Descrição de chapéu Folhajus petrobras

Vitórias do governo com voto de desempate no Carf já superam R$ 12 bi

Mais da metade se refere à Petrobras; empresas ainda podem recorrer, e arrecadação não está garantida

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São Paulo

O governo obteve uma série de vitórias nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) realizados após o retorno da regra que determina o voto de desempate por um representante da União.

São pelo menos R$ 12 bilhões em autuações da Receita Federal confirmadas por um representante da Fazenda no conselho de recursos, em 13 processos sobre dois temas controversos: tributação de lucros no exterior e amortização de ágio em operações societárias.

Os três maiores casos envolvem a estatal Petrobras (R$ 6,5 bilhões), a empresa do Grupo Mover (ex-Camargo Corrêa) Intercement (R$ 3,4 bilhões) e a Arcelormittal (R$ 1,3 bilhão).

Fachada externa do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) - André Corrêa/Senado Federal

O Carf é a segunda instância para questionar as autuações da Receita no âmbito administrativo. Essas empresas ainda podem recorrer ao próprio conselho e ao Judiciário.

Também podem fechar acordo para pagar os valores com desconto.

A maioria dos casos julgados é de grandes teses tributárias, aquelas em que empresas e Receita fazem interpretações divergentes sobre a mesma legislação.

São questões que dividem os membros do Carf e também não estão pacificadas no Judiciário, daí a expectativa de que esses contribuintes recorram. A Petrobras, por exemplo, já informou que avalia questionar a decisão.

Nos anos de 2020 a 2022, muitas empresas obtiveram vitórias no Carf nessas mesmas discussões com base na norma que determinava o desempate pró-contribuinte. Neste mês de outubro, voltou a vigorar a regra em que um representante do governo pode decidir a questão quando não há maioria nas turmas do conselho.

A mudança na regra é parte da estratégia do governo para zerar o déficit no Orçamento de 2024. O Ministério da Fazenda conta com R$ 54,7 bilhões a partir das decisões do conselho, dentro de uma receita extra total de R$ 168 bilhões na área tributária. O Carf possui um estoque de R$ 1,1 trilhão.

A nova regra do Carf foi sancionada no final de setembro. No início de outubro, o conselho colocou em julgamento exatamente casos controversos em que o governo teria chances de vitória pelo voto de desempate.

"Foram muitos casos decididos por voto de qualidade [jargão para voto de desempate]. Com o retorno da pauta presencial, os casos de alto valor e que tendem a gerar empate foram levados para julgamento", afirma Gisele Bossa, sócia da área tributária do Demarest e ex-conselheira do Carf.

"Era uma pauta bem estratégica, só de casos que historicamente são decididos por voto de qualidade, temas divididos no tribunal. Com a mudança de critério, muitos deles foram decididos em favor da Fazenda. Essa foi a grande virada", afirma Rodrigo Massud, advogado do escritório Choaib, Paiva e Justo que acompanhou alguns desses julgamentos na semana passada.

Massud afirma que essas vitórias não devem se converter em arrecadação de maneira automática e imediata. Como são matérias divididas também no Judiciário e que envolvem grandes valores, há um incentivo para o contribuinte recorrer.

"Isso vai ser determinante para a estratégia dos contribuintes de caminhar para uma judicialização ou aproveitar a contrapartida que veio com o retorno do voto de qualidade, com a possibilidade de pagamento sem juros e multa, com a possibilidade de parcelamento."

Petrobras

Livia Germano, ex-conselheira do Carf e especialista na área tributária do Barros Pimentel Advogados, afirma que, nos processos que discutiam lucros do exterior, como o da Petrobras, houve decisões por maioria em favor dos contribuintes em meados de 2022. Na época, o presidente do conselho votou a favor das empresas nessa matéria.

"A mudança da jurisprudência não se deve apenas ao retorno do voto de qualidade, mas à alteração de composição da turma, o que incluiu a alteração do presidente do Carf", afirma.

Segundo a tributarista, o resultado recente é o mesmo de fevereiro de 2023, quando dois casos da Petrobras foram julgados pela Câmara Superior na vigência da medida provisória que fez o voto de desempate valer temporariamente no início deste ano.

Na semana passada, a Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf negou recurso da Petrobras contra uma autuação que soma atualmente R$ 6,5 bilhões.

A decisão foi tomada por meio de voto de desempate do presidente da turma, com base na legislação sancionada no dia 20 de setembro, após empate entre os julgadores —quatro representantes da Fazenda e quatro dos contribuintes.

A disputa entre Petrobras e governo se refere à tributação dos lucros de uma subsidiária na Holanda, referentes aos exercícios de 2013 e 2014.

Em nota, a estatal afirma que avaliará a adoção das medidas cabíveis com vistas à defesa de seus interesses, inclusive no âmbito judicial. Também há a possibilidade de recorrer ao próprio Carf, por meio de embargos de declaração.

"A expectativa de perda dessa contingência é considerada possível, sendo objeto de nota explicativa nas demonstrações financeiras, e a decisão do Carf não implica provisionamento nas demonstrações da companhia", diz a estatal.

O entendimento da Receita é que a cobrança de imposto sobre o lucro da subsidiária no exterior não viola os tratados internacionais para evitar a dupla tributação. Para o Fisco, o Brasil não está tributando os lucros da sociedade domiciliada fora do país, mas sim os lucros auferidos pelos sócios brasileiros.

Além disso, a legislação brasileira permite à empresa o direito de compensar o imposto pago no exterior, ficando, assim, eliminada a dupla tributação, independentemente da existência de tratado, argumenta a Receita nas ações.

Nos casos que tratam de amortização de ágio —diferença entre o valor de mercado da empresa adquirida e o preço efetivamente pago pelo comprador, esse custo adicional (calculado com base na expectativa dos lucros futuros a serem gerados pela companhia comprada) pode ser abatido pelo novo controlador da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.

A legislação do Imposto de Renda permite tal dedução, mas o Fisco utiliza critérios próprios para avaliar se não houve abuso de planejamento tributário.

A Receita Federal entende que muitas dessas operações não têm fundamentação econômica, o que justifica a multa. No Carf, representantes de contribuintes e do Fisco têm se colocado em campos opostos nessas discussões.

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