Descrição de chapéu Congresso Nacional

Fazenda mudará projeto de lei antifraude em empresas e vê urgência em aprovação

Pasta aponta alta de ilícitos contábeis sem ressarcimento para investidor; representantes do mercado querem mais discussão

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Brasília

O Ministério da Fazenda vai fazer um conjunto de alterações no projeto de lei do Executivo que visa endurecer a Lei das Sociedades por Ações.

A proposta é vista pela pasta como fundamental para proteger investidores em meio à percepção de aumento de casos de fraudes contábeis no país que terminam sem responsabilização de gestores.

Dentre as principais mudanças no projeto, estão as que buscam especificar quem pode figurar como autor nos processos e quem pode virar réu.

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Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, durante entrevista à Folha em seu gabinete - Pedro Ladeira - 20.mar.23/Folhapress

As alterações tentam mitigar preocupações citadas por representantes do mercado com o texto original —como elevação do custo com litígios, aumento de risco para executivos e uma necessidade de maior remuneração para reter esses profissionais.

A discussão se intensificou nos últimos dias porque a proposta, que tramita em regime de urgência, vai bloquear a pauta da Câmara dos Deputados a partir desta sexta-feira (8).

O projeto foi apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) em 2 de junho, na esteira de fraudes como a da Americanas e de problemas em outras empresas —como CVC e IRB.

Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, disse à Folha que a urgência se justifica porque os casos de abuso no mercado de capitais, sobretudo relacionados a questões contábeis, têm se tornado mais frequentes no Brasil nos últimos anos. E, mesmo quando há reconhecimento pela companhia de que houve uma fraude, não há movimento concreto para os investidores serem ressarcidos.

"Esse é um aspecto em que estamos atrasados no Brasil. Tem muitos casos em que a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] puniu o controlador ou o administrador, mas em raríssimos casos na história o investidor foi ressarcido. Queremos remediar esse problema", afirmou.

O projeto teve como base um estudo feito pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em parceria com a Fazenda e a CVM e publicado em 2019.

O trabalho sugeriu diversas mudanças na legislação que foram consideradas no projeto enviado ao Congresso Nacional e, desde então, a discussão sobre o tema foi crescente no Executivo —inclusive durante o governo anterior.

O projeto de lei abre novas possibilidades para que acionistas de empresas abertas busquem a responsabilização de administradores por danos causados e facilita a proposição de ações de responsabilidade civil contra o administrador pelos prejuízos causados.

O objetivo das mudanças preparadas pela Fazenda no texto agora é tornar determinados aspectos menos nebulosos.

"São alterações que dão mais clareza, tanto para investidores quanto para companhias e administradores. O projeto está maduro para ser discutido e aprovado no Congresso, e a gente vê uma tremenda urgência nele para que não haja mais casos como temos visto recentemente", disse.

A expectativa no governo é que a proposta seja aprovada na Câmara na semana que vem, já incorporando as mudanças sugeridas no texto. Apesar da perspectiva de votação, ainda não foi designado o relator da proposta e representantes do mercado demandam mais discussões.

O projeto tem gerado temores principalmente da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas).

Para a entidade, o texto proposto pela Fazenda pode estimular uma indústria da litigiosidade —incentivando situações como quando aventureiros propõem ações em nome dos investidores mesmo sem legitimidade suficiente (por exemplo, após comprar apenas uma ação da empresa).

Para eliminar essa preocupação, a Fazenda vai alterar a redação do texto para especificar que só o investidor (ou o conjunto de investidores) com ao menos 2,5% das ações ou das debêntures emitidas, ou R$ 50 milhões em participação, pode propor ações em nome de todos os acionistas.

O texto já prevê os números, mas deixa uma brecha para processos em nome do coletivo mesmo abaixo desse piso.

"Com isso, a gente vai reduzir muito o número de ações. Mas, por outro lado, com os mecanismos de efetividade que a gente está criando no projeto, a gente vai ter ações mais certeiras para os investidores", afirmou o secretário.

Outro ponto alterado para mitigar as resistências é especificar que casos de arbitragem propostos por investidores só serão obrigatoriamente públicos quando o litígio afetar outros acionistas.

Hoje, o projeto afirma que a regra para todos os casos seria a publicidade, a não ser em casos excepcionais em que a CVM decidisse pelo sigilo.

Em outro trecho, a Fazenda decidiu optar pelo que entende ser um meio-termo entre o que queriam representantes do mercado e o que defende o governo quanto à anulação da aprovação do balanço da empresa em caso de fraude descoberta.

Nesse ponto, o projeto diz hoje que a responsabilidade dos administradores nas fraudes pode existir mesmo que o balanço anual tenha sido aprovado anteriormente.

Hoje, a lei permite a anulação das demonstrações em caso de fraude, mas em um processo separado e com prazo para prescrição de dois anos (a partir da deliberação inicial) —o que, em muitos casos, inviabiliza o ressarcimento.

O governo pretende modificar o texto para que tal prazo seja de três anos e que tanto o pedido de anulação do balanço como o de ressarcimento possam estar na mesma ação.

Outro trecho alterado é o que deixa claro que os culpados por uma eventual fraude são os administradores e controladores envolvidos, não a companhia em si (a não ser que ela tenha se beneficiado por informações falsas em uma oferta pública).

Esse ponto é visto como importante porque um processo que resulte em pagamentos por parte da companhia geraria prejuízo para os investidores da empresa como um todo.

Já os bancos envolvidos só poderão ser alvo dos processos caso tenham agido com negligência com as informações prestadas pela companhia.

Pablo Cesário, presidente executivo da Abrasca, sinaliza que parte das mudanças propostas pela Fazenda são bem-vindas. Uma delas é a iniciativa do governo de especificar no projeto que ações alugadas não serão consideradas no cálculo de quem pode entrar com a ação em nome de todos os investidores.

"Esse é um dos pontos que nos interessa", afirmou ele, ressaltando que a posição formal da entidade ainda não está formada e que ainda há diferentes pontos de discordância. A associação planeja entregar à Fazenda na próxima semana uma proposta para as alterações do projeto de lei.

"A nossa visão sobre o projeto, tal como está hoje, é muito negativa. Ele apenas formaliza uma indústria ruim de aventureiros jurídicos. Há uma preocupação enorme da Abrasca sobre o aumento de litigiosidade", afirmou Cesário. "Discordamos da visão de que ele [projeto] aumenta a segurança para investidores, mas estamos dispostos a construir alternativas", disse.

Cesário pede a retirada da urgência da proposta para que haja mais debate e inclusive se possa questionar pontos da argumentação do governo, como a afirmação de que o custo de capital para as empresas subiu após os escândalos recentes.

"A discussão é importante e deveria ser feita em audiência pública no Congresso ou no Executivo, até para que essa evidências sejam apresentadas ou questionadas", afirmou.

Alterações a serem feitas pela Fazenda no projeto:

  • Especificar que os administradores e controladores envolvidos são os responsáveis pelas fraudes, não a companhia (exceto quando ela faz uma oferta primária com informações falsas)
  • Especificar que somente investidores com ao menos 2,5% das ações ou das debêntures (ou R$ 50 milhões) têm legitimidade para propor as ações em nome de todos os acionistas
  • Estabelecer que ações alugadas devem ser desconsideradas do cálculo dos percentuais e valores para propositura da ação coletiva
  • Aumentar o prazo para investidores buscarem a anulação da aprovação do balanço da empresa de dois anos para três
  • Especificar que a responsabilidade dos bancos intermediários só existe em casos de negligência
  • Especificar que a publicidade de casos de arbitragem só é obrigatória quando o litígio afetar outros acionistas
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