Livro descreve rivalidades, triunfos e fracassos do New York Times

Adam Nagourney oferece visão aprofundada de como jornal superou crises financeiras e transição para o digital

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Alan Rusbridger
The New York Times

Houve um momento durante o governo de Donald Trump em que, para alguns de nós que assistíamos impotentes de outras partes do mundo, parecia que o jornal The New York Times era tudo o que tínhamos.

Na verdade, isso não é totalmente verdade. O Times estava entre um punhado de organizações jornalísticas americanas que pareciam ter a força, integridade, recursos e disciplina necessários para manter a linha diante de um ataque implacável às noções de razão, evidência e veracidade há muito estabelecidas.

Outros pilares sólidos da república pareciam ter caído ou estavam vacilando sob um intenso cerco. A questão era se, depois de suportar anos de pancadas, as instituições do "quarto poder" ainda estavam à altura do trabalho.

Com o New York Times, a resposta não era garantida. A reputação do jornal havia sofrido alguns golpes diretos enormemente prejudiciais nos últimos 15 anos ou mais. Houve uma troca de editores executivos, pelo menos dois dos quais saíram abruptamente, deixando um rastro de turbulência.

Fachada da sede do New York Times, em Nova York
Fachada da sede do New York Times, em Nova York - Sasha Maslov - 12.mai.2021/The New York Times

O jornal estava em considerável dificuldade financeira. Foi lento em se adaptar às novas tecnologias que representavam uma ameaça existencial para as organizações de notícias em todo o mundo. Talvez sua forma de propriedade quase hereditária não estivesse funcionando como esperado?

"The Times", o livro mais recente sobre a história do jornal, começa em 1976 e abrange dois publishers, sete editores executivos, um colapso financeiro, um modelo de negócios reinventado e uma transformação revolucionária na forma como o jornalismo é feito, terminando com a eleição presidencial de 2016. Escrito por Adam Nagourney, um repórter veterano do Times, é algo como uma montanha-russa emocionante com —alerta de spoiler— um final amplamente feliz.

Não é necessariamente um livro para aqueles que têm um restaurante favorito, mas preferem não saber o que acontece em sua cozinha. Nagourney descreve seus colegas jornalistas como "por natureza autossuficientes, secretos, inseguros, competitivos, sensíveis e desconfiados. Eles têm egos expansivos e alta autoestima".

Isso nem chega perto de descrever tudo. Numerosos trechos são dedicados a rivalidades, brigas, conspirações, disputas, intimidações e lutas por posição. Dos editores executivos do jornal durante o período abordado no livro, Nagourney descreve Max Frankel como o "não-Abe" (Rosenthal, seu antecessor) e Bill Keller como o "não-Howell" (Raines, seu antecessor).

Mas por que parar por aí? Raines mais ou menos se definiu contra seu antecessor, Joseph Lelyveld, que, segundo ele, havia tornado o jornal chato. Jill Abramson, que sucedeu Keller, parece ter detestado Raines, que a criticava frequentemente quando ela era chefe do escritório de Washington sob ele, enquanto Dean Baquet, sucessor de Abramson, famosamente socou uma parede de raiva com ela.

Mas quantos leitores perceberam? Como todas as grandes instituições, o Times conseguiu, na maioria das vezes, se posicionar acima desses dramas dos bastidores e continuar fazendo o trabalho de noticiar sobre a cidade, a nação e o mundo de maneira sóbria e séria.

É claro que os leitores não poderiam permanecer totalmente distantes de alguns dos problemas que assolavam o jornal, mesmo que fosse apenas por causa de seus instintos profundamente enraizados em relação a um grau de transparência que às vezes beirava a autoflagelação.

Em 1991, a duvidosa decisão do jornal de investigar e nomear uma mulher de 29 anos que denunciou à polícia ter sido estuprada no complexo da família Kennedy, na Flórida, provocou turbulência interna —bem como um "memorando da mídia" de um repórter do Times e um texto duramente crítico de um colunista.

