Fábrica da Pan dava doces para crianças e espalhava cheiro de chocolate na vizinhança

Empresa em São Caetano tem loja fechada desde a pandemia e fábrica parada

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São Paulo

O bairro de Santa Paula é hoje conhecido por ser uma das regiões mais nobres de São Caetano do Sul (SP) e de todo o ABC paulista. Mas até alguns anos atrás, quem percorresse suas ruas, em qualquer horário, sentiria cheiro de chocolate.

É o que relatam moradores vizinhos à fábrica da Chocolate Pan (sigla para Produtos Alimentícios Nacionais). Fundada na década de 1930, a empresa era uma das grandes fabricantes de doces do país até o final do século passado.

Quem viveu de perto os tempos mais prósperos da Pan relaciona sua decadência com as mudanças mais recentes pelas quais passaram São Caetano e principalmente o bairro onde a fábrica está localizada.

Poucos dias antes do Carnaval, a Pan, que estava em recuperação judicial desde 2021, entrou com um pedido de autofalência na Justiça. Ao longo dos últimos anos, a companhia fez muitas demissões, e a fábrica está em estado de abandono.

No último dia 27 de fevereiro, a 1ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo aceitou o pedido e decretou a falência da empresa. Na decisão, o juiz diz que, somadas as dívidas com todas as Fazendas (estadual, municipal e federal), a fábrica deve R$ 244,8 milhões.

Fachada da entrada usada por veículos na fábrica da Chocolate Pan, em São Caetano do Sul (SP) - Danilo Verpa - 22.fev.2023/Folhapress

Mas é possível perceber que a história da Pan é muito presente na memória de seus vizinhos. Segundo a Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, o bairro de Santa Paula foi oficializado pela prefeitura em 1968. Mas a inauguração da fábrica da General Motors, em 1930, começou a levar o progresso para a região.

No entanto, as melhorias urbanas aconteceram muito lentamente. Helena Damianovici, 60, nasceu no bairro de Santa Paula. Ela lembra como era a região na sua infância.

"Meu pai chegou ao Brasil com 14 anos, fugindo da Segunda Guerra. Ele trabalhou na GM. Lembro que, na minha infância, havia ainda muitas ruas de terra, muitos casarões", conta Damianovici, que hoje trabalha como esteticista em um salão em frente à fábrica da Pan.

Ela viveu a fase em que a Pan distribuía chocolates para as crianças que passavam pela fábrica perto de datas festivas, como Páscoa e Natal. "Eu adorava o pão de mel, era uma delícia."

A presença da GM trouxe força econômica para o bairro e para a própria cidade. Mas Damianovici afirma que as lembranças afetivas estão ligadas à fábrica de doces. "O bairro cresceu muito em função da Pan também. Era uma atração, havia excursões escolares que vinham de vários lugares para conhecer a fábrica", conta.

A proprietária de outro comércio que fica ao lado da Pan, que prefere não ser identificada, diz que nos anos 1980, a fábrica trabalhava em três turnos e o bairro tinha movimento 24 horas por dia.

Ela conta que às sextas-feiras, os funcionários faziam um churrasco no seu estabelecimento após o fim do expediente. Segundo a comerciante, eles ficavam ali até as 22h, aproximadamente, e seguiam para suas casas, em outras cidades do ABC, ou até na capital.

Uma moradora antiga do bairro diz sentir falta do "cheirinho de chocolate" que saía da fábrica. Para ela, a principal preocupação é o destino que será dado ao terreno onde hoje está instalada a Pan. Ela diz que o bairro já tem muitos prédios, e que o ideal seria construir um parque no terreno.

Início impactante

Se para a maioria das pessoas com mais de 40 anos a grande lembrança relacionada à Pan são os cigarrinhos de chocolate, para quem vivia em São Paulo na década de 1930 a marca está relacionada ao anúncio impactante da inauguração.

Como conta a própria empresa em sua página na internet, um anúncio feito em um jornal de grande circulação na época chamava para o lançamento de um foguete que seria lançado para a lua, em 12 de dezembro de 1935.

Como o anúncio não especificava o local de lançamento, uma multidão se reuniu no Campo de Marte, aeroporto localizado na zona norte de São Paulo. Mas nada aconteceu. "No dia seguinte, foi noticiado que o foguete representava os produtos da Pan que estavam chegando ao mercado", conta a empresa.

O cigarrinho de chocolate foi um dos primeiros produtos fabricados pela Pan, juntamente com as balas Paulistinha e barras de chocolate nas formas de quadrado, peixe e charuto.

