Fazenda trava projeto de socorro a estados sob temor de ampliação no Congresso

Governadores podem ir ao STF para repactuar metas e evitar punições, caso proposta demore

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Brasília

Um mês após anunciar a intenção de flexibilizar as regras do RRF (Regime de Recuperação Fiscal), o Ministério da Fazenda travou o envio do projeto ao Congresso diante do temor de que a proposta seja desfigurada, ampliando as concessões em favor dos estados.

Segundo relatos colhidos pela Folha, a pasta tem cobrado uma espécie de compromisso dos governos estaduais de que eles não buscarão mudanças no texto durante a tramitação no Legislativo.

Secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em seu gabinete no Ministério da Fazenda - Gabriela Biló - 04.jan.23/Folhapress

Uma das preocupações é que os congressistas acabem transformando a iniciativa em uma ampla renegociação de dívidas, com mudança no índice de correção para reduzir o tamanho do passivo junto à União.

Enquanto cobra o comprometimento dos estados, a Fazenda optou por adiar o envio do projeto.

A decisão, porém, abriu um impasse com os governadores, que precisam dos ajustes no RRF para evitar o risco de punições pelo descumprimento das metas atuais do programa de socorro.

O tema foi alvo de um encontro no dia 17 de agosto entre o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e os secretários de Fazenda dos quatro estados envolvidos no RRF: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais.

Os três primeiros já ingressaram no regime de recuperação, e o último está em fase de aprovação das medidas para ter seu plano homologado.

Segundo diferentes relatos, o clima da reunião foi ruim, sem que houvesse um consenso ou acordo para destravar o projeto. Os estados reclamam da falta de disposição para negociar até mesmo medidas que não dependem do Congresso, como a repactuação das metas do plano de socorro.

Os quatro secretários dos estados envolvidos no RRF enviaram um ofício conjunto a Ceron solicitando acesso ao texto do projeto de lei complementar. Segundo relatos, não houve resposta.

Alguns governos estaduais não descartam recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para resolver o problema.

Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até a publicação deste texto.

Em 26 de julho, a Fazenda anunciou em entrevista coletiva uma série de medidas para flexibilizar a concessão de crédito a estados e municípios. O pacote incluiu também a proposta de mudança no RRF, antecipada pela Folha.

O RRF é um programa de socorro criado em 2017 para ajudar estados em grave crise financeira.

Em seu formato original, a política permitia a adesão por três anos, renováveis por mais três, desde que fossem cumpridas uma série de medidas de ajuste. Em troca, o governo estadual teria alívio no pagamento de dívidas com União e outras instituições.

O desenho se mostrou insuficiente para lidar com a profundidade da crise nos estados e passou por mudanças em 2021, quando o prazo foi estendido a nove anos, e algumas contrapartidas foram flexibilizadas —mas ainda eram obrigatórias.

A pedido dos próprios estados, o atual governo federal pretende ampliar a duração do programa para 12 anos.

O projeto também prevê, segundo foi anunciado por Ceron, uma flexibilização adicional das contrapartidas, que passariam a ser escolhidas livremente pelos governos estaduais, desde que atinjam as metas estipuladas.

Técnicos ouvidos pela reportagem afirmam, no entanto, que as mudanças propostas pelo Ministério da Fazenda são insuficientes para resolver os problemas de estados como o Rio de Janeiro, que tem um desequilíbrio significativo em suas contas. Daí o temor de que as bancadas encaixem vantagens adicionais durante a tramitação no Congresso.

O Rio de Janeiro foi um dos estados que mais perderam recursos com a aprovação de uma lei, ainda sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), que limitou a cobrança de ICMS sobre combustíveis e energia.

A alíquota do imposto sobre gasolina, por exemplo, caiu de 34% para 18%, sem que houvesse uma fonte para recomposição desses recursos.

Além disso, antes do corte na tributação de combustíveis, o Rio de Janeiro aprovou aumentos salariais para servidores da saúde e da segurança. Se antes os reajustes cabiam no planejamento do estado dentro do RRF, a avaliação é de que o corte das alíquotas do ICMS acabou desestabilizando essa conta.

Rio Grande do Sul e Goiás também tiveram perdas consideráveis com o limite de tributação sobre diesel e gasolina.

Em paralelo, o Congresso aprovou o novo piso da enfermagem, enquanto o governo federal reajustou o piso do magistério —duas medidas com impacto nas finanças de todos os estados.

Com mais despesas contratadas e menos receitas ingressando no caixa, os governos estaduais correm o risco de frustrar as metas de resultado primário estipuladas em seus respectivos planos de recuperação.

O problema é que, se isso acontecer, a lei do RRF prevê a punição dos governadores conforme uma série de dispositivos do Código Penal e da Lei de Improbidade Administrativa. Em outras palavras, eles poderão ser enquadrados inclusive em crime de responsabilidade.

Não acredito que o Congresso vá estragar as medidas, piorar as medidas, eles vão discutir

Rogério Ceron

secretário do Tesouro, em julho

Por isso, os estados precisam alterar a lei do regime de recuperação ainda neste ano, ou então rever as metas de seus respectivos planos.

O governo fluminense não descarta recorrer ao STF para conseguir repactuar seu plano e se blindar contra as punições, caso não consiga resolver o impasse com o Ministério da Fazenda.

Os estados estão insatisfeitos com a tentativa do Ministério da Fazenda de arrancar um compromisso de manutenção do texto, o que é visto como uma espécie de chantagem, dada a situação dos governos regionais.

A avaliação nos estados é que o governador não exerce necessariamente influência sobre toda a bancada do estado no Congresso.

Um técnico ponderou que, se houvesse todo esse poder de convencimento, a lei que limitou a cobrança do ICMS sobre combustíveis nunca teria sido aprovada.

Na reforma da Previdência, o Legislativo também deixou servidores estaduais e municipais de fora do alcance das novas regras, a despeito do apelo de governadores e prefeitos a favor da inclusão.

Além disso, segundo três relatos obtidos pela Folha, a movimentação identificada nos bastidores para flexibilizar ainda mais o projeto de socorro aos estados tem partido de membros do próprio PT, sobretudo das bancadas de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que é visto por interlocutores como uma demonstração de falta de controle do governo sobre sua própria base.

Ao anunciar o pacote para os estados, Ceron afirmou que o projeto de mudança no RRF partia de um pedido dos próprios governos regionais, mas adiantou que nem todas as solicitações seriam atendidas.

Ainda assim, o secretário demonstrou otimismo com a discussão no Legislativo. "Não acredito que o Congresso vá estragar as medidas, piorar as medidas, eles vão discutir", disse na entrevista de julho.

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