Nove anos depois, o jornal reconheceu falhas em reportagem sobre um cientista sino-americano em Los Alamos, que, baseando-se fortemente em fontes do FBI, o retratou como um provável espião —ele não era.

Quatro anos depois disso, ocorreu um desastre envolvendo o repórter Jayson Blair, um plagiador e fabulista prodigioso com sérios problemas de álcool e cocaína, para os quais quase todos fecharam os olhos. Mais tarde, houve constrangimento público pela decisão de derrubar —e depois publicar tardiamente— uma matéria sobre o presidente George W. Bush e a escuta telefônica sem mandado de cidadãos americanos.

E então veio o Iraque —personificado para o jornal por Judith Miller ("uma repórter trator", escreve Nagourney)—, cujas reportagens de primeira página afirmavam que o país estava estocando armas de destruição em massa que acabaram por não existir.

Isso pode ter sido o ponto mais baixo da reportagem do New York Times, e Nagourney explora as agendas e egos conflitantes que estavam por trás do tratamento editorial das histórias. Se você estava esperando por um único vilão no livro, não há um.

Todos esses erros foram discutidos na época e são explorados novamente aqui, munição para aqueles que desejam o mal do jornal. Mas é possível, eu acredito, tirar uma lição diferente desses erros, falhas e fragilidades.

A organização de notícias perfeita ainda não foi criada, mas há um número extremamente pequeno de pessoas disposto a admitir isso.

É incrivelmente raro encontrar um jornal, ou emissora, disposto a aplicar o mesmo escrutínio a si mesmo que rotineiramente impõe aos outros. E aqui pode estar uma pista para a força institucional do Times.

Sim, o jornal poderia ser conservador e antiquado às vezes. Sim, tinha um senso quase arrogante de autoimportância. Sim, foi lento para mudar. Mas seus editores, falhos como eram, investiram no jornalismo em um momento em que outros estavam cortando redações. Seus editores seniores acreditavam na arte do jornalismo e tinham altos padrões éticos. Havia, em grande parte, uma separação entre notícias e comentários. A busca incessante por lucro e cliques, ou tráfego, era estranha à cultura.

Capa do livro "The Times", do jornalista Adam Nagourney
Capa do livro "The Times", do jornalista Adam Nagourney - Divulgação/Penguin Random House

E assim, ao final desta narrativa, em 2016, logo após a eleição de Trump para a Casa Branca, o New York Times resistiu com sucesso a muitas tempestades e está, em grande parte, endurecido para os testes que estão por vir. Ao destacar o Times como "um verdadeiro inimigo do povo", Trump inadvertidamente lançou ao jornal uma tábua de salvação, com 6,5 milhões de assinantes digitais até 2020 preferindo a versão da verdade do jornal à do ex-presidente.

Nagourney conta a história com habilidade contida, incluindo 53 páginas de notas de rodapé para apoiar sua narrativa. É, se você quiser, uma história de reis e rainhas, e alguns leitores poderiam desejar ouvir mais dos soldados rasos. Mas é uma história importante. Trinta anos após a revolução digital, agora temos uma ideia clara de como destruir ou esvaziar organizações de notícias e como criar o tipo de caos de informações onde ninguém sabe em quem acreditar ou confiar.

O New York Times, enraizado na cidade mais rica do mundo e com sua estrutura de propriedade familiar, não pode fornecer um manual para todos os seus pares. Mas, apesar dos deslizes ao longo do caminho, sua qualidade e resiliência ainda são um farol para muitos. O que, diante de todos os prováveis desafios no futuro, é muito bom.

THE TIMES: How the Newspaper of Record Survived Scandal, Scorn, and the Transformation of Journalism

  • Preço US$ 35 (R$ 176)
  • Autoria Adam Nagourney
  • Editora Crown, 563 pp.
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