Segundo relato de Carlos Alberto de Oliveira na revista Raízes, da Fundação Pró-Memória de São Caetano, os engenheiros Aldo Aliberti e Oswaldo Falchero, que eram cunhados, compraram um terreno baldio de 4 mil metros quadrados, sem qualquer estrutura, para levantar a fábrica.

A Pan começou uma produção mais industrial em 1936, e segundo o relato de Oliveira, os trabalhadores eram, em sua maioria, imigrantes espanhóis moradores das redondezas da fábrica.

Oliveira conta que, em 1976, a Pan atingiu a capacidade de produzir 7 toneladas de doces por dia. Com a reformulação das embalagens, a fábrica chegou a vender mais de 3.000 caixas de bombons por dia. A empresa foi líder em faturamento no mercado brasileiro até 1984.

O começo do fim

Outro vizinho da fábrica da Pan, que está no bairro há 12 anos, conta que a empresa já vinha dando sinais de decadência muito antes da recuperação judicial.

Segundo este morador, mesmo antes da pandemia, já era possível notar que o movimento na fábrica não era grande. Ele afirma que a loja da Pan, que fica ao lado da entrada principal da fábrica, fechou no início da pandemia, e não abriu mais.

A loja se encontra completamente esvaziada, somente com mesas e cadeiras de plástico empilhadas, além de alguns outros itens.

Segundo este morador, o movimento da fábrica foi diminuindo gradativamente, antes de parar completamente, há cerca de um ano.

Em visita ao local na última quarta-feira (22), foi possível verificar a chegada de poucos funcionários. Não havia qualquer sinal de produção na fábrica, e era visível, mesmo de fora, o aspecto de abandono das instalações. Segundo a decisão judicial que decretou a falência da Pan, a empresa ainda tem 52 funcionários diretos.

Para Helena Damianovici, a mudança recente de perfil do bairro, e os altos impostos cobrados pela Prefeitura de São Caetano contribuíram para a decadência da Pan.

"Eu conheço pessoas que moravam em Perdizes, Moema, bairros nobres de São Paulo, que se mudaram para cá. Apesar de ser caro para os padrões de São Caetano, ainda é mais barato que morar na capital. No caso da Pan, os impostos muito altos atrapalharam, sem dúvida."

Outro morador confirma que os impostos na região aumentaram muito nos últimos anos, tornando o bairro um dos mais caros do ABC.

Os moradores descrevem São Caetano como uma "cidade dormitório" atualmente. Para Damianovici, esta relação mais distante e a mudança de perfil do próprio bairro contribuíram para esfriar a relação entre a fábrica de doces e a população.

Para a comerciante que fica ao lado da fábrica, a decadência da fábrica não faz tanta diferença. Ela diz que sentiu uma queda no movimento por um tempo, mas que a construção de novos prédios e condomínios compensou rapidamente a falta da Pan.

A Prefeitura de São Caetano foi procurada para comentar as alegações dos moradores do bairro de Santa Paula, mas não respondeu até a publicação deste texto. A Pan foi procurada e também não se manifestou.

O que é autofalência?

O capítulo mais recente da história da Pan é o pedido de autofalência, feito no dia 13 de fevereiro. Thomaz Santana, sócio do escritório PGLaw, explica que o instrumento significa que a empresa declara não ter mais condições de continuar operando.

"A falência pode ser pedida por um credor, por um sócio da empresa e pela própria companhia. E este último é o caso da Pan", afirma Santana.

Com a falência decretada, a administradora judicial dará início ao encerramento definitivo da fábrica. As instalações são lacradas e os ativos são vendidos. O dinheiro arrecadado é usado para pagar os credores.

Esta distribuição segue uma ordem muito parecida com a recuperação judicial. Trabalhadores, micro e pequenos empresários têm prioridade no recebimento, nesta ordem. Depois, são atendidos os credores que não possuem garantia real, como bancos e fornecedores. Os débitos tributários vêm em quarto na lista de prioridades.

Segundo informações de fontes com conhecimento sobre a situação da Pan, a dívida com a prefeitura ultrapassa os R$ 8 milhões. O débito mais antigo é de 2010.

Ainda segundo esta fonte, a Pan não aderiu a um programa de parcelamento lançado pela Prefeitura de São Caetano em 2017, e que é reaberto anualmente. O programa dá 100% de desconto na multa e nos juros que incidem sobre o débito original.

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