Descrição de chapéu The New York Times

Falência de marcas de luxo online põe em dúvida modelo de negócio

Outrora queridinhas, empresas como Farfetch e MatchesFashion somam dívidas e queixas de credores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Elizabeth Paton
Londres | The New York Times

Rosh Mahtani, fundadora da marca de joias Alighieri, está celebrando o 10º aniversário de sua empresa neste ano. Suas peças folheadas a ouro feitas à mão, inspiradas na "Divina Comédia" de Dante Alighieri, a tornaram vencedora do Prêmio Rainha Elizabeth 2ª de Design Britânico e uma presença constante nos vendedores de comércio eletrônico de luxo.

Durante a Semana de Moda de Paris no mês passado, compradores foram ao seu showroom para selecionar peças para a próxima temporada, incluindo a MatchesFashion, uma importante varejista de moda multimarcas responsável por cerca de meio milhão de libras, ou US$ 630 mil (R$ 3,2 mi), da receita projetada da Alighieri. Mas houve um problema.

Sede da Farfetch, em Londres
Sede da Farfetch, em Londres; empresa escapou da falência ao ser comprada por grupo Coupang - Toby Melville/Reuters

"Eles me deviam 70 mil libras [cerca de US$ 88 mil ou R$ 440 mil] em faturas não pagas desde outubro e estavam pedindo descontos nessas peças", disse Mahtani na última semana. Isso a deixou incomodada, mesmo que tal negociação fosse cada vez mais comum para marcas independentes como a dela. Ainda assim, ela disse que não estava tremendo nas bases.

"A equipe fez uma seleção, e conversamos sobre uma coleção para o verão [inverno no Brasil]", disse ela. "Não acho que nenhum de nós tinha ideia do que viria a seguir."

Dias depois, a MatchesFashion entrou em administração (o termo usado no Reino Unido para falência). Seu proprietário, o Frasers Group, que comprou a empresa em dezembro por cerca de 52 milhões de libras (US$ 66 milhões ou R$ 330 milhões), agora disse que a operação não era comercialmente viável. Da noite para o dia, quase metade da equipe foi demitida de uma empresa que havia sido avaliada em US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) quando foi vendida para a Apax Partners em 2017.

Hoje, 200 marcas estão devendo dinheiro e não podem acessar o estoque não vendido, e uma base de clientes furiosa reclama na internet sobre como ter acesso a pedidos ou fazer devoluções.

A implosão da MatchesFashion foi o mais recente caso de empresas que vendem bens de luxo online e estão falindo. Outrora queridas pelos investidores, muitas estão em queda livre financeira.

Em dezembro de 2023, a Farfetch, uma antiga potência do comércio eletrônico para butiques independentes, amada pelos gigantes do luxo cujos sites ela alimentava, evitou a falência após ser comprada pelo grupo de comércio eletroeletrônico sul-coreano Coupang. Em 2021, a Farfetch era avaliada em US$ 40 bilhões (R$ 200 bilhões).

O português José Neves, fundador da Farfetch, renunciou ao cargo de CEO em fevereiro em meio a uma série de processos movidos por acionistas. O futuro da Yoox Net-a-Porter também está em jogo após um acordo fracassado entre a Richemont, sua empresa controladora, e a Farfetch no ano passado.

A Richemont, que listou a Net-a-Porter como "operações descontinuadas" em seu balanço mais recente e fez bilhões de euros em baixas contábeis na empresa, disse que está procurando um comprador e não investirá mais dinheiro. Procurados, Richemont, Farfetch e MatchesFashion se recusaram a comentar.

Durante grande parte da última década, o comércio eletrônico de luxo foi saudado como a forma inteligente de fazer compras, oferecendo marcas badaladas, produtos exclusivos, devoluções gratuitas e serviços de entrega em 90 minutos com um simples clique de botão.

As lojas físicas certamente desmoronariam. O futuro estava em clicar em "Adicionar ao Carrinho", seja para moda com um preço de US$ 50 ou US$ 50 mil.

