Casos de trabalho infantil crescem nos EUA; estados relaxam leis

Empresas se aproveitam de aumento de imigrantes menores de idade, dizem especialistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Em um restaurante do McDonald’s em Louisville, cidade mais populosa do estado americano de Kentucky, duas crianças de 10 anos trabalhavam servindo clientes até as 2h da manhã. Elas preparavam e serviam os pedidos, limpavam o salão, atendiam os motoristas pela janela do drive-thru e cuidavam do caixa. Uma delas operava uma fritadeira de imersão. Tudo isso sem receber salário.

O caso veio a público no começo do mês, em meio a uma batida do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, que flagrou 305 crianças e adolescentes trabalhando em violações às leis americanas em 62 lojas do McDonald’s.

O episódio chamou a atenção pela quantidade e idade das crianças, mas não é exceção nos Estados Unidos, onde o número de ocorrências do tipo cresce ano a ano. Dados do Departamento de Trabalho apontam que 3.876 menores foram encontrados nessa situação no ano fiscal de 2022 (que contempla de setembro do ano anterior até outubro).

O número é ínfimo se comparado ao do Brasil, que pode ter mais de 5,6 milhões de crianças entre 7 e 14 anos trabalhando, segundo estudo publicado no ano passado. Mesmo assim, mostra o aumento constante do problema: o número americano é o maior em uma década e quase três vezes o que o país registrou em 2013.

A operação do Departamento de Trabalho que veio a público em 2 de maio mirou três franquias do McDonald’s que operam em quatro estados, Kentucky, Indiana, Maryland e Ohio. Em comum, os menores de idade flagrados trabalhavam por mais horas do que o permitido pelas legislações locais. No total, as multas aplicadas somaram US$ 212,5 mil (R$ 1 bilhão).

A franquia de Louisville onde as crianças trabalhavam sem salário, Bauer Food LLC, disse que elas não eram empregadas, mas filhas de funcionários que não deveriam estar no local. Procurado, o McDonald’s não respondeu à reportagem.

Esta não foi nem a primeira vez que restaurantes da empresa foram flagrados em trabalhos do tipo recentemente. Em dezembro do ano passado, o Departamento de Trabalho multou uma franquia da marca na Pensilvânia que empregava 101 menores de idade em desacordo com as leis trabalhistas em 13 lojas diferentes da rede. A franquia foi multada em US$ 57,3 mil (R$ 286 mil).

A socióloga Silvia Pedraza, professora da Universidade de Michigan, explica que uma das razões para o aumento de crianças e adolescentes trabalhando pode ser a explosão de imigração recente nos Estados Unidos, com aumento de menores de idade chegando desacompanhados às fronteiras.

Casos de trabalho infantil crescem nos EUA enquanto estados afrouxam leis - Cheney Orr/Reuters

Dados do governo americano mostram que apenas no ano fiscal (outubro a setembro) de 2022, 153 mil menores de idade chegaram sozinhos, sem suas famílias, às fronteiras dos EUA.

Como aconteceu em outras ondas de imigração para o país, como no começo do século passado, as crianças e os adolescentes acabam se tornando uma fonte importante de renda para a família, diz Pedraza. "Estão muito vulneráveis e são exploradas de todas as formas, socialmente e economicamente", afirma.

Em fevereiro, uma empresa americana terceirizada da brasileira JBS foi multada em em US$ 1,5 milhão pelo uso de mão de obra infantil imigrante na limpeza de frigoríficos. A JBS informou que encerrou o contrato com a terceirizada de limpeza. O caso mobilizou o governo Joe Biden, que enviou carta às maiores empresas frigoríficas nos Estados Unidos cobrando padrões mais rígidos para coibir o trabalho infantil em terceirizadas.

Luis CdeBaca, que foi embaixador do Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas dos EUA durante o governo Barack Obama e hoje professor da Universidade do Michigan, afirma que aumento de menores trabalhando pode se explicar pelo aquecido mercado de trabalho americano, que tem registrado mínimos recordes na taxa de desemprego.

"Empregadores em diferentes setores, de empacotamento de carne em frigoríficos a fazendas, historicamente contaram com pessoas desesperadas por trabalho. Subitamente, essas pessoas têm outras opções que pagam melhor ou em áreas que não são consideradas sujas ou degradantes", diz ele. Quando a demanda por mão de obra barata encontra imigrantes sem documentos em busca de emprego, o negócio está feito.

Como quase tudo nos Estados Unidos de 2023, o tema se somou à polarização da sociedade americana e entrou na extensa pauta das "guerras culturais" que dividem liberais e conservadores no país. Nos últimos meses, os legislativos estaduais, a maioria republicanos, têm afrouxado as leis que restringem o trabalho de adolescentes. Ao menos 11 estados propuseram leis que afrouxasse essas regras, e em ao menos 5 deles os projetos já foram aprovados, quatro republicanos e um democrata, a maioria ampliando os limites de horas trabalhadas,

Diferentes fatores explicam isso, de acordo com os especialistas. O primeiro, uma pressão da indústria, com entidades patronais de setores como construção (interessadas em diminuir as restrições para trabalhos pesados) e bares e restaurantes (que procuram diminuir a limitação de adolescentes em locais que vendem álcool), segundo levantamento do Instituto de Política Econômica dos EUA.

Outro fator é cultural, explica CdeBaca. "É a ideia de deixar que os pais tenham a última palavra na criação dos filhos", diz ele, citando um movimento conservador em estados de maioria republicana que inclui a defesa do homeschooling, por exemplo. "Mas a realidade é que não são os filhos deles que estão sendo empregados, mas imigrantes menores de idade."

Ele cita o Meio Oeste americano, uma região com base agrícola forte sem o histórico de escravidão de estados do sul, onde crianças ajudam os pais em trabalhos em fazenda. "A diferença é que hoje há menos crianças brincando com cavalos, vacas e galinhas e mais crianças trabalhando para conglomerados como o McDonald’s".


Estados relaxam legislação sobre trabalho de adolescentes

Arkansas
Governadora: Republicana
Eliminou exigência de autorização do governo para empregar menores de 16 anos e de verificação da idade do adolescente

Iowa
Governadora: Republicana
Projeto aprovado no Parlamento que aguarda sanção da governadora permite trabalho em construção e demolição, retira necessidade de autorização dos pais para trabalhar em bares e amplia para 6 horas o período máximo de trabalho em dias de aula —com limite até as 21h em períodos escolares e as 23h nas férias

New Hampshire
Governador: Republicano
Diminuiu para 14 anos idade mínima para se trabalhar em locais que sirvam álcool e aumentou de 30 para 35 horas limite de horas trabalhadas por semana em período de aulas —nas férias, limite é de 48 horas

Nova Jersey
Governador: Democrata
Aumentou de 40 para 50 horas limite de trabalho no período de férias escolares e subiu de 5 para 6 horas o tempo máximo de trabalho antes que o adolescente tenha que fazer um intervalo

Ohio
Governador: Republicano
Projeto aprovado no Parlamento estende para as 21h limite de horário de trabalho para menores de 15 anos durante o período de aulas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.