'Estado raquítico', juro e polêmicas: relembre a passagem de Pochmann pelo Ipea

Economista comandou instituto de 2007 a 2012 e agora foi escolhido por Lula para presidir IBGE

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

A passagem do economista Marcio Pochmann pela presidência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) teve o registro de polêmicas, incluindo o afastamento de técnicos e a realização de um concurso visto como ideológico.

Os episódios foram relembrados nos últimos dias por uma ala de pesquisadores críticos à indicação de Pochmann para a presidência de outro órgão público, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a escolha do nome na semana passada.

Economista Marcio Pochmann participa de entrevista em 2018 - Eduardo Anizelli - 23.jul.2018/Folhapress

O economista atuou como presidente do Ipea de 2007 a 2012, quando a Presidência da República foi ocupada por Lula e Dilma Rousseff (PT).

Durante o período, Pochmann também deu declarações em defesa da ampliação do número de servidores no Brasil e do corte da taxa de juros, uma das bandeiras do atual governo Lula. Relembre os casos que ganharam repercussão à época.

Crítica a Estado ‘raquítico’

Ao tomar posse no Ipea, em agosto de 2007, Pochmann defendeu a contratação de mais servidores públicos e a redefinição do papel do Estado, que considerava "raquítico".

"O Estado é raquítico. O corpo de funcionários públicos representa 8% da população ocupada, na década de 80 eram 12%. Nos Estados Unidos, 18%, na Europa, 25%, na Escandinávia, 40%", disse à época.

Ele ainda argumentou que o Estado não estava preparado para o desenvolvimento no Brasil. Pochmann é visto como um economista desenvolvimentista, que enxerga no setor público um indutor do crescimento.

Saída de pesquisadores

Mais tarde, em novembro de 2007, o então presidente do Ipea passou por um dos momentos de maior turbulência da sua gestão.

O motivo foi o afastamento de quatro pesquisadores considerados não alinhados ao pensamento econômico do governo à época, já que eram críticos à aceleração dos gastos públicos. O instituto foi acusado de "expurgá-los".

Pochmann negou o suposto expurgo, indicando naquele mês que as dispensas haviam ocorrido por problemas administrativos.

Em outra entrevista, ainda em novembro de 2007, o economista afirmou que nunca havia ocorrido no Ipea "um momento com tanta liberdade para movimentação da inteligência nacional".

O governo Lula também saiu em defesa da gestão de Pochmann. O então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que não havia intenção de "amordaçar" o instituto.

Já a executiva do PT considerou que o presidente do Ipea estava sendo perseguido por setores do PSDB e do DEM –hoje União Brasil. A oposição, por sua vez, apontava a existência de uma espécie de "caça às bruxas" dentro do instituto.

Defesa do corte de juros

Quase um ano depois, em outubro de 2008, Pochmann defendeu o corte da taxa básica de juros pelo BC como forma de conter a desaceleração da economia brasileira em meio à crise financeira internacional.

A declaração ocorreu em um evento do Ipea um dia após o BC manter a Selic em 13,75% ao ano.

"Na nossa visão de ações voltadas para evitar maior desaceleração da atividade econômica, seria interessante que tivesse uma queda da taxa de juros real ou mesmo sua estabilidade com viés de baixa, e isso não ocorreu", afirmou.

Atualmente, a Selic também está em 13,75%. O presidente Lula e aliados vêm cobrando do BC uma redução da taxa como forma de impedir uma desaceleração mais intensa da economia nos próximos meses.

Em abril de 2008, um estudo divulgado pelo Ipea dizia que o aumento dos juros básicos poderia comprometer o crescimento sustentado da economia. A publicação causou controvérsia à época por ocorrer na semana da reunião do Copom.

Concurso público questionado

A passagem de Pochmann pelo Ipea teve outro momento de polêmica na reta final de 2008. Dessa vez, o motivo foi a realização de um concurso público que resultou em uma série de críticas ao instituto pelo suposto viés político-ideológico exigido dos candidatos a pesquisadores.

Um exemplo das questões contestadas no exame foi o seguinte: "o termo neoliberalismo designa uma corrente de organização de atividade econômica que capciosamente ecoa um movimento histórico com o qual em realidade e na prática não compartilha fundamentos e princípios". Conforme noticiado à época, a resposta no gabarito indicava "certo".

Após a repercussão do episódio, técnicos do Ipea chegaram a entregar um abaixo-assinado manifestando "perplexidade e desacordo" com os critérios adotados na elaboração das provas.

O Ipea, por sua vez, disse na ocasião que as críticas eram naturais. "Os concursos do instituto acabam sempre muito discutidos e comentados interna e externamente, pela dificuldade de suas provas e importância do Ipea para o Estado e a sociedade", afirmou o órgão em dezembro de 2008.

"A discussão principal hoje é que o Ipea tem como missão ajudar a elaborar um plano de desenvolvimento de longo prazo ao Brasil e quer trazer os melhores dos melhores", completou.

Indicação para IBGE

Críticos à escolha de Pochmann para o IBGE consideram que o economista ligado ao PT teria um perfil intervencionista demais para comandar o instituto responsável pela produção de estatísticas oficiais sobre o Brasil e os brasileiros.

Essa ideia é rebatida por defensores do economista. Na semana passada, um grupo de instituições acadêmicas publicou comunicados em apoio a Pochmann, elogiando seu currículo.

Uma das manifestações partiu da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde ele construiu trajetória como professor.

"Reiteramos aqui o respeito e o reconhecimento pela trajetória acadêmica e política de nosso colega e lamentamos profundamente as tentativas de desqualificação a que tem sido submetido nos últimos dias", apontou na sexta-feira (28) a nota assinada pela reitoria da Unicamp e pela direção do instituto de economia da universidade.

"A atribuição —leviana— de eventuais manipulações de estatísticas num futuro exercício do cargo é uma arma retórica que não costuma fazer parte desse tipo de discussão e se revela bastante inusitada", acrescentou o texto, que ainda desejou "sucesso e excelente gestão" para Pochmann no IBGE.

A Folha tentou contato com o economista, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

A Assibge, entidade sindical que representa os servidores do IBGE, disse na quinta (27) que defende eleições para a presidência do órgão e que pautará essa demanda junto ao novo presidente do instituto.

O sindicato afirmou ainda que consultou a Afipea, entidade representante dos servidores do Ipea, sobre a passagem de Pochmann pelo instituto.

A avaliação, disse a Assibge, é que a gestão do economista "foi marcada pelo fortalecimento do Ipea, realizando concurso, ampliando as publicações e as linhas de atuação do instituto".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.