Descrição de chapéu Financial Times

Causa da queda da Bud Light vai além de reação a influencer trans

Preferência por cervejas artesanais e mexicanas também afetam vendas da marca

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Madeleine Speed Andrew Edgecliffe-Johnson Myles McCormick
Financial Times

No bar Sawyer Ice House, perto do centro de Houston, no Texas, na noite de quinta-feira (3), uma multidão chegou depois do trabalho para assistir ao time local de beisebol Astros enfrentar o New York Yankees. Enquanto o time da casa lutava para no fim perder por 3-4, canecas de Miller Lite e Shiner Bock fluíam livremente, mas a torneira da Bud Light foi deixada intocada.

"Na verdade, não a vendemos mais", disse Will, o barman. "As pessoas simplesmente não estão comprando."

Nos Estados Unidos, as vendas da Bud Light despencaram desde abril, após uma furiosa reação conservadora à colaboração da marca com a influencer trans do TikTok Dylan Mulvaney. Kid Rock, o astro do rap-rock, filmou a si mesmo atirando em caixas da cerveja. Ron DeSantis, o candidato presidencial republicano, disse aos clientes no bar de um posto dos Veteranos de Guerras Estrangeiras em Nevada que "serviria qualquer coisa, exceto Bud Light. Não posso fazer isso".

Em vídeo, influenciadora trans Dylan Mulvaney mostra no Instagram as latas de cerveja que recebeu com seu rosto estampado - Reprodução/dylanmulvaney no Instagram

Na quinta (3), a controladora Anheuser-Busch InBev revelou o prejuízo financeiro: o grupo com sede na Bélgica disse que suas receitas nos Estados Unidos caíram 10,5% no segundo trimestre.

Mas os ataques da guerra cultural não apenas abalaram a AB InBev, como também mudaram a sorte de rivais e aceleraram tendências que estão remodelando a indústria de cerveja nos Estados Unidos, avaliada em US$ 115 bilhões. A popularidade das cervejas artesanais, cervejas importadas e outras bebidas já estava corroendo o domínio da Bud em um momento de vendas lentas de cerveja em volume geral.

A Molson Coors, com sede em Chicago, disse esta semana que suas vendas nos Estados Unidos aumentaram 8,7% no segundo trimestre, com as suas marcas Coors Light e Miller Lite superando as da Bud Light em 50%. A cerveja mexicana Modelo Especial, distribuída nos Estados Unidos pela Constellation Brands, derrubou a Bud Light de sua posição de cerveja mais vendida do país em maio.

"Acreditávamos que nos próximos dois ou três anos teríamos ultrapassado a Bud Light", disse Jim Sabia, vice-presidente executivo da Constellation que supervisiona a cerveja. "Aconteceu mais rápido do que pensávamos."

A Modelo Especial não eclipsou a Bud Light porque seus consumidores estavam mudando para a Modelo, ele acrescentou; em vez disso, a empresa se beneficiou do espaço promocional e de varejo que a Bud Light deixou vazio.

A "questão de marketing" da Bud Light acelerou um declínio existente das cervejas domésticas no mercado de massa, ouviram analistas esta semana de Dan Fisher, executivo-chefe da Ball Corporation, que fabrica latas para a AB InBev e outras cervejarias.

O impacto de 8,5% nas vendas de latas dos EUA no último trimestre foi parte de uma história mais ampla de declínio, à medida que cervejas artesanais, importadas e outras bebidas invadiam a supremacia das grandes marcas.

Enquanto o volume de vendas de cerveja nos EUA encolheu 3% no ano passado, as cervejas artesanais se mantiveram estáveis e as importações cresceram 2,8%, de acordo com a Brewers Association, que representa cervejarias independentes e artesanais.

No último trimestre da Ball, as vendas subiram 11% para cerveja importada e 41% para drinques prontos para beber. Os destilados vêm ganhando mercado há 13 anos e ultrapassaram a cerveja em 2022, segundo o Distilled Spirits Council dos Estados Unidos.

"A indústria [de cerveja] dos EUA em 2023 foi mais fraca do que o esperado", disse a analistas Gavin Hattersley, executivo-chefe da Molson Coors. Embora outros fatores, incluindo clima desfavorável, tenham desempenhado um papel importante, "acreditamos que alguns dos maiores impulsionadores dessas tendências são opções de estilo de vida e alguns compradores mudando para outras categorias".

Relatando resultados provisórios esta semana, a segunda maior cervejaria do mundo, Heineken, disse que o volume de cerveja que vendeu nas Américas caiu 1,5% em relação ao ano passado, devido ao mercado "suave" nos EUA e no México, enquanto na Europa os volumes caíram 4,7%, o que, segundo a cervejaria, foi resultado do aumentos de preços.

A Bud Light tem enfrentado outro desafio: fica atrás tanto da Corona quanto da Modelo entre as cervejas preferidas pelos consumidores da Geração Z, revelou uma pesquisa da Cowen no ano passado. A promoção com Mulvaney seguiu uma decisão dos profissionais de marketing de que, depois de passar décadas anunciando-a para atrair homens jovens, seu apelo precisava ser ampliado.

A vice-presidente de marketing da Bud Light, Alissa Heinerscheid, que saiu de licença desde que a controvérsia estourou, explicou o caso de um marketing mais "verdadeiramente inclusivo" em um podcast em março. Ela disse que a marca estava em declínio "há muito tempo", suas campanhas eram conhecidas por "humor fraquinho e meio fora de sintonia" e, se não conseguisse atrair bebedores jovens, "não haveria futuro para a Bud Light".

Desde então, a Bud Light lançou uma nova campanha publicitária para o verão, apresentando a cerveja como "fácil de gostar".

"Eles estão gastando muito dinheiro com a Bud Light, mas o tom da propaganda ainda é muito americano médio; eles não estão tentando reposicionar radicalmente a marca", disse Trevor Stirling, analista da Bernstein.

Analistas duvidam que os bebedores que a AB InBev alienou com a parceria de Mulvaney retornem. A pesquisa da Bernstein estimou que aproximadamente 50% da perda de ações da Bud Light e 50% do ganho de ações da Coors Light e Miller Lite serão permanentes.

"A ABI está realmente presa entre a cruz e a espada", escreveram eles. Enquanto os consumidores de direita estão frustrados com a falta de desculpas da cervejaria, os de esquerda reclamam por ela não apoiar Mulvaney contra os comentários públicos abusivos.

Nesta semana, o executivo-chefe da AB InBev, Michel Doukeris, garantiu a analistas e investidores que o apoio à marca-chave da empresa ainda é sólido. Ele pesquisou 170 mil consumidores americanos e descobriu que 80% tinham uma visão "favorável ou neutra" em relação à Bud Light, disse ele.

"Eles simplesmente apontam que querem desfrutar de sua cerveja sem um debate", disse Doukeris ao FT. "Eles querem que nossas marcas se concentrem no que fazemos de melhor –que é cerveja– e que a Bud Light se envolva com temas relevantes para todos os consumidores, como música e esporte."

Como parte das iniciativas da AB InBev para deixar esse debate para trás, uma equipe promocional da Bud Light visitou recentemente a Sawyer Ice House em Houston para distribuir cervejas grátis, lembra o barman. Os clientes correram para pegar os brindes –mas nenhum deles quis tirar uma foto.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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