Novo arcabouço é difícil de cumprir, diz Henrique Meirelles

Para ex-ministro da Fazenda, ajuste pelo lado da receita torna complicado alcançar resultado primário prometido

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Brasília

Mais flexível, porém mais difícil de cumprir. É assim que Henrique Meirelles define a nova regra fiscal enviada ao Congresso pela equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ex-presidente do Banco Central em dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ex-ministro da Fazenda de Michel Temer (MDB), cuja gestão elaborou o teto de gastos, Meirelles considera um desafio cumprir o pilar da proposta: fazer o ajuste com aumento de receita, e não com corte de gasto.

O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles; nova regra exige aumento de receita muito elevado - Vanessa Carvalho/Lide

"As normas clássicas de ajuste fiscal no Brasil e internacionais dizem que o governo faz ajuste fiscal pela despesa, sem depender de receita. Despesa, o governo controla, receita, não", afirma, em entrevista à Folha.

"Fazendo as contas, com o que tem hoje, não chega lá onde dizem. É necessário um aumento de receita de R$ 150 bilhões. Essa complementação com receita é necessária. Ela é possível? Vamos ter de ver", diz.

Qual a sua avaliação sobre a nova regra fiscal, agora que o texto foi para o Congresso? A regra tem muitos detalhes sobre despesas que entram e não entram, muitas regrinhas, o que é normal. Objetivamente, é uma regra positiva no sentido de controlar a despesa. Temos de apoiar a intenção de conter despesas. Mas não há discussão de que é mais flexível.

Em que aspecto? Numa comparação, a regra do teto é mais simples, direta e dura. A despesa simplesmente segue a inflação, e ponto. Não tem mínimo, não depende de fatores flexíveis. A despesa não pode passar de um determinado ponto.

Essa regra propõe aumento de despesa de 0,6% até 2,5% acima da inflação, ou seja, é mais do que a inflação. O teto não tinha piso. Essa regra tem.

E ela não é o suficiente para atingir as metas de primário que foram anunciadas pelo ministro [Fernando Haddad].

Por quê? Fazendo as contas, com o que tem hoje, não chega lá onde dizem. É necessário um aumento de receita de R$ 150 bilhões. Essa complementação com receita é necessária. Ela é possível? Vamos ter de ver.

O sr. considera difícil? As normas clássicas de ajuste fiscal no Brasil e internacionais dizem que o governo faz ajuste fiscal pela despesa, sem depender de receita. Despesa, o governo controla, receita, não. Receita depende de crescimento econômico e de uma série de outros fatores imprevisíveis.

Ele [Haddad] começou a falar em algumas medidas, como o fim das compras entre pessoas físicas, pela internet, abaixo de US$ 50. A medida foi, aí ficou no "cancela, não cancela" e teve reação até na popularidade do presidente.

Agora está falando em redução de benefícios fiscais. Está bom. Em tese, é melhor reduzir benefício fiscal do que aumentar impostos. O problema é que, para reduzir benefício, precisa avaliar questões como a competitividade da indústria afetada, porque a tributação local é muito elevada comparada com a de muitos países.

Então, no momento em que você começa a reduzir benefício, na prática, aumenta imposto, e pode afetar a competitividade de diversos setores industriais brasileiros Isso tudo mostra a dificuldade de você depender de aumento de receita.

Mas o sr. não disse se considera factível.Em tese, tudo é factível, mas precisa ver os custos. Qual, afinal, será a consequência.


RAIO-X

Henrique Meirelles, 77

Formado em engenharia civil pela USP, com MBA em Administração na UFRJ e Advanced Management Program na Harvard Business School, além de doutor (título honorário) pelo Bryant College. Atuou no BankBoston durante 28 anos, onde chegou à presidência global nos EUA; eleito deputado federal por Goiás em 2002; presidente do Banco Central do Brasil (2003-2011); presidente da Autoridade Pública Olímpica (2011-2015); ministro da Fazenda (2016-2018) e secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo (2019-2022).

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