Descrição de chapéu carro elétrico

Aumentar impostos sobre carros elétricos vai privar acesso à tecnologia, diz presidente da Ford

Daniel Justo afirma que criação de novos tributos é medida protecionista que vai afetar competitividade

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São Paulo

A Ford quer ser reconhecida não apenas como uma montadora, mas também como uma empresa de tecnologia. Esse foi o tema principal da viagem promovida pela fabricante a Detroit, onde executivos apresentaram os novos carros elétricos e a Newlab, incubadora de startups que ocupa um prédio histórico na cidade.

No Brasil, essa evolução passa pelo Centro Global de Desenvolvimento e Tecnologia em Camaçari (BA), que emprega 1.500 engenheiros. Por outro lado, o trauma do fechamento de fábricas, em 2021, ainda afeta a imagem da companhia.

Daniel Justo, presidente da Ford América do Sul, na sede da empresa na Vila Olímpia (zona oeste de São Paulo). - Karime Xavier/Folhapress

Para Daniel Justo, presidente da Ford na América do Sul, é necessário olhar para frente e zerar emissões – o primeiro veículo elétrico da marca no mercado nacional é o Mustang Mach E, que custa R$ 486 mil. Em entrevista à Folha, o executivo fala dos desafios da mobilidade limpa e de questões tributárias que preocupam o setor automotivo.

A Ford anunciou a chegada do seu primeiro carro elétrico no Brasil, o Mustang Mach-E, em meio às discussões sobre a volta do imposto de importação para esses veículos. Isso afeta a estratégia de vocês? Afeta a nós como afeta a todo o mercado. Ainda não existe uma escala de adoção dos veículos puramente elétricos no Brasil que justifique a produção local. A grande discussão é: qual o momento certo para tarifar novas tecnologias?

Se há cobrança muito cedo, você priva o consumidor de experimentar a tecnologia, e, dessa forma, a infraestrutura nacional não tem como se adaptar. Ainda há muito a evoluir nessas questões.

A matriz energética brasileira é extremamente eficiente, mas a concentração de emissões em centros urbanos é uma questão de saúde. E a evolução da infraestrutura elétrica é algo que gera atividade econômica, há os carregadores e a comercialização de energia, por exemplo. Mas o país ainda tem uma longa jornada, então eu realmente não acredito que seja o momento de privar os clientes do acesso a essas tecnologias.

A Anfavea [associação das montadoras] colocou em questão a cobrança de uma taxa sobre veículos e peças importadas de países cuja legislação ambiental é menos rigorosa que a brasileira. A Ford tem o Territory, que é montado na China. Isso é uma preocupação para a montadora? Um veículo como o Territory já é altamente tarifado. Além de pagar 35% de imposto de importação, há toda a carga de impostos sobre o consumo. Eu não entendo muito bem qual é o argumento [da Anfavea], acho que não é o momento de o Brasil aumentar taxas.

A preocupação maior, ao que parece, é com os carros elétricos chineses, de marcas como BYD e GWM. Acho que é mais um movimento de proteção que vai gerar uma oferta menor tecnologia para o cliente brasileiro e menos competitividade na indústria.

O incentivo ao desenvolvimento e à produção de tecnologias locais vem através de políticas bem estruturadas de industrialização, e não simplesmente através da taxação ou da proibição das importações, que resultam em perdas para o cliente. A competição é fenomenal para a evolução de tecnologias, para a evolução da indústria local.

Salão de Detroit 2023 - Ford confirma lançamento do elétrico Mustang Mach-E no Brasil - Eduardo Sodré/Folhapress

A GM, principal concorrente da Ford, fez grandes anúncios sobre veículos eletrificados e chegou a falar em produzir apenas modelos 100% elétricos a partir de 2035. A Ford parece mais cautelosa nesse tema. Por que essa diferença? São vários fatores que definem a migração para a eletrificação. Qualquer curva de adoção de produtos elétricos está exposta a fatores macroeconômicos, fatores de custo dos minerais e políticas governamentais. O que nós acreditamos é ter um portfólio que esteja preparado para essa transição.

Estamos tentando oferecer para o cliente uma ampla gama de alternativas: os produtos puramente elétricos, os produtos híbridos e os produtos a combustão com a maior eficiência possível de consumo.

A Ford pretende investir na produção de baterias na América do Sul? Estamos investindo 50 bilhões de dólares em eletrificação, com a construção de fábricas de baterias nos Estados Unidos. Essa produção demanda alta escala. Hoje, o papel da América do Sul está, do ponto de vista de acordos, é o suprimento de minerais.

A nova estratégia da Ford no mercado brasileiro, com foco em produtos importados e mais rentáveis, está dando o resultado esperado? A evolução que estamos vendo do nosso negócio em volumes, nível de satisfação de clientes e lançamentos têm caminhado em linha com o que foi planejado.

A Ford pretende ampliar o número de pontos de venda no Brasil? São 115 pontos hoje, conseguimos cobrir toda a extensão do território nacional, mas sempre buscamos oportunidades de crescimento. Nos últimos 18 meses, renovamos lojas dentro do novo padrão Signature, além de abrir novas concessionárias. O que eu vejo para frente é uma contínua expansão.

Desde que encerrou a produção no país, a Ford não tem mais modelos flex à venda. Há algum plano para voltar a oferecer veículos que consumam etanol? Investimos muito na eficiência dos nossos modelos a combustão e lançamos a picape Maverick híbrida no mercado, além de preparar a nova Ranger para o biodiesel B20. No caso do etanol, temos a tecnologia, sabemos como fazer e já fizemos, mas, no momento, não é parte do nosso plano, estamos indo em direção à eletrificação.

A Ford produz a picape Ranger na Argentina, mas essa linha de montagem deveria ser compartilhada com a nova Volkswagen Amarok, o que não aconteceu. A desistência da Volks era prevista? Temos essa parceria funcionando em mercados fora da América do Sul. No Brasil, nós não chegamos num ponto de evolução, o que faz com que esse produto não esteja disponível para a Volkswagen localmente.

A Volkswagen terá de pagar alguma multa caso queira importar a nova Amarok? Tudo é uma questão de negociação comercial e está contida nos acordos globais feitos, mas realmente [a importação por parte da VW] não seria eficiente.

Raio-X

Daniel Justo, 45

Presidente da Ford América do Sul, está na empresa desde 1997. Foi também diretor financeiro para a região, além de ter trabalhado nos EUA. Nascido em Santos, é formado em administração de empresas pela Universidade Mackenzie e possui MBA em finanças pelo Insper, ambos em São Paulo.

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