Descrição de chapéu Reforma tributária

Ministério do Trabalho propõe reduzir repasse à Previdência para turbinar BNDES

Pasta reivindica devolução ao fundo do trabalhador de R$ 80 bi já usados para cobrir gastos e quer mudar Reforma Tributária

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São Paulo e Brasília

O Ministério do Trabalho e Emprego defende acabar com a possibilidade de o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) financiar gastos da Previdência e reivindica a devolução de R$ 80 bilhões ao fundo até 2032. Para viabilizar a medida, a pasta propõe as mudanças via Reforma Tributária.

Um dos beneficiários diretos da iniciativa seria o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), presidido por Aloizio Mercadante. O FAT é uma fonte de financiamento barata para as linhas de crédito da instituição.

A proposta é encampada pelo ministro Luiz Marinho (Trabalho) e tem o apoio do BNDES. Em nota à Folha, o banco diz que a medida "resgata o sentido histórico do FAT", mas ressalta que a negociação é conduzida pelo ministério em diálogo com membros da Junta de Execução Orçamentária —Fazenda, Casa Civil, Planejamento e Gestão.

Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em evento com sindicalistas em SP
O ministro do Trabalho e Previdência, Luiz Marinho, em entrevista à reportagem da Folha; Marinho tratou sobre temas como regulamentação dos aplicativos e reestruturação do FAT - Cristiane Gercina/Folhapress

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A proposta do fim do repasse à Previdência foi antecipada pelo Painel.

Segundo documento do Ministério do Trabalho obtido pela Folha, a continuidade do uso do FAT para cobrir gastos previdenciários levaria à "descapitalização e insustentabilidade do fundo no médio e longo prazos", com impacto negativo sobre o BNDES.

"Além de inviabilizar a retomada dos depósitos especiais [repasses opcionais operados por bancos oficiais], a manutenção dos gastos previdenciários exigirá, a partir de 2025, o resgate dos empréstimos do FAT constitucional sob gestão do BNDES", diz o documento.

A intenção de Marinho é incluir as mudanças na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Reforma Tributária, que já passou pela Câmara dos Deputados e aguarda o aval do Senado.

A devolução dos R$ 80 bilhões leva em consideração repasses feitos ou já programados pelo fundo para custear o rombo da Previdência desde 2020. Em novembro do ano anterior, a Emenda Constitucional 103 mudou as regras de aposentadoria e pensão e introduziu a possibilidade de o FAT custear essas despesas.

O fundo destinou à Previdência R$ 11 bilhões em 2021, R$ 18,6 bilhões em 2022 e deve repassar R$ 22,7 bilhões neste ano. Para o ano que vem, se for mantida a tendência recente, o valor pode chegar a R$ 24 bilhões, nas estimativas da pasta. O argumento do Ministério do Trabalho para reivindicar a devolução é que os recursos poderiam ter sido destinados a investimentos que contribuam para a geração de empregos formais —ampliando a arrecadação do INSS.

Além disso, o objetivo da pasta é fechar a porta para novos repasses a partir de 2025. Segundo técnicos, a mudança não tem impacto no resultado primário do governo (diferença entre receitas e despesas, descontados os juros da dívida pública), nem na dívida líquida, embora possa elevar a dívida bruta do governo devido à maior necessidade de emitir títulos em mercado.

O FAT é custeado hoje com o dinheiro vindo do PIS (Programa de Integração Social), ligado aos trabalhadores da iniciativa privada, e pelo Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público).

Com a Reforma Tributária, o fundo ficará com 18% dos recursos oriundos da nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), parcela federal do novo sistema que substituirá cinco atuais tributos sobre consumo. A proporção seria suficiente para manter o volume atual de arrecadação do FAT, em torno de R$ 87 bilhões.

A alteração do uso do dinheiro do FAT foi feita pelo governo Bolsonaro em 2019, no trâmite da reforma da Previdência. Até então, os recursos do fundo eram usados para pagar o abono salarial (espécie de 14º salário, devido a trabalhadores com carteira assinada que ganham remuneração média de até dois salários mínimos) e o seguro-desemprego, além de servir de fonte de financiamento para o BNDES.

Com a reforma da Previdência, a DRU (Desvinculação de Receitas da União) deixou de ser aplicada às receitas das contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social a partir de 2020.

"Porém, ao mesmo tempo, estabeleceu-se que os recursos do PIS/Pasep também poderiam financiar outras ações da Previdência Social, além do programa do seguro-desemprego e o abono salarial", diz parte de relatório do Ministério do Trabalho a que a Folha teve acesso.

"O senhor doutor excelentíssimo Paulo Guedes [ex-ministro da Economia de Bolsonaro] fez uma mudança constitucional, que é o FAT financiar a Previdência. Para que é o FAT? O FAT é para financiar seguro-desemprego, situações emergenciais [do trabalhador]", explica Marinho.

Segundo o ministro, com menos dinheiro, pouco se investe em áreas que possam amparar os trabalhadores, especialmente nos momentos de desemprego, fazendo com que fiquem menos tempo de fora do mercado de trabalho.

A destinação dos R$ 22,7 bilhões em 2023 pode gerar um déficit nominal de cerca de R$ 8,9 bilhões somente neste ano, diz o relatório do ministério.

