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STF julga com mais rapidez ações de vínculo de emprego, e uberização chega ao plenário

Corte vai analisar caso de entregador do Rappi em decisão que pode servir de base em todo o Judiciário

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São Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) julga com mais rapidez ações questionando vínculos de emprego do que pedidos que tratam de outros temas.

Os ministros vêm acumulando decisões para liberar contratos distintos do previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), segundo levantamento do grupo de pesquisa Trabalho e Desenvolvimento da FGV Direito SP.

Decisões monocráticas sobre terceirização, pejotização e uberização mostram a recorrência do debate. A rapidez com que os ministros julgam também chama a atenção.

Ministros e o presidente Lula em sessão solene de abertura do Ano Judiciário no STF; plenário vai decidir nesta quinta sobre vínculo entre entregador e aplicativo - Pedro Ladeira - 1º.fev.24/Folhapress

Segundo o levantamento da FGV, 15,7% das reclamações constitucionais —instrumento usado para derrubar uma decisão de instância inferior que supostamente afronta precedentes do STF— recebem uma decisão monocrática no mesmo dia ou, no máximo, no dia seguinte à chegada do caso que questiona formas de contratação.

Por se tratar de reclamações, a análise tende a ser de fato mais célere, mas em tema trabalhista a agilidade é ainda maior. Ao versarem sobre outros temas, apenas 6,29% dos casos foram julgados no mesmo período.

Os dados inéditos, aos quais a Folha teve acesso, integram a segunda etapa da pesquisa "Terceirização e Pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais, cuja primeira fase foi finalizada em novembro".

De acordo com o estudo de Olívia Pasqualeto, Ana Laura Barbosa e Laura Fiorotto, os ministros proferem uma decisão em até cinco dias em 33,19% das reclamações sobre reconhecimento de vínculo de emprego. Nos casos gerais, o índice cai para 21,27%.

Quase metade (48%), de um total de 167 decisões, entre janeiro e agosto do ano passado, derrubou o entendimento da Justiça do Trabalho —um número considerado elevado.

Segundo Barbosa, o volume alto de reclamações sobre vínculos de emprego (12,66% do total, em 2023) e a organização do trabalho nos gabinetes da corte são hipóteses para explicar a maior velocidade de análise.

"Sendo muitos os casos, eles acabam sendo julgados mais rapidamente. Então, o volume pode contribuir para isso [tempo mais curto para julgamento], pensando em uma organização do gabinete que procure otimizar mais o trabalho", diz.

Pasqualeto reforça esse entendimento. "Em direito trabalhista, sabemos que há muito esse tema [reconhecimento de vínculo de emprego]. Talvez, a existência de pouca variedade [de outros temas] possa contribuir para que a decisão seja mais replicada", afirma.

A uberização do trabalho terá o debate ampliado no STF. Pela primeira vez, o plenário da corte vai decidir sobre o tema. O julgamento estava marcado para esta quinta-feira (8), mas não chegou a ocorrer. A expectativa é o caso volte à pauta na quinta-feira (21), mas a data não está definida.

O tema a ser enfrentado pelo colegiado traz como pano de fundo, segundo especialistas ouvidos pela Folha, a licitude de contratos além da carteira assinada, prevista na CLT.

O caso concreto a ser julgado é o de um condutor do Rappi, que teve o vínculo de emprego reconhecido na esfera trabalhista.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, suspendeu o processo e, em outra reclamação, movida pelo Cabify, já havia negado a carteira de trabalho e enviado a ação à Justiça comum. A Primeira Turma, por unanimidade, derrubou a decisão trabalhista.

Em comum, ministros usam fundamentação similar para derrubar uma decisão de instância inferior. Além disso, recorrem a precedentes, que, em conjunto, mostram que outros contratos são permitidos.

Entre eles estão decisões da corte que reafirmam contratos no transporte rodoviário sem vínculo de emprego, autorizam terceirização em qualquer atividade e consideram lícita qualquer outra forma de divisão do trabalho.

Para Pasqualeto, os ministros fazem uma interpretação ampliada da jurisprudência, e afirma que o caso concreto em análise neste momento é mais importante do que o tempo que se leva no julgamento.

"Em pejotização, a gente já está vendo que o STF tem validado [o contrato]. No caso da uberização, talvez essa decisão, se vier no sentido de negar o vínculo, ajude a pacificar as decisões da Justiça do Trabalho", diz ela, que ressalta, no entanto, não ser unânime a visão de reconhecimento de vínculo nesse ramo do Judiciário. Na pejotização, cabe à Justiça do Trabalho analisar eventuais fraudes e coibi-las.

Já a advogada Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht Advogados, destaca os precedentes do STF. "Essas decisões podem estar tendo um trâmite mais rápido porque já existe um convencimento, já existe uma decisão firmada."

Segundo ela, que defende empresas que contestam o reconhecimento de vínculo em caso de pejotização, a decisão da corte no caso da uberização pode reforçar o entendimento da licitude de outros contratos.

"A gente tem uma insegurança jurídica grande com essa matéria. No entendimento mais amplo, isso também seria usado para todos os outros segmentos que usam formas diversas de contratação, como terceirização, pejotização e autônomo", diz.

Esse histórico de decisões aumenta a expectativa de vitória no plenário do STF no caso do Rappi, afirma Daniel Domingues Chiode, sócio do escritório Chiode Minicucci | Littler, que representa o app na ação.

Chiode é responsável por outros processos nos quais faz a defesa das empresas de aplicativo. Segundo ele, os argumentos que apresenta aos ministros são todos com base em decisões já tomadas pelo STF.

"A gente está confiante no que o Supremo já decidiu. Eu não trouxe uma tese inovadora, eu juntei tudo o que o Supremo já tinha decidido em uma tese só, mostrando que a Justiça do Trabalho não está respeitando [precedentes]", diz.

O advogado reconhece que existe um vácuo legislativo no Brasil sobre a atividade de motorista de aplicativo, mas, para ele, a falta de regulamentação não leva a uma relação automática de registro em carteira de trabalho. "É um contrato civil", afirma.

A tese do advogado ganhou força após a PGR (Procuradoria-Geral da República) mudar o posicionamento sobre os apps. Antes, a PGR acreditava que havia vínculo empregatício pela CLT, agora fala em trabalho autônomo.

Em nota, o Rappi afirma que a discussão será "uma sinalização importante" para as plataformas digitais, trazendo segurança jurídica e garantindo "continuidade desse setor econômico".

"Estamos diante de um novo modo de organização da prestação de serviço e da tecnologia, trazendo particularidades a esse tipo de trabalho, de forma que a legislação atual ainda não contempla", diz a empresa.

A plataforma afirma ainda que os motoristas são livres para escolher o momento e o local onde vão se conectar para trabalhar, e, por isso, não haveria vínculo.

O Rappi diz ainda ter contribuído com o grupo de trabalho composto por empresas, governo e centrais sindicais, do qual deve sair um projeto de lei com a regulamentação da atividade em apps.

A previsão era entregar a minuta até o final de 2023, o que não ocorreu. A divulgação da proposta poderá ser feita após o dia 20 de fevereiro. Procurado, o STF não respondeu até a publicação deste texto.

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