Descrição de chapéu Financial Times

Após repressão de Xi, pais ansiosos na China recorrem a mercado negro de professores particulares

Apesar da ameaça de multas, aulas particulares se multiplicam devido ao desejo dos pais de garantir o futuro de seus filhos

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Thomas Hale
Xangai | Financial Times

Com um caderno de contatos cheio de nomes de professores particulares e pais interessados em garantir as melhores oportunidades para seus filhos, a agente de aulas particulares Elaine está trabalhando sem parar, apesar de fechamentos repetidos, multas e repressão constante por parte do governo.

Dois anos depois de o governo começar a reprimir as empresas de educação para fins lucrativos, o movimento "está crescendo muito rapidamente", disse Elaine, que pediu para seu nome chinês não ser usado. "Já fomos delatados várias vezes. As autoridades foram informadas, mas o castigo foi muito leve.

"Mais e mais pais percebem que as aulas particulares de reforço ainda existem e que seus filhos vão ficar para trás se não fizerem essas aulas", disse a agente, que trabalha na cidade de Shenzhen, no sul da China.

Estudantes do ensino médio fazem exame de admissão no ensino superior na China, o gaokao, em Jining - 7.jun.2023/AFP

Em um ambiente educacional fortemente competitivo em que diplomas das melhores universidades podem ser imprescindíveis para o ingresso em indústrias que pagam bem, o governo de Xi Jinping vem procurando reduzir a vantagem garantida pelo poder aquisitivo.

Desde 2021 a chamada política chinesa de dupla redução vem procurando limitar os deveres de casa dos alunos e as aulas particulares fora do horário letivo. O ensino de disciplinas fundamentais do currículo, como chinês, inglês e matemática, fora da escola e para fins lucrativos, foi proibido por lei. Mas em cidades como Xangai, Shenzhen e Pequim, os pais dão um jeito.

A indústria chinesa de aulas particulares pagas, no passado ancorada por grandes empresas chinesas com ações listadas nas bolsas americanas, que empregavam centenas de milhares de pessoas e eram avaliadas em dezenas de bilhões de dólares, se fragmentou em um mercado negro no qual agentes e professores particulares negociam pessoalmente com os pais.

"As pessoas de classe média encontram soluções locais que são invisíveis para quem é de fora", comentou Julian Fisher, co-fundador da Venture Education, uma consultoria de inteligência de mercado sediada em Pequim. "É impossível dizer quais são as dimensões disso, porque ninguém mais comenta."

Este ano o governo já divulgou múltiplos avisos, incluindo um decreto do Conselho de Estado emitido em março, de que vai continuar a implementar a política. Nas grandes cidades, porém, não há a percepção de que os serviços de aula particular que o governo quer proibir sejam difíceis de acessar.

"Recentemente tenho achado que as coisas já voltaram a ser como antes", disse uma mãe de Xangai cujo filho está no ensino médio. "Mas as instituições são limitadas pelos regulamentos, então não estão mais presentes."

Segundo essa mãe, o governo reprimiu as aulas particulares em nome da igualdade de oportunidades para todos, mas, à medida que o mercado negro foi crescendo, está "pouco a pouco fazendo vista grossa".

Hoje os serviços de aula particular frequentemente são coordenados através de grupos no WeChat, a maior plataforma social da China. Os professores ensinam os alunos nas casas destes ou trabalham em locais que podem disfarçar sua atividade no caso de uma fiscalização.

"A demanda é enorme", comentou um professor de língua inglesa em Xangai. Ele diz que recebe cerca de Rmb400 (US$ 56) por hora de aula particular e que a prática geralmente se espalha quando ele vai dar aula a um aluno em casa em um prédio residencial.

"Se alguém vê você no elevador, pergunta ‘o que você está fazendo aqui?’. Você responde ‘dando aula particular’, e imediatamente já vem a pergunta: ‘O que você vai fazer semana que vem?’".

O professor também trabalha em um centro onde qualquer fiscal potencial "poderia enxergar claramente que é uma sala de aula", porque "todos nossos vistos estão afixados à parede".

"Isso é algo que sempre achei um pouco estranho", comentou o professor. "É ilegal, mas os centros estão tentando operar legalmente. Eu não fico perguntando demais."

O dono de uma instituição de aulas particulares na cidade de Hangzhou, no leste da China, disse que os professores às vezes alugam locais diferentes para trabalhar, para evitar ser flagrados. As aulas online também são muito procuradas.

O sigilo em torno das aulas particulares é tão grande que Fisher citou o exemplo de um pai poderoso em Pequim que deixa seu filho em um lugar diferente a cada vez para receber aulas. O adolescente então é levado a um terceiro local, sobre a qual nem ele nem seu pai haviam sido informados, para receber a aula.

Como a própria prática que a política do governo procura combater, as atitudes da população em relação a ela são difíceis de avaliar. Fisher sugeriu que os pais provavelmente concordam que a política é uma coisa boa, porque a situação anterior teria sido "insustentável". Desde que a política foi adotada, ele tem visto mais crianças brincando depois da escola em seu condomínio em Pequim.

A política adotada em 2021 ganhou atenção internacional porque acabou com as operações de grandes empresas, destacando a fragilidade do setor privado em um ambiente de forte controle centralizado.

Para o governo de Xi, o objetivo da repressão foi agradar ao público interno chinês. Mas, quando se trata de colocar a política em prática, nem sempre fica claro o que o governo realmente quer.

Em Shenzhen, Elaine não se preocupa com a fiscalização ocasional. "Os inspetores têm filhos", ela disse. "Às vezes, depois de virem nos inspecionar, eles voltam mais tarde para tentar encontrar um professor particular."

Tradução de Clara Allain

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