Fundo de R$ 60 bi da Reforma Tributária beneficia Bahia, São Paulo e Minas; Centro-Oeste reclama

Critério privilegia estados com menor renda per capita ou com população mais numerosa

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Brasília

Bahia, São Paulo e Minas Gerais devem ser os estados mais contemplados pelos recursos do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), caso prevaleçam os critérios de divisão da verba inseridos pelo relator da Reforma Tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Juntos, esses três estados ficariam com R$ 13,4 bilhões dos R$ 60 bilhões a serem aportados anualmente pela União a partir de 2043.

As transferências, no entanto, iniciam já nos próximos anos. Serão R$ 8 bilhões a partir de 2029, com crescimento gradual a partir disso. Mas o critério de distribuição é o mesmo, independentemente do valor.

Plenário do Senado Federal, onde tramita a Reforma Tributária - Marcos Oliveira - 21.jun.2023/Agência Senado

Pelo texto, 70% dos recursos serão divididos com base nos coeficientes já usados no FPE (Fundo de Participação dos Estados), que privilegia aqueles com menor renda per capita. Os outros 30% serão repartidos com base na população.

Com base nesse modelo, Bahia, São Paulo e Minas Gerais ficam com as maiores fatias do FNDR, enquanto Mato Grosso, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal ficam com as menores.

As estimativas foram obtidas pela Folha a partir dos critérios estabelecidos na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Reforma, dados populacionais do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e os coeficientes do FPE para 2024 divulgados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Simulações feitas pelos próprios estados e que circularam por mensagens a partir da divulgação do parecer de Braga mostram uma configuração similar de estados mais e menos contemplados.

O economista e pesquisador Sérgio Gobetti, especialista na área tributária e que hoje atua na secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, afirma que a maior distorção na divisão do FNDR não está nos valores absolutos a cada estado, mas sim nos repasses per capita.

Ele chama a atenção para o fato de que Acre, Amapá e Roraima reúnem, juntos, apenas 1% da população, mas ficarão com quase 9% dos recursos do fundo, o que resultará em um valor per capita superior a R$ 2.000. Enquanto isso, o Maranhão, estado mais pobre do país, ficou com um repasse de pouco mais de R$ 500 por habitante.

"Acre, Amapá e Roraima têm PIB per capita maior do que o Maranhão e ficam com quatro vezes o montante de recursos", critica.

Segundo ele, o problema ocorre por causa do uso dos coeficientes do FPE, que resultam de uma soma simples de dois dados, o inverso da renda per capita (no intuito de beneficiar os mais pobres) e um fator populacional distorcido (com piso e teto, superdimensionando a população dos pequenos estados e subestimando a dos grandes).

O ideal, diz Gobetti, é multiplicar o inverso da renda per capita pela participação do estado na população de forma direta. "O cálculo atual é um mau critério inclusive para o propósito de beneficiar os estados menos desenvolvidos ou mais pobres. Ele produz uma repartição que beneficia não o mais pobre, e sim o menor estado", afirma.

A definição dos parâmetros de repartição dos recursos já na PEC era uma tentativa de apaziguar a disputa dos governadores em torno do tema.

Estados do Sudeste e Sul fizeram pressão para evitar que o FPE fosse adotado como critério único, o que prejudicaria essas regiões. A incorporação do critério populacional beneficiou grande parte dessas áreas.

São Paulo, por exemplo, tem 21,9% da população, o suficiente para lhe assegurar R$ 4 bilhões do total de R$ 4,4 bilhões a que terá direito pelo parecer atual.

Minas vem na sequência, com 10,1% dos habitantes, mas como seu FPE também é relativamente elevado, a composição é mais equilibrada (R$ 1,8 bilhão pelo critério populacional, R$ 2,24 bilhões pelo coeficiente).

No entanto, a reconfiguração de ganhadores e perdedores acabou acirrando ainda mais a disputa.

Representantes do Centro-Oeste, que tem renda per capita mais elevada, mas baixa densidade populacional, estão entre os opositores, uma vez que as duas fórmulas prejudicam os estados da região.

"FPE e população são critérios que não conseguem suprir as necessidades de financiamento para a infraestrutura do Centro-Oeste, um dos principais objetivos do Fundo de Desenvolvimento Regional", afirma o secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo.

Pelas simulações, o estado ficaria com R$ 1,1 bilhão, o equivalente a 1,84% do montante.

O secretário argumenta que Mato Grosso tem 32 mil quilômetros de estradas estaduais para manter e outros 20 mil quilômetros para pavimentar, mas ainda assim receberá um dos menores repasses do fundo.

Além disso, segundo ele, o estado tende a perder arrecadação com a extinção do ICMS e a migração da tributação para o destino, onde os bens são consumidos. Como a região mais produz do que consome, o modelo atual, com tributação na origem, é mais benéfico.

"A pergunta que fica é a seguinte: é sustentável deixar um estado sem recursos para fazer frente à manutenção e ampliação de uma infraestrutura que é utilizada para escoar mais de 100 milhões de toneladas de grãos? Evidente que teremos um colapso da infraestrutura rodoviária estadual no longo prazo por falta de recursos, caso não tenhamos uma melhor distribuição dos recursos do fundo de desenvolvimento", afirma.

O secretário diz que os estados que se sentiram prejudicados vão negociar no Senado a inclusão de outros critérios que atendam a estados que são produtores e têm população pequena.

O FNDR será usado pelos estados para conceder incentivos locais dentro do novo sistema tributário, que vai unificar PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em dois novos tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.

O novo modelo inviabiliza a continuidade do uso de expedientes atuais, como isenções e créditos presumidos, uma vez que as regras serão uniformizadas. Por isso, o FNDR é uma maneira se assegurar recursos orçamentários para que estados e municípios mantenham instrumentos para concessão de novos incentivos daqui para frente.

Como mostrou a Folha, Braga já havia sinalizado a senadores na terça (24) a ampliação do valor para R$ 60 bilhões.O montante é R$ 20 bilhões maior do que os R$ 40 bilhões iniciais propostos pelo Ministério da Fazenda. Na prática, representa um aumento de 50%.

O texto aprovado pela Câmara previa valores progressivos para o FDR, começando em R$ 8 bilhões em 2029 e subindo mais R$ 8 bilhões ao ano, até alcançar os R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Pela proposta do relator no Senado, o aumento extra de R$ 20 bilhões será distribuído ao longo de dez anos. A partir de 2034, haverá um incremento de R$ 2 bilhões ao ano, até alcançar os R$ 60 bilhões em 2043. A PEC também traz mecanismos de correção desses valores pela inflação.

Os novos valores foram acordados com o Ministério da Fazenda para destravar o avanço da reforma.

Governadores reivindicam um repasse ainda maior, de R$ 75 bilhões ao ano, mas a avaliação na Fazenda é de que um montante nessa faixa não é condizente com o compromisso de responsabilidade fiscal.

Ao detalhar seu parecer nesta quarta-feira (25), Braga afirmou que ainda vai discutir o tema com os governadores e com os parlamentares no âmbito da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. "Vamos ver o que os governadores vão apresentar", disse.

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