resolver os problemas das cadeias de suprimento, os consumidores agora estão começando a sentir os benefícios. Os preços dos carros usados começaram a cair significativamente em outubro, os preços dos móveis estão em queda e o vestuário está caindo de preço. A expectativa é de que quedas de custos semelhantes pesem sobre a inflação do ano que vem.

"É cedo demais para declarar que a inflação nos preços dos produtos foi derrotada, mas, se as tendências atuais continuarem, os preços dos bens deverão começar a exercer pressão de baixa sobre a inflação geral nos próximos meses", disse Jerome Powell, o chairman do Fed, em um discurso recente.

O Fed está trabalhando para desaquecer a demanda

Infelizmente, a moderação nos preços dos produtos, por si só, provavelmente não será capaz de reconduzir os Estados Unidos a uma taxa de inflação normal, porque os aumentos de preços dos serviços vêm se acelerando. Essa categoria —que abrange desde refeições até os alugueis mensais— foi responsável por metade da inflação nos preços ao consumidor em outubro, com base em uma análise da Bloomberg, ante menos de um terço no período um ano atrás.

Muitos tipos de inflação nos serviços estão intimamente ligados com o que está acontecendo no mercado de trabalho. Para empresas como salões de beleza, cadeias de restaurantes e escritórios de contabilidade, os salários dos funcionários são um dos maiores, se não o maior, custo operacional. Quando a mão de obra é escassa e os salários estão subindo rapidamente, se torna mais provável que as empresas aumentem seus preços para tentar cobrir os custos salariais mais pesados.

Isso significa que o desemprego muito baixo de hoje e o crescimento anormalmente rápido dos salários podem ajudar a manter os aumentos de preços em um ritmo mais alto do que o normal, mesmo que o mercado de trabalho não tenha sido um grande propulsor na explosão inicial da inflação.

É aí que as políticas do Fed podem se fazer sentir. As empresas só poderão cobrar mais se seus clientes forem capazes de —e estiverem dispostos a— pagar mais. O Fed pode bloquear essa reação em cadeia ao elevar as taxas de juros a fim de reduzir a demanda.

As autoridades monetárias aumentaram as taxas de juros de perto de zero no início de 2022 para quase 4%, e a expectativa é de que anunciem mais um aumento das taxas de juros esta semana. Essas mudanças tornaram mais caro pedir dinheiro emprestado para comprar uma casa, financiar uma grande compra ou expandir um negócio.

O crescimento dos alugueis está se moderando

Em pelo menos uma categoria de serviços, no entanto, uma desaceleração da inflação é uma aposta bastante segura em 2023: os aluguéis.

Os aumentos de aluguel levam tempo para causar efeito sobre os indicadores de inflação, porque os inquilinos existentes só começam a pagar mais quando seus aluguéis são reajustados. Isso significa que o aumento registrado em 2021 nos aluguéis novos vem lentamente se fazendo sentir nos números oficiais de preços, o que empurrou a inflação para cima durante todo o ano de 2022.

O preço de mercado dos aluguéis começou a esfriar ou mesmo a cair nos últimos meses, o que sugere que a alta dos aluguéis também deve começar a se moderar. A incerteza é quanto ao momento em que a desaceleração vai fazer efeito –alguns economistas acreditam que já no segundo trimestre—, e com que rapidez os aluguéis vão se desacelerar.

Mas restam grandes incógnitas

O desafio quanto a prever a inflação é que, embora seja possível fazer suposições sobre categorias específicas, como aluguéis, muitos fatores de inflação surgem de surpresa. As previsões em 2021 não tinham como adivinhar que a Rússia invadiria a Ucrânia no início de 2022, elevando drasticamente os preços dos alimentos e combustíveis.

Da mesma forma, é difícil adivinhar o que vai acontecer no cenário geopolítico, no próximo ano. Uma escalada do conflito na Europa poderia colocar pressão renovada sobre os preços do gás natural. O retorno dos consumidores chineses, depois de anos de lockdowns prolongados, poderia levar mais pessoas a competir pelos produtos disponíveis no mercado mundial.

E as coisas poderiam simplesmente levar mais tempo do que o esperado para voltar ao normal. Foi isso, em parte, o que aconteceu em 2022. Tanto o consumo quanto o mercado de trabalho superaram as expectativas, o que ajudou a manter a pressão sobre os preços.

"A economia era mais resiliente do que se esperava", disse Laura Rosner-Warburton, economista sênior da Macro Policy Perspectives. "Os problemas da cadeia de suprimentos duraram muito mais do que o esperado e se provaram difíceis de prever, tanto em seu percurso de alta quanto no de baixa".

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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