Descrição de chapéu BNDES

BNDES tem alta no lucro, mas pressiona TCU e manda recado a governadores e bancada ruralista

Banco diz que terá de cortar empréstimos a estados e setor agrícola caso não consiga aval do tribunal para reprogramar devolução ao Tesouro

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Rio de Janeiro

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) teve alta de 21,3% no lucro líquido no terceiro trimestre de 2023, ante igual período do ano passado, enquanto os desembolsos para investimentos na economia cresceram 18,4% no mesmo intervalo de comparação.

Os dados constam em balanço divulgado pela instituição nesta sexta-feira (17). Apesar dos números positivos, a direção do banco estatal dedicou parte da apresentação para traçar um cenário mais pessimista caso não consiga alongar suas transferências ao Tesouro Nacional.

Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, discursa em seminário realizado na sede do banco no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 20.mar.2023/Folhapress

Como mostrou a Folha, a área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou a rejeição do pedido do BNDES para rever o cronograma de devolução de repasses feitos pelo Tesouro –considerados irregulares– em gestões anteriores do PT.

O banco pretende dividir em oito parcelas anuais, até 2030, os R$ 22,6 bilhões que tem de devolver à União neste mês de uma só vez. O objetivo é manter valores em caixa para permitir a concessão de novos empréstimos sem o risco de precisar captar recursos no mercado, com custo maior para a instituição. O tema ainda deve ser analisado pelo plenário do TCU.

"Se tivermos de fazer uma antecipação de R$ 22,6 bilhões agora, qual é a providência que vamos ter de tomar, que evidentemente impacta a liquidez do banco? Teríamos que retardar aprovações, desacelerar e cortar desembolso", disse Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, em entrevista nesta sexta.

Mercadante também mandou um recado a governadores e à bancada ruralista no Congresso, caso o banco não consiga o resultado desejado junto ao TCU.

"Temos, por exemplo, R$ 19,4 bilhões para governadores. Faz sentido o país parar metrô, estrada, investimentos estruturantes do governo do Estado para fazer uma antecipação que não tem nenhum impacto sobre o orçamento público?", questionou.

"Se isso for feito, vamos ter de suspender crédito para a agricultura. Já estou avisando antecipadamente à bancada ruralista. Vai ter de cortar."

O presidente do banco avaliou que existe base técnica para a reprogramação dos pagamentos e procurou destacar que o BNDES conta com o respaldo do Ministério da Fazenda nesse pedido.

"A economia está desacelerando. O BNDES tem o papel de fazer uma política anticíclica", declarou Mercadante, que disse confiar em um desfecho positivo junto ao TCU.

Lucro de R$ 2,9 bilhões

Conforme o balanço, o lucro líquido recorrente do banco foi de R$ 2,9 bilhões no terceiro trimestre, o que corresponde à alta de 21,3% ante igual período do ano passado.

O indicador desconsidera eventos considerados pontuais, que não tendem a se repetir. "O BNDES aumentou o resultado recorrente na sua atividade principal, que é crédito, intervenção financeira. Isso é bastante relevante", afirmou Alexandre Abreu, diretor financeiro do banco.

O lucro líquido contábil, que vai além de fatores usuais, foi maior, de R$ 4,9 bilhões, no terceiro trimestre. Esse resultado teve impulso dos dividendos da Petrobras.

"Não consideramos [os dividendos da estatal] no lucro recorrente porque eles têm sido grandes e achamos que no futuro tendem a diminuir", apontou Abreu.

Os desembolsos, por sua vez, somaram R$ 34,8 bilhões no terceiro trimestre, o que representa o aumento de 18,4% ante igual período de 2022. São recursos destinados a diferentes setores da economia.

A alta dos desembolsos está em linha com a política defendida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vê a necessidade de aumentar o papel do BNDES como financiador de grandes projetos.

"O objetivo do banco não é o lucro. O objetivo é fazer o país crescer, financiar o crescimento", disse Mercadante.

