Mudanças feitas por relator do arcabouço dividem economistas; entenda

'Pai do teto' vê gatilhos fracos; professor da Unicamp critica perda de caráter anticíclico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

As mudanças feitas pelo relator do novo arcabouço fiscal, Cláudio Cajado (PP-BA), na proposta do governo dividem especialistas ouvidos pela Folha. Por um lado, comemora-se a inclusão de travas, mas parte dos analistas diz considerá-las frouxas demais.

O relator apresentou o parecer na segunda-feira (15). As principais mudanças feitas em relação ao primeiro texto foram a redução da lista de despesas que fogem da regra e a criação dos gatilhos —como a proibição de reajuste para servidores e a realização de concursos públicos.

De blusa preta e camisa social azul clara, o relator, deputado do arcabouço na Câmara, Cláudio Cajado; ele tem cabelos escuros, não usa barba, está sentado e com as mãos fechadas
O relator, deputado do arcabouço na Câmara, Cláudio Cajado - Pedro Ladeira - 4.mai.23/Folhapress

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, o saldo do projeto é positivo. Ele avalia que o relator aprimorou o texto original, sobretudo ao vincular o eventual rompimento da meta de resultado primário a uma série de medidas de ajuste já previstas no artigo 167-A da Constituição, ocasionando contenções de gastos obrigatórios.

"Também gostei da obrigação à explicitação de uma trajetória de dívida bruta para dez anos na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], compatível com as metas de resultado primário fixadas. A parte mais frágil é a fixação de um crescimento máximo de 2,5% real para a despesa em 2024. É um ponto de saída alto."

O ex-secretário da Fazenda do estado de São Paulo também considera que o efeito de retirada de exceções ao limite de despesas não deve ser significativo. "Para o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], por exemplo, foi trocar seis por meia dúzia. Ele vai agora integrar o próprio teto e, assim, tais despesas estarão sujeitas a ele. Nada muda matematicamente."

Um dos pais do teto de gastos —que será substituído com a aprovação do novo arcabouço—, o professor do Insper e colunista da Folha Marcos Mendes avalia que o projeto original do governo era um modelo em que a conta só fechava se a carga tributária aumentasse consideravelmente.

"Pouco mudou nesse desenho com o substitutivo, a vinculação de saúde e educação não poderia ser tratada agora, o aumento de salário mínimo e suas consequências estão isentos e o aumento da folha teria um instrumento para limitar isso com acionamento de gatilhos maior, em dois anos."

Mendes acrescenta que o texto permite ao Executivo não acionar o gatilho, ao argumentar que com um conjunto menor de restrições seria possível voltar à trajetória da meta. "Abre espaço para lero-lero", diz.

"O substitutivo dá alguns instrumentos de controle, para um governo que tem intenção de fazer ajuste fiscal, ao incluir pontos que estavam fora. Só que dá também muita margem para um governo que não queira fazer ajuste fiscal. No primeiro ano, os gatilhos são muito fracos, e o efeito é defasado."

Já o economista da Unicamp Pedro Paulo Zahluth Bastos avalia que as alterações do relator pioraram bastante o arcabouço, que já era muito restritivo. Segundo ele, o arcabouço já não tinha gordura e agora ficou muito difícil garantir o crescimento econômico.

"Ao reintroduzir a exigência de contingenciar despesas durante um ano, ele retira o aspecto anticíclico que o arcabouço tinha, a variação em torno da meta existia exatamente para o caso de um evento que produzisse queda forte da arrecadação."

Ele também considera que a mudança no pagamento do piso da enfermagem aperta o que estava deprimido. "As outras despesas vão ter de crescer muito abaixo de 70%. A estratégia do governo de mandar uma lei imaginando que ela seria piorada foi muito ruim. Já não tinha gordura e agora estão cortando na carne."

Em nota, a XP, por sua vez, avaliou que o projeto avança em determinados pontos, mas o saldo é neutro.

Apesar de manter o limite de despesas inicialmente proposto pelo governo, o substitutivo já determina que, para o ano de 2024, a correção dos limites se dará pelo máximo permitido pela regra (2,5%), independentemente da receita aferida pelo governo, diz o texto.

"Como mostramos em simulações, o primeiro ano era o que tinha maior chance de ter um crescimento menor em função da desaceleração da economia e da base de comparação relativamente alta em 2022."

A nota pondera que o substitutivo avançou ao introduzir, de forma gradual, para o primeiro e segundo ano de descumprimento da meta, os mecanismos que incluem a vedação ao aumento de salários de servidores, realização de concursos e elevação de despesas acima da inflação. "No entanto, o salário mínimo, que indexa praticamente um terço do Orçamento, acabou ficando de fora."

FMI defende atuação do BC nos juros e ampliação da base tributária

O FMI (Fundo Monetário Internacional) apoiou o governo nos seus planos de um novo arcabouço fiscal, a política monetária do do Banco Central e a ampliação da base tributária em nota divulgada nesta terça (16).