Nos primeiros anos da pandemia, os consumidores gastaram nesses sites. Mais recentemente, escolhas de gestão questionáveis, uma economia global volátil e preços de luxo em alta —e com grandes marcas investindo pesadamente em suas próprias operações digitais— restringiram a capacidade dos varejistas de se destacarem em um mercado competitivo, muito menos de obter lucro.

"No final, o que não pode se sustentar cairá, e os comerciantes online precisam ter ambições mais baixas e práticas", disse Luca Solca, analista de luxo da Bernstein.

A Matches está falida, a Farfetch gastou dinheiro como se não houvesse amanhã em aquisições questionáveis, e a Net-a-Porter está obsoleta. Qualquer sonho de se tornar um Uber para distribuição de luxo se transformou em um pesadelo e provou ser impossível de realizar

Luca Solca

analista de produtos de luxo da Bernstein

Rolagem infinita da moda

O comércio eletrônico multimarcas surgiu em um momento em que o mercado global de luxo estava mudando, de exclusivo para onipresente. A novidade e a emoção de poder navegar e comprar coisas bonitas que em breve chegarão à sua porta tinham apelo para um consumidor acostumado à gratificação imediata da era da internet.

Mas algo curioso sobre o comércio eletrônico de luxo online foi quantas companhias adotaram um modelo quebrado, algo refletido nos problemas já conhecidos das lojas de departamento nos Estados Unidos. Após o boom da pandemia, muitos ficaram com estoques em excesso.

Em seguida, eles recorreram a promoções agressivas e descontos.

Isso levou as marcas de peso a buscar mais controle sobre seu comércio eletrônico e distribuição.

À medida que a concorrência se tornava mais acirrada, os vendedores multimarcas buscavam encontrar um diferencial gastando cada vez mais. Mais marcas e mais produtos em mais regiões geográficas. Mais vendas.

Além dos gastos exorbitantes necessários para construir a infraestrutura para enviar todos esses pedidos —e processar todas essas devoluções gratuitas— era um modelo que minava grande parte do que havia atraído os consumidores em primeiro lugar.

"Muitos consumidores chegaram a esses sites porque queriam uma curadoria rápida e inteligente de peças", disse Fiona Harkin, diretora de previsão na consultoria Future Laboratory. "No final, e especialmente com o surgimento do comércio pela internet, dezenas e dezenas de páginas de produtos que provavelmente poderiam ser encontrados em outro lugar ficaram supérfluos."

Esses desafios coincidiram com uma queda geral do mercado de luxo e se alinharam com a exposição de muitos varejistas eletrônicos a consumidores de classe média que tiveram seus gastos limitados pela inflação e pela trajetória ascendente dos preços de luxo.

Solca estimou, em 2023, que os 5% principais dos clientes de luxo respondiam por mais de 40% das vendas, incluindo nos varejistas eletrônicos de luxo. Em outras palavras, um cliente ainda mais volúvel e exigente para conquistar.

Algumas empresas tentaram ampliar suas estratégias de negócios com aquisições caras. A Farfetch é proprietária da loja de luxo britânica Browns; o incubador italiano New Guards Group, que licencia a Off-White e a varejista de beleza Violet Grey, está atualmente em negociações para vender esses ativos. O surgimento da revenda levou os clientes a comprar produtos de segunda mão pouco tempo depois de estarem disponíveis pelo preço total.

"O custo do marketing digital bem-sucedido e da aquisição de clientes disparou cada vez mais, e os investidores estavam cada vez menos dispostos a arcar com os custos", disse o consultor para o mercado de luxo Robert Burke. Ele observou que algumas empresas, como a MyTheresa, se saíram melhor do que outras. No entanto, ele alertou que os últimos três meses trouxeram um reinício doloroso que já era esperado há muito tempo.

"Estamos prestes a ver uma grande evolução no comércio eletrônico de luxo —ou talvez uma palavra melhor seria correção", disse Burke. "No geral, as vendas online de moda de luxo aumentaram no ano passado. Este não é um mercado em declínio. O que está mudando é quem está conseguindo as fatias do bolo".

Sede da Richemont, dona de marcas como Cartier, deixou de investir no Yoox Net-a-Porter
Sede da Richemont, dona de marcas como Cartier, que deixou de investir no Yoox Net-a-Porter - Denis Balibouse/Reuters

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.