Primeiros leilões do governo Lula 3 têm poucos interessados e frustram expectativas

Juros altos e contratos problemáticos do passado diminuíram atratividade das concessões feitas em 2023

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São Paulo

Os primeiros leilões de estradas, portos e aeroportos da atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram uma característica em comum: o baixo número de interessados em disputar os ativos.

A maioria dos certames contou com apenas dois concorrentes, número fraco diante do histórico brasileiro e considerado frustrante pelo setor. Há uma década, licitações tinham quase uma dezena de interessados.

De janeiro de 2023 para cá, o governo federal transferiu à iniciativa privada sete ativos de infraestrutura. Foram dois lotes de rodovias no Paraná, um aeroporto no Rio Grande do Norte —que passou por relicitação— e quatro terminais portuários no Nordeste.

Havia ainda um leilão de terminal em Porto Alegre previsto para agosto, que foi cancelado por falta de propostas. Com isso, as licitações de 2023 tiveram média de 1,8 participante.

Com extensão total de 605 quilômetros, o lote 2 de rodovias do Paraná teve um único interessado - Divulgação/Governo do Paraná

Especialistas e representantes do setor apontam que não há um único motivo para a baixa competitividade dos primeiros leilões de Lula 3. No entanto, afirmam que os juros elevados e o fantasma das concessões problemáticas de outras gestões petistas ajudam a explicar o atual desinteresse da iniciativa privada nos ativos.

Os números fracos vêm em um momento em que o governo movimenta suas fichas para fazer da infraestrutura uma de suas vitrines.

Além dos bilhões prometidos pelo Novo PAC, o Ministério dos Transportes anunciou uma nova política de leilões, entre outras medidas para melhorar o ambiente regulatório, atrair capital e destravar investimentos.

A pasta trata o tema como prioridade, e o ministro Renan Filho já disse que o governo espera fazer 35 leilões nos próximos quatro anos.

As últimas concessões feitas foram de estradas no Paraná, que somam 1.077 quilômetros de vias. O primeiro lote, leiloado em agosto, teve dois concorrentes. O outro pacote, concedido no mês seguinte, contou com um único interessado.

O número de participantes fica bem abaixo do que foi visto na era pré-Lava Jato —operação que abalou o setor de infraestrutura brasileiro.

Em 2013, por exemplo, o leilão da BR-040 teve cinco concorrentes. No ano anterior, a concessão da BR-101 teve oito grupos disputando o ativo. Já a BR-163, licitada em 2013, teve seis participantes.

Para Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, a falta de atratividade não é reflexo de um problema com o atual governo.

"O maior fator é a taxa de juros, o custo financeiro. Um projeto de infraestrutura de longo prazo pressupõe a existência de uma taxa de retorno do investimento, a TIR [taxa interna de retorno], que remunera o capital investido pelo empreendedor. Com uma Selic a 12,25% que temos hoje, fica mais complexo atrair o capital privado para investimentos que pressupõem a assunção de riscos", diz.

Graziano lembra que concessões de infraestrutura são projetos intensivos em capital. No atual contexto de juros altos no mundo todo, faz mais sentido para o investidor aplicar em algo com retorno garantido do que alocar recursos em projetos que têm risco de construção, risco político, entre outros.

Avaliação parecida é feita por Natalia Marcassa, CEO do Moveinfra, associação que reúne seis dos principais grupos de infraestrutura do país, como CCR, Ecorodovias, Rumo, Santos Brasil, Ultracargo e Hidrovias do Brasil.

"A taxa de juros está alta, nós não vemos grande atratividade no retorno desses projetos que foram montados, e também não vemos um banco [BNDES] com uma política, não de taxa de juros subsidiadas, mas que seja anticíclica", diz.

Segundo ela, o BNDES poderia voltar a oferecer o chamado empréstimo-ponte, que é focado no curto prazo.

"Se eu tomo um financiamento agora numa taxa de juros muito alta, que sabemos que nos próximos anos vai com tendência de baixa, eu vou ficar casada nesta taxa alta. Isso acaba afastando investidores, porque todos esses projetos dependem de financiamento."

Leilões de 2023 tiveram baixa concorrência

Média foi de 1,8 participante

  • Lote 1 rodovias Paraná

    2 participantes

  • Lote 2 rodovias Paraná

    1 participante

  • Aeroportos de São Gonçalo do Amarante (RN)

    2 participantes

  • Terminal portuário TMP Fortaleza

    1 participante

  • Terminal portuário MAC 12 (Alagoas)

    3 participantes

  • Terminal portuário MAC 11 (Alagoas)

    2 participantes

  • Terminal portuário MAC 11A (Alagoas)

    2 participantes

  • Terminal portuário POA01 (Porto Alegre)

    Leilão cancelado por falta de interessados

À Folha uma pessoa diretamente envolvida com as concessões recentes do Paraná disse que grupos interessados nos lotes abandonaram a disputa dias antes do leilão por questões econômicas. A taxa de retorno estava na casa dos 8%.