Técnicos do organismo internacional se reuniram na manhã desta terça com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para uma avaliação periódica que faz dos países-membros.

"Apoiamos fortemente o compromisso das autoridades em melhorar a posição fiscal brasileira. Reforçar o arcabouço fiscal, ampliar a base tributária e enfrentar a rigidez dos gastos apoiariam a sustentabilidade e a credibilidade e, ao mesmo tempo, proporcionariam flexibilidade, inclusive para atender novos gastos prioritários", disse, em nota, o FMI após o encontro.

No texto, o fundo também defende a política monetária do Banco Central, que foi atacado insistentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por manter os juros em 13,75% ao ano.

"A política monetária é consistente com a redução da inflação para a meta, em linha com o regime de metas para a inflação que tem servido bem ao Brasil", avaliou o FMI.

O organismo criticou, entretanto, a possibilidade de maior participação dos bancos públicos na economia. A situação "deve ser administrada com cuidado para mitigar os riscos para a sustentabilidade fiscal e a transmissão da política monetária", analisou.

Outro ponto destacado pelo FMI foi a reforma tributária. "A aprovação do projeto de reforma tributária das autoridades simplificaria consideravelmente o regime tributário e poderia aumentar o produto potencial", opinou.

Colaborou Lucas Marchesini, de Brasília


Veja ponto a ponto as principais mudanças:

OBRIGAÇÃO DE CONTINGENCIAR

  • Relator inseriu no texto a obrigação de o governo contingenciar despesas durante o ano, caso haja perspectiva de frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. A tarefa é exigida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o governo pretendia flexibilizar a norma por meio do novo arcabouço.

  • Relator inova ao propor que o contingenciamento das discricionárias deve ficar limitado a 25% de seu total.

INCLUSÃO DE GATILHOS DE AJUSTE

Caso as contas do governo apresentem resultado abaixo do limite inferior da meta, fica vedado:

  • Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa

  • Criação ou majoração de auxílios, vantagens e benefícios de qualquer natureza

  • Criação de despesa obrigatória

  • Medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a manutenção do poder de compra

  • Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento de dívidas que ampliem subsídios e subvenções

  • Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária

As medidas valem por um ano. Se no ano seguinte a meta for atingida, as sanções caem automaticamente.

O presidente da República pode propor ao Congresso a suspensão parcial ou maior gradação das vedações listadas acima, desde que demonstre que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para a correção do desvio.

Medidas de ajuste não se aplicam aos reajustes do salário mínimo definidas em lei de valorização do piso.

No segundo ano seguido de descumprimento, passa a ficar vedado também:

  • Aumentos e reajustes em geral na despesa com pessoal

  • Admissão ou contratação de pessoal, a não ser para repor vacâncias

  • Realização de concurso público, exceto para repor vacâncias

DIMINUIÇÃO DA LISTA DE EXCEÇÕES AO LIMITE DE DESPESAS

O que o relator tirou da lista de exceções proposta pelo governo (ou seja, itens passam a consumir espaço no limite de gastos):

  • Despesas com investimentos do Tesouro em empresas estatais não-financeiras

  • Repasses a estados e municípios para bancar o piso da enfermagem

  • Fundeb (fundo da educação básica)

  • Ajuda federal às forças de segurança do Distrito Federal por meio do FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal)

Como ficou a lista de exceções ao limite de gastos:

  1. Transferências constitucionais a estados e municípios a título de repartição tributária

  2. Créditos extraordinários, liberados em casos imprevisíveis e urgentes (como os decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública)

  3. Despesas custeadas com recursos de doações ou de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados em função de desastres

  4. Despesas das universidades e instituições federais, e das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais, quando custeadas com receitas próprias, de doações ou de convênios

  5. Despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes da Federação para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia

  6. Despesas com acordos de precatórios a serem pagos com desconto

  7. Operações de encontros de contas com precatórios

  8. Despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições

  9. Transferências legais a estados e municípios de recursos obtidos com concessão florestal

CÁLCULO DE RECEITAS

  • Adiciona à lista de exceções do cálculo das receitas os programas especiais de recuperação fiscal que sejam destinados a regularizar a situação de devedores e gerar recursos à União. Com isso, o governo não poderá usar esse tipo de recurso para expandir a receita e, em consequência, a despesa do ano seguinte.

  • Relator manteve de fora do cálculo das receitas os demais itens propostos pelo governo. São eles toda a arrecadação com concessões e permissões, dividendos e participações pagos por estatais, e ganhos com a exploração de recursos naturais (o que compreende principalmente royalties com petróleo) –além da conta com transferências constitucionais feitas a estados e municípios.

BÔNUS PARA INVESTIMENTOS

  • Passa a prever que apenas 70% do excesso de superávit poderá ser direcionado a investimentos. No projeto original, o excesso de arrecadação em relação à meta de primário poderia ser usado, de forma única, para bancar obras e outros investimentos sem afetar o limite de despesas. Haveria apenas um limite temporário, equivalente a R$ 25 bilhões (corrigido anualmente pela inflação), válido até 2028.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.