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Governo faz ajustes finais em pacote a aéreas para baratear voos

Pacote deve usar empréstimos do BNDES com garantia de fundos públicos, mas valores ainda não estão definidos

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Martha Beck Giovanna Bellotti Azevedo Rachel Gamarski
São Paulo | Bloomberg

O governo está dando os retoques finais em um plano de resgate às companhias aéreas, para lidar com um desafio que Estados Unidos e Europa encararam bem antes, logo após a pandemia.

O pacote, que deve ser anunciado nos próximos dias, utilizará fundos públicos como garantia para empréstimos do BNDES a aéreas em dificuldades, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto. Mas o plano ainda está sendo definido, e a expectativa é que seja mais um alívio temporário do que uma solução para todos os problemas do setor.

Cortar as tarifas o suficiente para permitir que a população de baixa renda voe regularmente virou uma espécie de obsessão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O custo elevado do combustível de aviação no Brasil é um fator complicante, com a Petrobras sob pressão para rever sua fórmula de preços.

Passageiros no aeroporto de Congonhas, em São Paulo; governo Lula estuda pacote de medidas para companhias - Danilo Verpa - 10.out.2022/Folhapress

A inação do ex-presidente Jair Bolsonaro após a Covid-19 levou as aéreas nacionais ao limite. O novo governo tem procurado chegar a um acordo sobre um caminho a seguir, e quando a Gol entrou com pedido de recuperação judicial no final de janeiro, a questão saltou para o topo da agenda. A Azul agora explora uma possível aquisição da concorrente em dificuldades.

O valor exato do pacote do governo ainda não foi definido. Alguns membros do governo pressionam por até R$ 8 bilhões, enquanto o Ministério da Fazenda prefere um valor mais próximo de R$ 5 bilhões, segundo duas fontes, que falaram sob condição de anonimato porque as discussões não são públicas.

"As companhias aéreas no Brasil não receberam ajuda do governo, e uma hora a conta chega", disse em entrevista Ygor Araujo, analista da Genial Investimentos. Segundo sua estimativa, um resgate da dimensão que está sendo considerada "traz um alívio de seis a oito meses, mas não é solução".

Além dos altos custos de combustível, as aéreas enfrentam atrasos na produção de novas aeronaves, insegurança jurídica e um número extremamente elevado de ações judiciais movidas por clientes insatisfeitos. Elas elevaram tarifas para compensar o alta dos custos, com aumentos de quase 50% nos preços das passagens em dezembro em relação ao ano anterior.

O presidente não esconde sua frustração. "Não há explicação para o preço das passagens aéreas neste país", disse Lula em evento no Amapá no final do ano passado, acrescentando que algumas passagens para a região Norte custam até R$ 10 mil.

Muitas pessoas de baixa renda acreditam no presidente e aguardam resultados. Dulce da Conceição, trabalhadora doméstica há mais de 35 anos em Brasília, aguarda a redução das tarifas aéreas para poder visitar com mais frequência a família no Nordeste. "Seria muito melhor ir de avião do que de ônibus", disse ela em entrevista.

As aéreas estão com os ouvidos quentes. Em um fórum do setor em São Paulo na semana passada, o CEO da Azul, John Peter Rodgerson, disse que as empresas enfrentaram repreensões semanais do governo ao longo de 2023, à medida que as tarifas subiam. A Latam e a Gol admitiram no mesmo evento que os preços elevados dificultam o acesso a viagens.

Mas apenas garantir empréstimos do BNDES não será suficiente para reduzir os preços ao consumidor. "A linha do BNDES não resolve. A linha não seria usada para subsidiar as passagens, e sim para ajudar com uma questão de liquidez das empresas", disse Carolina Chimenti, analista de crédito da Moody’s, acrescentando que câmbio e custo de combustível são os fatores que pesam nas tarifas.

Apesar da recuperação judicial, a Gol continua elegível à linha de crédito do BNDES, segundo uma pessoa a par do assunto. A companhia não respondeu a um pedido de comentário.

A Latam confirmou que está em discussão com o governo sobre formas de reduzir tarifas e disse em comunicado por email que vê o aumento da oferta de assentos e a redução dos custos estruturais como condições fundamentais.

Já a Azul acredita que o setor não está crescendo tão rápido quanto deveria no Brasil, citando comentários de Rodgerson em entrevista recente à Bloomberg, em que o CEO disse que uma linha de crédito nacional poderia mitigar o impacto das flutuações do câmbio e, em última análise, ajudar a aumentar a capacidade.

O governo Lula estuda outras medidas para reduzir o preço das passagens. Um novo programa em discussão, conhecido como Voa Brasil, visa permitir que as aéreas ofereçam tarifas reduzidas a estudantes e aposentados.

Quanto aos custos de combustível, o governo pressiona a Petrobras a alterar sua política de preços, mas até agora encontrou forte resistência. Embora o Brasil produza quase todo o querosene de aviação utilizado no país, a estatal calcula os preços como se o combustível fosse importado, o que traz volatilidade cambial à fórmula.

Os executivos do setor veem a redução dos preços dos combustíveis como um processo de longo prazo. Mas isso pode mudar se Lula decidir intervir diretamente nos assuntos da estatal, como teria feito na semana passada ao orquestrar a rejeição de uma proposta de pagamento de dividendos extraordinários pelo conselho da Petrobras. A decisão eliminou R$ 55 bilhões do valor de mercado da petrolífera em um dia.

Outro desafio é o número altíssimo de ações judiciais, que custam milhões às aéreas todos os anos.

As companhias aéreas brasileiras enfrentam entre 8.000 e 10 mil processos por mês. A combinação de um código de defesa do consumidor forte, que se aplica às aéreas, e um sistema jurídico acessível faz com que os clientes insatisfeitos no Brasil tenham 800 vezes mais probabilidade de recorrer à Justiça do que os consumidores americanos.

A concorrência também é um problema. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) disse que, das oito novas aéreas com licenças para operar no país desde 2019, duas pararam de voar e outra nunca começou.

"Uma redução firme nas tarifas será alcançada com um aumento na oferta de assentos –um tremendo desafio em todo o mundo após a pandemia", disse José Roberto Afonso, economista e pesquisador da Universidade de Lisboa que também leciona no IDP, em Brasília.

A Associação Internacional de Transporte Aéreo concorda que não existe solução mágica para o governo Lula.

"O Brasil precisa resolver efetivamente seus problemas estruturais, como o alto custo do combustível de aviação, especialmente quando comparado aos principais mercados, o custo proibitivo de capital e a judicialização excessiva, que funcionam como obstáculos significativos ao enorme potencial de crescimento do setor", disse a associação global do setor em resposta a perguntas escritas.

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