O apagão em São Paulo que deixou 2,1 milhões de pessoas sem luz e provocou prejuízos em série serviu de munição para deputados estaduais contra a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em pauta na Assembleia Legislativa.
A distribuição de eletricidade na região metropolitana é de responsabilidade desde 2018 da italiana Enel. Na sexta-feira (3), temporal com ventos de mais de 100 km/h afetou o fornecimento de energia.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, tem buscado distanciar a crise do setor elétrico da tramitação da proposta de privatização da Sabesp.
"Esse lamentável episódio deixa um alerta sobre o que pode acontecer com o serviço de água e esgoto de São Paulo se o [governador] Tarcísio [de Freitas (Republicanos)] levar à frente a loucura de vender a Sabesp", diz o deputado Emídio de Souza (PT).
Segundo ele, "o prejuízo que a Enel causou ao povo paulista é resultado da política privatista". "Estamos lutando, tomando medidas judiciais, apontando os atropelos desse processo e vamos seguir até barrar", afirma ele.
Emídio preparou um mandado de segurança, a ser apresentado ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) nesta quarta-feira (8), contra a privatização da Sabesp. O documento recebeu o apoio de 19 parlamentares do PT, PSOL e PCdoB.
Segundo o líder do partido na Alesp, Paulo Fiorilo, "as concessões realizadas no estado têm resultado muito ruim".
"Não é só a Enel, mas a ViaMobilidade [que gere as linhas 5 do Metrô e 8 e 9 da CPTM] na questão de transporte; a telefonia móvel, cuja cobertura não chega a todo o estado e ficam empurrando esse problema. No caso da Sabesp, a gente ainda pode corrigir isso", diz, citando o fato de que a empresa de energia "diminuiu o número de funcionários para aumentar o lucro".
Reportagem da Folha desta segunda-feira (6) mostrou que o número de funcionários caiu em 35% depois que a Enel assumiu a operação da energia elétrica em São Paulo, entre 2019 e 2022, mesmo período em que o lucro cresceu de R$ 777 milhões para R$ 1,4 bilhão.
Fiorilo afirma que reunião convocada por Tarcísio com empresas do setor elétrico na segunda "mostra que o governo sentiu o golpe".
O próprio governador criticou o contrato com a Enel e tentou afastá-lo da privatização da Sabesp na ocasião.
"A grande diferença é que a Sabesp vai continuar sendo a prestadora do serviço e o estado continua na Sabesp, com um contrato que vai ter muito claro quais são as obrigações contratuais. Não é um contrato aberto, não é um contrato frouxo. É um contrato muito descritivo em termos de servidões. Então, é um modelo absolutamente diferente desse modelo do setor elétrico", afirmou o governador.
Segundo a Fhoresp (Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares de São Paulo), o apagão provocou prejuízos estimados na casa dos R$ 500 milhões no setor ao afetar quase 14 mil empresas de alimentação e turismo. A entidade representa 24 sindicatos patronais.
O paralelo entre privatização da Sabesp e qualidade do serviço prestada pela Enel não se restringiu à esquerda. Um grupo de economistas e advogados que integrou o governo Jair Bolsonaro (PL) deve procurar o STF (Supremo Tribunal Federal) contra a privatização da Sabesp, conforme informou coluna Mônica Bergamo.
Entre eles está o advogado Fabio Wajngarten, que comandou a Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro e defende que a empresa de saneamento é "um ativo estratégico do país".
"Em teoria, a privatização é maravilhosa. Bairros inteiros de São Paulo estão no escuro há mais de 30 horas", escreveu em rede social no fim de semana.
Em entrevista ao Painel, da Folha, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil) afirmou que "o ambiente [para a privatização] ficou ruim, piorou muito" após o apagão.
"É repercussão de um mau serviço depois de uma privatização", afirmou.
Relator do projeto de privatização da Sabesp na Alesp, o deputado Barros Munhoz (PSDB) defende a desestatização e afirma que a proposta para a companhia de saneamento é diferente do que ocorre com a Enel, que ele diz prestar "um serviço catastrófico em São Paulo."
"São coisas totalmente distintas. No caso da Sabesp, vamos criar um fundo de apoio ao saneamento básico e promover a universalização, porque os índices no Brasil são vergonhosos", afirma o deputado.
Munhoz diz também que o projeto deve ser aprovado na Casa até o começo do mês de dezembro.
O deputado estadual Guto Zacarias (União Brasil), ativista do MBL (Movimento Brasil Livre) e também favorável à privatização da Sabesp, afirma que a oposição "usa o caso da Enel como espantalho".
Zacarias também critica a gestão da Enel, porque "manteve um monopólio privado". "O que eu defendo, principalmente em privatizações, é uma abertura comercial, que mais empresas possam entrar nesse mercado e criar competição", diz.
Em entrevista à Folha nesta segunda, o presidente da Enel, Nicola Cotugno, se defendeu das críticas e afirmou que a empresa não deve desculpas, porque o apagão ocorreu após vendaval que classificou como "absurdo".
"Não teve negligência nossa. Não é para nos desculparmos, não. Foi algo excepcional. Quando chega um furacão no Texas, o problema não é a empresa elétrica, é o furacão", disse.
"Aqui estamos acostumados com eventos menores. Mas, se olharmos de uma forma racional e não emocional, a gente está fazendo um trabalho incrível por um fenômeno pelo qual não tivemos controle", afirmou Cotugno.
Colaborou Thiago Bethônico
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