Mais bombom, menos celular: como será a 'nova Americanas'

Varejista vai reforçar categorias fortes, como guloseimas, e deixar a venda de itens mais caros para terceiros no online

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São Paulo

A varejista Americanas, em recuperação judicial desde janeiro, com dívidas declaradas de R$ 42,3 bilhões e prejuízo de R$ 12,9 bilhões no ano passado, precisa se transformar em um novo negócio para continuar operando.

A reestruturação da companhia passa por um maior foco em categorias que são destino dos consumidores –como guloseimas, limpeza e brinquedos–, deixando os itens de maior valor agregado, como linha branca, notebook e smartphones para os varejistas parceiros do canal online ("sellers"), diz o presidente da Americanas, Leonardo Coelho, que assumiu a empresa em fevereiro.

"Nós também queremos reforçar o mix de utilidades domésticas, com eletroportáteis como sanduicheiras, air fryer, chapinha", disse Coelho à Folha.

"A ideia é voltar ao passado, ao perfil de loja de conveniência e variedades da Americanas, aquele lugar onde o consumidor vai encontrar o que ele procura", diz Coelho, que participou na manhã desta quinta-feira (16) de uma teleconferência com analistas de mercado para apresentar o balanço de 2022 da Americanas, dar detalhes de como ocorria a fraude por parte da antiga diretoria e indicar os próximos passos da varejista.

.prateleira de chocolates onde se lê em um cartaz 5 por R$ 10
Promoção de chocolates na loja Americanas da rua Direita, centro de São Paulo - Folhapress

Segundo o executivo, a clientela da Americanas faz visitas diárias para comprar guloseimas e bomboniere. "Nós temos grande recorrência de compra e fluxo de clientes nas lojas. Nosso tíquete médio é baixo e não representa uma fatia considerável do orçamento dos consumidores", afirma.

O plano da empresa é voltar a gerar caixa só em 2025, quando pretende atingir um Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de mais de R$ 1,5 bilhão. Até lá, a empresa terá mais despesa do que receita.

Para isso, uma das principais medidas em andamento é usar a inteligência artificial para a precificação dos itens. "Até o início do ano, todas as lojas em nível nacional adotavam o mesmo preço para o mesmo produto", diz Coelho. "Com isso, víamos distorções, como um item ser muito barato para as regiões Sul e Sudeste e muito caro para o Norte e Nordeste, por exemplo."

Cada uma das mais de 1.700 lojas da empresa no país também adotavam uma modulação própria, ou seja, um mix de produtos particular, de acordo com a sua demanda. "Isso tornava complexa demais a operação, além de aumentar muito os nossos custos logísticos", afirma o executivo. Agora, a varejista vai separar as 1.759 lojas das Americanas em cinco perfis diferentes, cada um com um tipo de mix, que vai de 10 mil a 14 mil itens.

"Essa composição dos produtos vai seguir algumas variáveis, como renda, demografia e vizinhança", diz Coelho. "Não será mais intuitiva, como era feito antes", afirmou o executivo, para quem é fundamental entregar o produto certo, no preço que faz sentido para cada loja.

'Não vamos ser concorrentes do Mercado Livre'

Outra frente na reestruturação será a mudança nas operações online. De acordo com a varejista, a empresa não vai mais privilegiar a venda do próprio estoque (chamado de '1P' no jargão da internet), e sim a venda dos varejistas parceiros, os "sellers" (ou '3P').

"Não vamos ser concorrentes do Mercado Livre, pelo menos no curto prazo", diz Coelho, ressaltando que o impacto da crise foi maior na operação digital, que afetou tanto o número de visitas quanto a conversão de vendas. "Também provocou uma redução do número de sellers ativos na nossa plataforma, uma vez que os parceiros tinham dúvidas se a Americanas iria cumprir os repasses". Segundo o executivo, hoje a Americanas conta com 150 mil sellers cadastrados, mas apenas 50 mil estão ativos.

A empresa procurou reduzir o estoque próprio online, onde as margens são mais apertadas, e ampliou a participação de sellers de menor porte. Entre janeiro e outubro, 9.000 pequenos vendedores online passaram a integrar o marketplace da Americanas, que fica com uma comissão sobre as vendas.

"Ampliamos a possibilidade de repasses semanais aos sellers. Também criamos o 'Americanas Vendas Mais', um programa para definir a melhor estratégia conjunta de vendas", afirma.

A ideia, agora, é trabalhar com o conceito de prateleira infinita: se o consumidor chega à loja e não tem o produto, pode encomendá-lo online a partir de um fornecedor. A loja também será usada cada vez mais como ponto de retirada de produtos comprados no comércio eletrônico. "O gerente da loja não era incentivado a apresentar o ponto de venda como um ponto de entrega dos produtos comprados online, mas agora é", diz ele.

Outra frente de atuação na tentativa de colocar a Americanas de pé é a venda de espaços publicitários para os grandes fornecedores, seja na loja física ou online. "Podemos oferecer desde bunners ou campanhas especiais no site até espaços na própria loja, como mídia interna", diz. São exemplos deste tipo de mídia na loja os telões e as capas de antena de segurança (os controles de acesso na entrada da loja).

Também a fintech Ame integra o redesenho da "nova Americanas". "A Ame agrega conhecimento de perfil de renda, com um programa de fidelidade que está na fase final de redesenho, para oferecer uma política inteligente de cashback", afirma.

Já as operações do hortifruti Natural da Terra e Uni.co (dono das marcas Imaginarium e Puket) continuam temporariamente no grupo, embora a empresa tenha a intenção de vendê-las. "Mas não vão ser oferecidas a preço de liquidação", diz Coelho.

Na visão do principal executivo da varejista, existe muita sinergia a ser captada dentro do grupo Americanas. "A fraude tomava tempo importante da antiga gestão e demandava isolamento das áreas em feudos", diz. "As operações ficavam subordinadas a planilhas de Excel, para a criação de um lucro fictício. Mas agora as diversas áreas da companhia começam a se integrar", afirma Coelho.

Terceiro escalão demitido e possibilidade de fechar mais 100 lojas

De acordo com o executivo, a maior parte do terceiro escalão da companhia –os gerentes que se reportavam aos diretores afastados em fevereiro e depois demitidos– também foram desligados. "Não necessariamente porque participaram da fraude", afirma. "Mas eventualmente porque tinham uma outra cultura empresarial. Antes se trabalhava menos e ganhava-se muito, como resultado da fraude. Agora vamos trabalhar mais e ganhar menos."

Apesar de ressaltar a importância da loja física na estratégia da "nova Americanas", Coelho não descarta mais fechamento de lojas. Entre janeiro e 5 de novembro, foram encerradas as operações de 121 pontos de venda. "Estamos readequando a operação a uma nova realidade, vamos manter as lojas que fazem sentido dentro da estratégia da companhia", afirma. Para ele, porém, a Americanas não deve ficar com menos de 1.600 lojas.

O executivo acredita na manutenção do negócio, ancorado em dois fatores em especial: a capilaridade da varejista, presente em todos os estados do país e no Distrito Federal, e "o carinho dos clientes em quase 100 anos de história."

"Pesquisas realizadas no primeiro semestre do ano, na fase mais aguda da crise, apontou que 76% dos consumidores associavam a marca a uma memória afetiva", diz Coelho. "E mais de 90% dos entrevistados acham que Americanas deve superar esta crise."

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