Apenas nos três primeiros meses deste ano, uma média de 677 motoristas foram flagrados por dia usando o celular enquanto dirigiam no Brasil, segundo o Ministério dos Transportes. O aumento de quase 30% na comparação com o mesmo período do ano passado é impulsionado pelo uso de aplicativos de mensagem como o WhatsApp.
O uso do celular ao volante já é a terceira maior causa de mortes no trânsito, segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego. O novo sistema de direção autônoma de nível três apresentado pela BMW nesta semana pode ajudar a melhorar este quadro.
A BMW utiliza a tecnologia LiDAR, conectando as informações de sensores frontais, laterais e traseiros com um radar de longa distância (até 300 metros), além de uma câmera na grade dianteira e outra na tampa traseira.
A combinação permite que o sistema capture com precisão o ambiente ao redor do carro, incluindo outros veículos e pedestres, e "leia" melhor as sinalizações no asfalto e em placas. A única exigência é que o condutor esteja sempre acordado e sentado na posição de guiar.
A Folha foi o único jornal do Brasil na apresentação oficial da direção autônoma nível três da BMW. A reportagem dirigiu um Série 7 equipado com o sistema dentro do novo centro de testes da marca alemã em Sokolov, na República Tcheca. Apesar de fechada ao trânsito da vida real, a área de 600 hectares conta com 25 quilômetros de réplicas fiéis de circuitos urbanos, rodovias expressas e interligações.
Basta acionar um botão no painel e o volante se retrai. O espaço extra já convida o motorista a ficar mais relaxado. Alertas sonoros e luminosos avisam que a inteligência artificial está no comando. O sistema controlou o carro com precisão e o manteve na faixa mesmo em curvas prolongadas.
O comando da aceleração e frenagem também foi afinado e ágil até quando outro veículo cortou a frente do carro do teste de forma repentina. Tratava-se de uma simulação organizada pelos pilotos da BMW, mas a dinâmica era idêntica ao encontrado no cotidiano de grandes cidades brasileiras.
Pode ser estranho sentir o carro acelerar e ver o volante mexer sozinho. É preciso resistir ao impulso de intervir com pés e mãos, o que faz o sistema desarmar. Mas bastam alguns minutos para perceber os benefícios.
Na metade do teste, a reportagem já havia respondido mensagens no WhatsApp, verificado e-mails e assistido o melhor da rodada do campeonato alemão em aplicativo disponível no console central.
A direção autônoma da BMW permaneceu no controle sem dificuldades, apesar das variações na condição de trânsito. Quando um obstáculo fixo surgiu no meio da pista, o sistema realizou uma frenagem total com segurança. Susto só para o repórter distraído com os gols da Bundesliga.
Uma câmera interna monitora os olhos do motorista. Se o sistema identificar sinais de cansaço, alertas sonoros e visuais (amarelo e, depois, vermelho) pedem que o condutor assuma o controle. Afinal, dormir ou passar para o banco de traseiro só é possível em carros de autonomia nível quatro.
Se o sistema não puder identificar as condições da estrada ou não souber como agir, o condutor também será reconvocado. Aplicativos de vídeo são automaticamente interrompidos, mas cabe ao motorista abandonar o celular (ou um livro, quem sabe). Os avisos oferecem um tempo razoável de preparação e a passagem é menos abrupta do que no Autopilot da Tesla.
O que acontece se o motorista não assumir o volante após o alerta vermelho? A reportagem resolveu desafiar o sistema, que não deixou por menos. O BMW se moveu sozinho para o acostamento e desligou. O mau comportamento também pode ser "punido" com um período de castigo em que o modo autônomo fica indisponível.
O sistema, porém, ainda virá com limitações impostas pelas autoridades de transporte. Como em outras marcas, o nível três da BMW só vai operar abaixo de 60 km/h e com carros à frente. Segundo a marca, o sistema tem capacidade para funcionar em altas velocidades, mas o trânsito carregado é o que os motoristas mais querem evitar e a condição ideal para que todos se acostumem com a tecnologia.
Recursos de nível dois, como o controle de velocidade adaptativo, continuarão disponíveis para altas velocidades e estradas livres, mas sempre com a exigência da mão no volante.
A BMW acaba de homologar o sistema de nível três na Alemanha e vai equipar modelos selecionados nos principais mercados europeus a partir do início do ano que vem. A marca corre atrás da rival Mercedes, que já oferece o nível três na Europa como opcional (a partir de 5.000 euros) e recebeu sinal verde na Califórnia.
"Demora porque cada fabricante precisa oferecer evidência de que o seu sistema é seguro para a autoridade de cada país. É uma bateria de testes", explica Thorsten Schmitt, que integra o time de desenvolvimento da BMW.
A BMW não tem uma data para o nível 3 no Brasil. Basta lembrar que o assistente de troca de faixa, considerado um "dois plus", ainda não está disponível no país. A Folha apurou com executivos de cinco fabricantes que entraves na legislação e diálogo difícil com agentes públicos atrasam a introdução da tecnologia, mais do que eventuais vias sem as condições ideais.
Permitir o uso de celular no modo autônomo dependerá de alterações no Código de Trânsito. A reportagem realizou o teste em circuito fechado. No Brasil, o uso do telefone ao volante é infração gravíssima punida com multa de R$ 293,47 e sete pontos na carteira.