"Na hora que ele [o fundo] financia a Previdência, perde a capacidade de financiar projetos que provoquem aumento da receita da Previdência. Porque a receita da Previdência provém da quantidade de trabalhadores que estão trabalhando. Então, primeiro, é uma burrice. Mas talvez seja um desespero lá daquela atrapalhada toda que apresentava o seu chefe", diz Marinho, referindo-se a Paulo Guedes.

Representante dos trabalhadores no Codefat (Conselho Deliberativo do FAT), Sérgio Leite, vice-presidente da Força Sindical, afirma que a reversão da mudança feita em 2019 é essencial para a sobrevivência do fundo. "Com essa atitude [de financiar a Previdência], o FAT perde sua capacidade de promover política pública de emprego", critica.

Leite diz ainda ter ouvido do próprio BNDES uma preocupação sobre o financiamento futuro do banco. "O BNDES trabalha com políticas de médio e longo prazo, você pode desacreditar o banco como um banco de fomento", afirma. "O BNDES e o Ministério do Trabalho são nossos aliados neste debate", acrescenta.

Segundo o representante no Codefat, o conselho tem o objetivo de ampliar os depósitos especiais nos próximos anos. Projeções do próprio fundo já indicam a intenção de aumentar esse instrumento dos atuais R$ 5,5 bilhões para R$ 31,6 bilhões em 2026.

"Estamos meio que 'forçando a barra' [nas projeções] para que possamos incluir no orçamento do FAT depósitos especiais, recursos para qualificação, intermediação", afirma Leite. Segundo ele, há intenção de aumentar os repasses para o BNDES.

Procurado, o banco informou que "apoia a proposta do Ministério do Trabalho e Emprego, porque entende que ela resgata o sentido histórico do FAT, cujos três pilares são: financiar o seguro-desemprego e o abono salarial; financiar programas de capacitação dos trabalhadores; e gerar emprego por meio do financiamento ao investimento produtivo –em que o BNDES é o principal ator".

"Em um passado recente, tal sentido histórico foi desvirtuado, inclusive com três tentativas de retirar da Constituição os repasses destinados ao BNDES. Isso fragilizaria o financiamento ao investimento, à agricultura, à inovação, à indústria e ao cooperativismo, entre outros", diz a instituição de fomento, em nota.

Nos bastidores, críticos da mudança feita pela equipe de Guedes afirmam que o uso do FAT para custear benefícios previdenciários não resolve o déficit do INSS, mas prejudica de forma significativa a capacidade de financiar políticas públicas voltadas aos trabalhadores.

Para essa ala, o FAT pode sofrer uma "morte matada", e resta saber se o governo do PT vai querer tomar uma medida para salvar o fundo cujo objetivo central é dar apoio aos trabalhadores.

Marcos Mendes, pesquisador do Insper e colunista da Folha, avalia que a proposta significa um "retrocesso". "É uma verdadeira contrarreforma da Previdência", afirmou.

Segundo ele, se avançar, a medida terá consequências como aumento de impostos ou da dívida pública para pagar benefícios da Previdência.

"Haverá menos pressão para que o BNDES devolva recursos ao FAT em caso de necessidade de recomposição das reservas do fundo. Com maior folga de caixa no FAT, pode haver até um movimento para aumentar o volume repassado ao BNDES ou para o uso de taxas mais baixas de remuneração ao FAT pelo BNDES, permitindo que o banco volte a praticar taxas subsidiadas, como no tempo da TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo]", diz Mendes.

Entenda a proposta do Ministério do Trabalho

A proposta do ministério é que, até 2032, o fundo seja ressarcido pelos recursos já repassados ou programados para custear a Previdência. Além disso, o objetivo é impedir novas transferências a partir de 2025, suprimindo do artigo 239 da Constituição Federal a expressão "outras ações da Previdência Social" da lista de despesas a serem custeadas com o FAT.

Para isso, é preciso haver uma alteração na Reforma Tributária, a ser proposta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ao relator da reforma no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM). Marinho diz defender consenso para que a alteração seja feita.

Segundo relatos, a equipe de Haddad ainda não sinalizou se concordará com a mudança. O fim do uso de recursos do FAT para cobrir o rombo da Previdência pode ampliar o desequilíbrio na chamada regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para bancar despesas correntes. Para descumpri-la, é preciso um aval especial do Congresso Nacional.

Sem o dinheiro do fundo, o Tesouro precisará emitir mais títulos da dívida para custear os benefícios previdenciários, que são despesa corrente, ampliando o déficit da regra de ouro.

Relatório será entregue no fim de outubro

O senador Eduardo Braga deve apresentar o relatório da Reforma Tributária até o dia 20 de outubro. Segundo ele, a proposta recebeu quase 200 emendas e sua equipe já fez cerca de 190 reuniões. Braga disse, no entanto, que continua mantida a previsão de votar a proposta até o final do mês.

"O calendário que nós havíamos apresentado é que até o final do mês de outubro nós apresentaríamos um relatório. Este calendário e este cronograma assumido pelo presidente Rodrigo Pacheco, sim, está de pé", anunciou ele durante audiência pública no Senado.

Procurados, o senador e o Ministério da Fazenda não se manifestaram até a publicação deste texto.

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