Mercado espera só metade das receitas necessárias para zerar déficit em 2024

Em questionário enviado ao BC, economistas incorporaram R$ 80 bilhões extras em medidas

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Brasília

Embora o mercado financeiro veja com mais otimismo o plano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reequilibrar as contas públicas no ano que vem, os analistas confiam apenas em metade das receitas necessárias para zerar o déficit em 2024.

Em questionário enviado ao mercado antes da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em setembro, os economistas disseram ter incorporado R$ 80 bilhões relativos a medidas econômicas apresentadas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) para recompor a arrecadação nas projeções de receita líquida do governo central –que compreende o Tesouro Nacional, o Banco Central e a Previdência Social–, para 2024.

Na foto, o ministro Fernando Haddad, homem branco, de cabelo liso, com terno azul e camisa branca
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva na sede da pasta, em Brasília - Gabriela Biló - 31.jul.23/Folhapress

O montante previsto se refere à mediana das projeções dos analistas. Ao todo, foram 88 respostas neste item, que compõe um conjunto mais amplo de informações recebidas do mercado que subsidiam a decisão do comitê sobre a taxa básica de juros (Selic).

O questionário é enviado aos agentes econômicos na penúltima sexta-feira antes do encontro do colegiado do BC, e as respostas são recebidas pela autoridade monetária até a semana seguinte.

Os R$ 80 bilhões estão aquém dos R$ 168,5 bilhões extras previstos pelo governo na proposta do Orçamento de 2024 entregue no fim de agosto ao Congresso Nacional. O aumento de arrecadação é necessário para cumprir a promessa feita pela equipe econômica de alcançar o déficit zero já no ano que vem.

Do total do pacote de medidas, cerca de R$ 70 bilhões ainda precisam da aprovação do Legislativo. Os outros R$ 98 bilhões já foram validados, mas as estimativas feitas pelo Executivo são vistas com ceticismo pelo mercado financeiro.

Apesar da desconfiança dos economistas, os números mostram que o otimismo vem crescendo ao longo dos últimos meses.

Em agosto, a mediana das estimativas era de R$ 65 bilhões de receitas extras para o ano que vem, ou seja, R$ 15 bilhões a menos do que a projeção dos economistas na consulta mais recente realizada pelo BC.

Já nos dados de junho, quando a pergunta apareceu pela primeira vez no questionário da autoridade monetária, o valor incorporado relativo às medidas do governo para recomposição de receitas era de R$ 60 bilhões para 2024.

"Considere na resposta a diferença entre a sua projeção de receita para cada ano e aquela que você projetaria caso nenhuma medida para recomposição de receitas tivesse sido ou venha a ser tomada, considerando apenas o impacto direto das medidas", ressaltou o BC em complemento à questão na pesquisa.

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho de administração da Jive Investments, trabalha hoje com uma projeção de arrecadação extra de R$ 51 bilhões e diz que uma eventual revisão da estimativa dependerá do avanço das pautas econômicas no Congresso.

"O governo vai ter vitórias parciais e, com isso, vai conseguir melhorar a arrecadação de receitas, mas não o suficiente para chegar ao déficit zero", diz. "Não é impossível, mas é muito difícil, seria uma surpresa positiva."

Dos R$ 97,9 bilhões esperados pela Fazenda com a recuperação de créditos no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), após a volta do chamado voto de qualidade, o economista calcula R$ 22 bilhões em suas previsões de receitas.

Quanto à tributação de fundos exclusivos, estima impacto arrecadatório de R$ 7 bilhões, ante os R$ 13,3 bilhões projetados pela equipe econômica. No caso da taxação das offshores, considera R$ 4 bilhões em receitas dos R$ 7 bilhões na conta do governo.

"No último mês, o ceticismo aumentou e não diminuiu, mas já foi maior do que é hoje", disse.

A melhora da percepção do mercado nos últimos meses, segundo Figueiredo, se deve a entregas feitas pelo governo que os economistas não imaginavam que seriam possíveis. Como exemplo, cita que o caso do Carf, a aprovação de um arcabouço fiscal mais restritivo e o avanço da tramitação da Reforma Tributária no Legislativo.

Mas ele ressalta que há dúvidas que persistem, considerando o ritmo de algumas discussões no Legislativo. "As coisas acabam sendo mais lentas, a Reforma Tributária está um pouco atrasada do cronograma que se imaginava", diz.

Em julho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o texto poderia ser votado na Casa no início de outubro. Na semana passada, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), disse que vai apresentar o relatório da Reforma Tributária no dia 24 de outubro para apreciação em novembro.

Em meio a essa ampla agenda proposta pela equipe econômica, o Santander estima um aumento de R$ 60 bilhões na receita líquida em 2024 com as medidas adotadas pelo governo. Houve uma revisão para cima de sua projeção, que em setembro era de R$ 50 bilhões.

No questionário enviado ao BC antes do último encontro do Copom, o banco desconsiderou no cálculo a taxação sobre combustíveis, o que representaria um acréscimo de R$ 26 bilhões na conta da instituição e equipararia a estimativa à mediana do mercado.

De acordo com Ítalo Franca, economista do Santander, alterações nas propostas apresentadas pelo governo ao longo da tramitação no Legislativo, possibilidade de judicialização e eventuais efeitos sobre o comportamento dos investidores são elementos que trazem incerteza na definição do número final.

Para ele, haverá mais clareza quanto à viabilidade de se alcançar a meta de déficit zero no próximo ano quando o Orçamento para 2024 tiver sido aprovado pelo Congresso e algumas medidas já estiverem sendo executadas.

"Algumas matérias estão com debate um pouco mais inicial. Essas deixam um pouco mais de ceticismo. A outras, como offshores e fundos exclusivos, já se atribui uma probabilidade maior de avançar. A agenda está avançando e, quanto mais avançar, pode trazer um pouco mais de otimismo. Hoje tem uma certa cautela para incluir todo o impacto porque a gente precisa ver [o plano] se materializar", afirma.

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