Americanas tem prejuízo de R$ 12,9 bilhões em 2022

Varejista apresenta balanço adiado por quatro vezes, dez meses depois do escândalo contábil, que deixou rombo de R$ 25,2 bilhões

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São Paulo

A Americanas encerrou 2022 com prejuízo de R$ 12,9 bilhões, uma alta de 108% em relação às perdas de R$ 6,2 bilhões registradas em 2021, conforme balanço da varejista divulgado nesta quinta-feira (16). A empresa adiou por quatro vezes a apresentação dos resultados depois do escândalo contábil deflagrado em janeiro, que a levou a entrar em recuperação judicial, com dívidas declaradas de R$ 42,5 bilhões.

Além da divulgação do balanço de 2022, a empresa reviu os números do balanço de 2021. Os resultados dos três primeiros trimestres de 2023 serão conhecidos só em 29 de dezembro.

De acordo com comunicado da companhia que acompanha o balanço, "a Americanas foi vítima de uma fraude sofisticada, baseada na manipulação dolosa de seus controles internos por parte de sua antiga gestão, o que tornou o refazimento das demonstrações financeiras extremamente desafiador, complexo e extenso, requerendo trabalho minucioso e rigoroso."

Fachada de loja em branco onde se lê em vermelho Lojas Americanas
Fachada de loja da Americanas, no centro de São Paulo. - Bruno Santos/ Folhapress

A receita líquida, por sua vez, subiu 14,6% na comparação anual, para R$ 25,8 bilhões.

O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, que mede a geração de caixa da empresa) negativo foi de R$ 6,1 bilhões, uma alta de 82% sobre o Ebitda negativo de 2021, de R$ 3,4 bilhões. Um Ebitda negativo significa que a empresa não consegue gerar valor suficiente para cobrir os custos por meio da sua principal atividade.

A título de comparação, sob a diretoria anterior da Americanas, a empresa havia fechado 2021 com receita líquida de R$ 22,7 bilhões, Ebitda de R$ 2 bilhões e lucro líquido de R$ 544 milhões.

Ao final de 2022, a Americanas registrou patrimônio líquido negativo de R$ 26,7 bilhões e dívida líquida real de R$ 26,3 bilhões.

Os números foram auditados pela BDO Brasil, que não deu opinião sobre as demonstrações financeiras. Mencionou que as demonstrações financeiras pertenciam a um "contexto de incerteza relevante de continuidade operacional."

De acordo com a diretora financeira e de relações com investidores, Camille Loyo Faria, a declaração se deve ao fato de a empresa estar em recuperação judicial e ainda não ter apresentado o plano, a ser validado pelos credores. "A auditoria não poderia dizer nada diferente disso", afirmou Camille na manhã desta quinta-feira, quando conduziu um evento online, dirigido ao mercado em geral, para apresentar os resultados e informar sobre o andamento do plano de recuperação judicial, ao lado do presidente da Americanas, Leonardo Coelho.

"Não conseguimos rever todo o histórico dos balanços, até onde pudemos alcançar havia números adulterados pelo menos desde 2015", disse Coelho à Folha. Todas as perdas históricas foram atribuídas ao balanço de 2021. "Mas foi possível observar que a fraude se intensificou nos anos de 2021 e 2022", afirmou.

Em 2021, foi anunciada a simplificação da estrutura societária da companhia: em vez de ter ações de Lasa e B2W, a empresa passou a ter uma única ação listada no Novo Mercado da B3, o de mais alta governança corporativa, a partir da diluição da participação dos controladores, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, de 53,3% para 29,2%.

Segundo Camille, a fraude contábil chegou a R$ 25,2 bilhões. O mecanismo envolveu verba de propaganda cooperada (VPC) fictícia e operações de risco sacado, incorretamente contabilizadas na conta de fornecedores.

O balanço estava sendo aguardado ansiosamente pelos principais credores da Americanas, os maiores bancos do país, com quem a Americanas já travou intensas brigas judiciais este ano. Depende deles a assinatura do plano de recuperação judicial da companhia, que vai garantir a sua manutenção no mercado.

Os bancos terão sua dívida convertida em ações da companhia, daí a importância de saber o tamanho real dessa varejista que, até a noite de 11 de janeiro deste ano, era considerada uma das maiores do país, capitaneada pelo trio de bilionários sócios da empresa de private equity 3G Capital, muito bem-sucedidos em seus negócios.

De 'inconsistências contábeis' a 'fraude sofisticada'

A Americanas adiou por quatro vezes a publicação do balanço do ano passado —previsto originalmente para o final de março, passou para maio, depois para o fim de outubro, para 13 de novembro e agora para o dia 16. No último dia 13, a empresa justificou o novo atraso dizendo ter sido "vítima de uma fraude sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a compilação e análise de suas demonstrações financeiras históricas uma tarefa extremamente desafiadora e complexa."

Na noite de 11 de janeiro deste ano, a Americanas divulgou um fato relevante ao mercado informando sobre "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões, o que levou à renúncia do então CEO Sergio Rial e do principal executivo de finanças, André Covre, ambos recém-empossados.

Em 19 de janeiro, a empresa entrou em recuperação judicial, com dívidas declaradas de R$ 42,5 bilhões. Os maiores bancos do Brasil são os principais credores da varejista, e foi com eles que a empresa deu início a uma verdadeira batalha nos tribunais: as instituições financeiras não aceitavam receber calote da companhia, até então uma das maiores do setor de varejo do país, que tinha livre acesso a crédito.

Em junho, a empresa assumiu fraude nos balanços. Relatório elaborado por assessores jurídicos que acompanham a Americanas desde que ela entrou em recuperação judicial apontou que demonstrações financeiras da varejista vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da empresa, o que inflou seus resultados em R$ 25,3 bilhões —esse foi o lucro fictício acumulado ao longo dos últimos anos (a companhia não informou ainda quantos anos).

A antiga diretoria da Americanas atravessou décadas na empresa. À exceção do ex-CEO Miguel Gutierrez, que se aposentou ao final de 2022 para passar o bastão a Rial, os demais diretores foram afastados semanas depois de o escândalo vir à tona.

A atuação dos três principais acionistas da varejista —também esteve sob escrutínio. Conselheiro da companhia, Sicupira foi apontado como o representante do trio diretamente ligado ao dia a dia da Americanas. Mas, em depoimento à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), disse que ficou 'em choque' ao receber ligação de Rial para tratar do escândalo contábil.

No final de setembro, a CPI (comissão parlamentar de inquérito) que investigava a Americanas encerrou suas atividades sem apontar culpados.

"Acreditamos que a companhia estará pronta para renovar seu papel de relevância no varejo brasileiro através de uma proposta completa tanto em sua omnicanalidade quanto nos produtos financeiros disponíveis a nossos clientes", diz a mensagem da diretoria, que acompanha as demonstrações financeiras divulgadas nesta quinta.

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