Carro vai procurar vaga sozinho no shopping a partir de 2025
A discussão sobre tecnologias de direção autônoma quase sempre é centrada em situações de condução em centros urbanos ou na estrada. Mas e se fosse possível eliminar a chatice de passar 40 minutos procurando uma vaga no shopping? É o que a BMW pretende com o Automated Valet Parking. Ainda em fase de testes, a tecnologia vai permitir que o motorista desça na entrada do estacionamento. O sistema autônomo então assume o controle do carro, procura uma vaga e estaciona sozinho. O motorista também poderá solicitar o retorno autônomo do veículo a um ponto de embarque e desembarque por meio de um comando no celular.
Segundo Thorsten Schmitt, responsável pelo desenvolvimento do BMW Automated Valet Parking, existem três formas de implementação da tecnologia. A primeira é baseada na estrutura. Áreas do estacionamento recebem sensores e sinalizações que guiam o sistema de direção autônoma do carro. A capacidade de manobra, porém, é limitada e a iniciativa requer cooperação entre os diferentes fabricantes. Dois estacionamentos em Stuttgart, na Alemanha, já operam com uma área para autônomos – o do aeroporto e do museu da Mercedes. A marca prevê que o sistema esteja em 20 estacionamentos do país nos próximos meses.
A outra opção é baseada no veículo. Além do conjunto de sensores necessários, é preciso "ensinar" o sistema de direção autônoma a controlar o carro em diferentes tipos de estacionamentos e situações de manobra. "Neste caso, estamos falando de níveis quatro e cinco. Então, ainda há um caminho considerável a ser percorrido em termos de teste e aprovação pelas autoridades. Mas está mais perto do que se imagina", explica Schmitt. "É difícil prever, mas possivelmente em 2025 o Automated Valet já estará em alguns países", completa.
A terceira possibilidade explorada pela BMW é o estacionamento tele operado, desenvolvido em parceria com a Valeo. O carro é controlado pelo manobrista sem que ele saia do escritório através de um equipamento que mais parece um vídeo game. O princípio é o mesmo dos drones militares, que jogam bombas na Síria, mas são controlados por pilotos da Força Área americana a partir de uma sala no Estado de Nevada.
A Folha também testou o estacionamento tele operado. Manobristas acostumados com games recentes de carros vão tirar de letra. A reportagem patinou um pouco porque há um atraso entre os comandos e a aceleração real – ou talvez seja apenas a idade do repórter. São três telas que usam os sensores e câmeras do carro para oferecer visões área, frontal e traseira, o que facilita bem as manobras. O sistema também desenha linhas para indicar distâncias e a trajetória prevista conforme o esterço do volante.
Ainda não há previsão de implantação, o que é uma pena. Por segurança, o estacionamento tele operado não permite acelerar além de 10 km/h, um limitador que seria bem recebido em praticamente todos os serviços de valet do Brasil.
O carro que dirige sozinho
A direção autônoma é dividida pelos fabricantes de veículos em cinco níveis:
Nível 1 – Assistência ao condutor
Já disponíveis em diversos modelos no Brasil, os sistemas de nível controlam de forma limitada a aceleração ou a frenagem, mas não o mesmo tempo. Os principais exemplos são o controle de velocidade de cruzeiro (mantém uma velocidade programada), o limitador de velocidade (impede que o motorista acelere acima de uma velocidade específica), o assistente de manutenção de faixa (alertas sonoros e vibratórios nas escapadas) e sistemas que identificam obstáculos e realizam uma frenagem de emergência. Aqui o motorista está no comando o tempo todo e os sistema não interfere na direção.
Nível 2 – Automação parcial
Os sistemas de nível dois podem controlar simultaneamente aceleração, frenagem e direção. O controle de velocidade adaptativo mantém velocidade e distância do carro à frente conforme programado pelo motorista e um assistente de rodagem mais avançado corrige a trajetória para manter o carro na faixa. Ambos estão disponíveis no Brasil em modelos de preço médio e alto. Alguns fabricantes já oferecem o chamado nível dois plus, em que o carro muda de faixa sozinho quando o motorista aciona a seta, automatizando a ultrapassagem. Este recurso só está aprovado na Europa, EUA e Canadá. No nível dois, o motorista precisa estar com as mãos no volante e pronto para retomar o controle porque a automação é interrompida quando os sensores não identificam adequadamente o caminho.
Nível 3 – Mão livres
No nível três, o sistema assume o controle completo do veículo, mas em condições determinadas, como trânsito intenso e velocidade média para baixa. A condução é mais precisa e alertas para que o motorista retome o comando são menos frequentes e repentinos. As mãos no volante não são mais necessárias e é possível ler um livro ou assistir televisão. No entanto, o condutor precisa estar de olhos abertos e no seu banco (veja mais na reportagem).
Nível 4 – Tire um cochilo
Aqui o controle é total. O motorista apenas escolhe a rota no sistema de navegação e o carro realiza todo o percurso sozinho, se adaptando a qualquer condição de trânsito. O motorista pode dormir, sentar-se de costas para a estrada ou até mudar de banco. Em caso de emergência, o sistema adota protocolos de segurança que não necessitam intervenção humana e o veículo é estacionado.
Nível 5 – Black Mirror
O nível cinco parece saído de um episódio da série de TV "Black Mirror". Veículos vão funcionar sem o motorista mesmo em longa distâncias. Será possível desembarcar no destino e enviar o carro para uma estação de recarga ou fazer uma entrega do outro lado da cidade. Um comando no celular e o veículo retorna para buscar o motorista. O nível cinco requer comunicação e troca de dados entre os carros e dos carros com a infraestrutura das cidades e rodovias.
Fonte: BMW.
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