Banco tenta chegar a 2% do PIB

O BNDES indicou nesta sexta que prevê desembolsar montante equivalente a 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023. A partir daí, a instituição elaborou três cenários.

Em um horizonte mais conservador, com restrições de liquidez, o plano é manter o patamar de 1,1% até 2026. No cenário intermediário (base), o percentual subiria gradualmente a 1,4% no mesmo período.

Por fim, a visão mais otimista estima desembolsos equivalentes a 2% do PIB em 2026. Essa projeção já havia sido apresentada pelo banco em março. Segundo o BNDES, seria a volta ao patamar verificado em uma média do passado, antes do impulso a financiamentos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).

"O objetivo de chegar a 2% do PIB continua, mas não depende só do banco. Depende de haver demanda", afirmou Nelson Barbosa, diretor de planejamento e estruturação de projetos do BNDES.

"Quem vai dizer qual cenário será mais factível serão as ações do banco, mas principalmente a evolução da economia e a disponibilidade ou não de alternativas de captação."

Desembolso à indústria sobe, mas setor segue atrás do agro

De janeiro a setembro de 2023, os desembolsos do BNDES chegaram a R$ 75,4 bilhões. O valor corresponde a uma alta de 19,9% ante igual intervalo de 2022.

Nesse mesmo recorte, os financiamentos cresceram para os quatro grandes setores da economia analisados (infraestrutura, agropecuária, indústria e, juntos, comércio e serviços).

Na indústria, os desembolsos alcançaram R$ 16,7 bilhões de janeiro a setembro, o que representa uma alta de 34%. Foi o maior crescimento relativo entre os setores.

A atual direção do BNDES vem insistindo na ideia de que é preciso fornecer mais crédito para as fábricas como parte de um esforço para "reindustrializar" o país.

Mesmo com o aumento, a indústria ainda recebeu menos dinheiro do que a agropecuária, estimulada em 2023 pela safra recorde.

No acumulado de janeiro a setembro deste ano, esse segmento obteve R$ 18,3 bilhões em desembolsos do BNDES, alta de 23,1%. Considerando o período de nove meses, a última vez em que a indústria superou a agropecuária ocorreu em 2017.

O setor de infraestrutura segue como o principal alvo dos recursos. No acumulado deste ano, recebeu R$ 28,2 bilhões em desembolsos, um avanço de 7,2%.

Em comércio e serviços, o montante foi de R$ 12,3 bilhões no mesmo período. O crescimento alcançou 31,8% ante 2022.

Mercadante voltou a afirmar que a maior parte dos recursos de crédito do BNDES (cerca de 82%) não é subsidiada. "Onde tem [subsídio] é no Plano Safra."

Venda de ações

O presidente ainda declarou que o BNDES pode vender ações de sua carteira, desde que haja retorno para a instituição. "Não vamos queimar capital do banco. Defendemos aquilo que é patrimônio público. Em empresas maduras, podemos vender as carteiras, evidentemente, mas no momento que traga retorno", disse.

Como mostrou a Folha, o BNDES mantém investimentos correspondentes a cerca de R$ 60 bilhões em ações de grandes companhias da Bolsa, enquanto o país discute investimentos.

Embora o dinheiro com a venda de papéis não possa ser usado para ajudar o governo a alcançar resultado fiscal, o recurso poderia ser destinado a linhas de financiamento do banco para fomentar infraestrutura, por exemplo.

"Alguém ganhou, e parece que quer ganhar de novo, mas não com essa diretoria. Quem vai ganhar é o Tesouro, o povo, o BNDES", disse Mercadante.

O balanço ainda apontou que a taxa de inadimplência ficou em 0,01% em 30 de setembro de 2023. É o mesmo percentual de 30 de junho e está abaixo da marca de 0,13% em 31 de dezembro de 2022.

"Essa taxa permanece expressivamente inferior à inadimplência do Sistema Financeiro Nacional (3,49% geral e 1,33% para grandes empresas), comprovando que o BNDES não sentiu os efeitos da piora do mercado de crédito em sua carteira própria e indireta", disse a instituição em nota.

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