Segundo essa pessoa, que pediu anonimato, é possível enxergar a ausência de interessados como um fracasso para o governo. Empresas estrangeiras que possuem investimentos no Brasil não têm apresentado propostas nos leilões recentes, enquanto disputam concessões em outros países, como Grécia.

Para ela, a baixa competitividade deveria fazer o governo repensar o cronograma dos próximos leilões. A constatação é de que as empresas nacionais não estão com fôlego, e as internacionais, sem interesse.

A próxima concessão de rodovia está marcada para novembro deste ano. Será a BR-381. Na fila, também estão previstos os leilões das BR-040 e BR-495 (Rio-BH), além do trecho conhecido como Rota dos Cristais —entre Belo Horizonte e Cristalina (GO).

No setor portuário, o governo deve leiloar mais dois terminais portuários em 2023: Itaguaí (RJ) e Vila do Conde (PA).

O Ministério dos Transportes disse, em nota, que a média de proponentes em leilões dos últimos seis anos não foi muito maior que um, e que acredita em um aumento de competidores para os próximos.

Sobre as estradas do Paraná, a pasta afirmou que os lotes incorporaram só algumas melhorias da nova política de concessões. "Mas ainda não foram suficientes para ampliar a atratividade."

O ministério diz que já espera ver mais competidores no próximo leilão, da BR-381. "Nossa aposta maior é a partir do leilão da BR-040/GO, que já vai adotar todas as mudanças da nova política pública."

A pasta ainda afirmou que aposta nos chamados roadshows (apresentação a investidores) para aumentar a atratividade.

Também por nota, o Ministério dos Portos e Aeroportos relativizou o baixo número de participantes em concessões recentes.

"Considera-se que o êxito de um leilão de infraestrutura não é determinado necessariamente pela quantidade de participantes do certame. O principal objetivo é que a infraestrutura seja de fato concedida à iniciativa privada, obedecidos todos os requisitos trazidos no instrumento licitatório", disse, acrescentando que a qualidade dos agentes econômicos interessados também é relevante.

Sobre os terminais portuários, a pasta disse ter visto um grande entusiasmo do mercado, reiterado nos leilões, que tinham lances mínimos de R$ 1.

"O grande interesse de mercado nesses ativos e a disputa acirrada, durante a fase do leilão de lances a viva voz, resultou em um valor global de outorga de R$ 208,1 milhões, muito superior ao valor mínimo esperado, indicando o sucesso do leilão e a alta atratividade da modelagem elaborada e condições de participação."

Fantasma das concessões problemáticas

Outro fator que ajuda a explicar o baixo interesse nos leilões deste ano são as concessões problemáticas do passado.

Uma série de rodovias, aeroportos e ferrovias administrados pela iniciativa privada está com problemas, o que inclui desequilíbrio financeiro, obras atrasadas e investimentos não realizados. No jargão do setor, são os chamados "contratos estressados".

O próprio Ministério dos Transportes admite que muitas empresas não estão participando dos leilões por causa desse problema.

Atualmente, grupos de infraestrutura vêm mantendo conversas com o governo federal para buscar soluções para esses pontos.

"As companhias acabam tendo balanço comprometido por esses ativos, além de ter de ficar explicando para os investidores por que esse assunto não se resolve. Aí o investidor tem menos apetite de entrar num negócio novo", diz Marcassa, do Moveinfra.

Para Graziano, o medo de frustração com a viabilidade dos contratos —considerando o histórico recente de ativos sendo devolvidos ou em péssima situação financeira— também explica o desinteresse, mesmo com os esforços do governo para resolver os problemas.

Fernando Vernalha, advogado especialista em infraestrutura, pensa diferente e não acha que o histórico de contratos problemáticos possa ter afugentado interessados.

"Claro que tem algumas sinalizações ruins para o mercado, como o governo não ter reequilibrado os contratos quando deveria fazê-lo", diz. "É dessas sinalizações que se constrói o ambiente institucional e jurídico para o desenvolvimento de programas de parceria. Mas isso, por si só, não é determinante para que tenhamos uma desconfiança do mercado", acrescenta.

Vernalha aponta outras causas que considera mais relevantes, como a alta concentração de mercado. Segundo ele, com poucos players, o setor de infraestrutura fica mais seletivo.

"O problema não tem uma explicação simples. É um conjunto de vários fatores, que une insegurança jurídica, percepção de risco do país... Todos esses elementos somados criam a falta de atratividade", afirma Graziano.

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